Capítulo 49 - Nova vida

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39,5 semanas depois

A correria de uma família para chegar à maternidade sempre é uma coisa meio cinematográfica. A cena fica bem mais interessante quando o pai da criança está vestido de cavaleiro medieval porque saiu correndo do estúdio onde gravava a participação especial numa série que eu nem me lembro qual era. Não adiantou nada dizer que daria tempo de sobra e que ele podia me encontrar no hospital. Os meninos terminavam de colocar as malas no carro quando ele chegou esbaforido e, provavelmente, precisando mais de um médico que eu. As dores começavam a ficar mais intensas e não deu para achar graça da situação toda na hora. Bendita gravação de celular que não nos deixou esquecer. Só mandei que ele vestisse uma camiseta de verdade e me encontrasse no carro.

Nem preciso dizer que os últimos 9 meses foram alucinantes. Uma mistura de felicidade e cuidados exagerados deram o tom da nossa vida. Topei andar com segurança sem pestanejar e evitei a maior parte das atividades que não fossem estritamente necessárias. O único lançamento a que compareci foi a antologia dos garotos da ONG, três meses antes. Aqueles jovens desenvolveram seu talento de uma maneira tão natural que eu não poderia sentir outra coisa, se não, orgulho. Até Jay evitou trabalhos que o mantivessem longe de casa por muito tempo. Nenhum de nós tentava disfarçar o pavor que algo de ruim acontecesse e ninguém ousava criticar nossos pequenos e grandes exageros. 

Testemunhar no julgamento de Bela e Leo foi a única emoção desagradável que me permiti. Ter certeza que eles passariam muito tempo presos foi um alívio restaurador. A defesa ainda tentou pintar Bela como uma mulher apaixonada e que, desprezada, quis se vingar de Jay. Teria conseguido, se Michele não tivesse todas as conversas entre as duas, salvas em backup. Ficou muito claro o quanto ela se esforçou em aproximar os dois. Talvez tivesse dado mais certo se ela afirmasse estar obcecada por mim. Que doida! 

Ficou provado que Lucas foi manipulado pelo tio a participar do golpe, ele cumpriu alguns meses no reformatório e ficou em liberdade assistida depois disso. Apesar de tudo, acreditei que o garoto tinha jeito. Muitas vítimas anteriores de Leo apareceram e ele respondeu a uma porção de processos além do meu. Dificilmente sairia da cadeia antes dos 70 anos de idade. Tudo isso ficou para trás assim que saímos do tribunal. Ninguém queria voltar a pensar naquilo.

Na maternidade, encontramos a banheira morna preparada para nos receber. Bola de pilates, doula, massagista, música suave, meia luz, velas aromáticas e toda aquela parafernalha que promete transformar o parto numa experiência transcendental. Como se ser virada do avesso enquanto seus ossos se afastam uns dos outros tivesse algo de romântico. Eu já implorava por analgesia antes de chegar aos 5 centímetros de dilatação. O único conforto eram os braços dele em volta de mim e a voz rouca no meu ouvido.

As contrações vinham como ondas de fogo me consumindo por dentro e eu queria chutar a cara da doula quando ela me pedia para lembrar que cada uma delas me aproximava mais de ter o meu bebê no colo. É claro que eu sabia disso, ou não passaria por nada daquilo.

A madrugada passou lenta e dolorosa. Consegui comer uma fruta, mastiguei gelo, balancei na bola, entrei e saí da água e parecia que ia explodir, quando depois das 8 horas, a bolsa finalmente estourou e a dor ficou ainda mais aguda. Era hora de empurrar. Impressionante como é nesse momento que a gente sente o bicho que é. Meu corpo tomou o controle e entre tremores, com as unhas cravadas no braço de Jay, fiz a força que com certeza não ser minha e senti nosso Joseph sair de mim, dentro da água, chorando a plenos pulmões assim que o ar entrou neles, apenas se acalmando quando ouviu a nossa voz e abrindo os olhos cinzentos para reconhecer nós dois. A dor e o cansaço desapareceram e tudo o que senti foi aquele amor muito maior que eu por aquela criaturinha melecada, pequena e cabeluda, sentindo crescer ainda mais o que sentia pelo pai dele, que permanecia abraçado a nós dois, chorando mais que o recém-nascido. 

Mais que perfeito vol.2 - Perfeição Em XequeOnde histórias criam vida. Descubra agora