Capítulo 47 - Pais e filhas

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O lançamento em Los Angeles teve toda a badalação que se esperava da segunda maior promessa do verão. O primeiro era Os Vingadores, onde ele também estava, como o novo Bruce Banner. O assédio e a conta bancária não parariam de crescer tão cedo. Na manhã seguinte, tivemos a desagradável visita ao médico de Michele. A consulta aconteceria no hospital onde ela trabalhava.

A obstetra nos recebeu com aquele atendimento pasteurizado de quem não estava feliz com toda a situação. Imaginei que fosse colega, talvez ate amiga de Michele. Provavelmente me via como um empecilho, uma mulher mimada, agarrada ao marido sem se importar com nada em volta. Talvez ela nem estivesse errada, não seria a opinião dela que me faria sair do caminho. Nunca mais abriria mão dele, nem por um filho inesperado, muito menos pela mãe ruiva desse bebê. Estávamos juntos nisso e em todo o resto, enquanto fosse o que ele queria. Explicou a respeito da gastroquise, uma condição congênita que levava os órgãos abdominais a se formarem fora a cavidade abdominal. Basicamente, as entranhas do bebê estavam fora da barriga e uma cirurgia deveria ser feita imediatamente após o nascimento, seguida de um tratamento que poderia se prolongar por todo o primeiro ano de vida da criança. A necessidade de um transplante seria remota, porém, possível.

Sair daquele consultório com Jay e a mulher que carregava o filho dele é uma lembrança que sumiu quase por completo da minha mente. Não sei dizer se eles se cumprimentaram com beijinhos ou se foram frios um com o outro, se comentamos o que a médica disse, se arquitetamos algum plano. Cada vez que penso naquela cena é como tentar me lembrar de um sonho confuso, as imagens escapam da minha mente como areia fina pelos dedos. Também não me lembro dos detalhes nas semanas seguintes. Sei que continuei ensinando aos garotos na ONG, lançando livros dos escritores vinculados à editora e escrevendo absolutamente nada. Juntando os remédios a toda aquela suspensão em que minha vida havia entrado, minha mente não conseguia construir mais nada. Os momentos com os gêmeos são os que ainda se mantêm claros daquele tempo.

Numa tarde chuvosa, estávamos os cinco: Pedro, Victor, Snow, Thor e eu assistindo a algum filme idiota. De tudo o que mantinha nossa comunicação funcionando, era tudo o que sobrevivera ao começo da puberdade. O estoque de pipoca estava perigosamente baixo e eu me voluntariei a buscar mais na cozinha. Subia a escada de volta quando ouvi os dois cochichando:

—Acha que o papai vai ficar com ela? - Victor perguntou com a vozinha de desenho animado.

— Ele acabou de voltar para casa. Não vai embora de novo. - Pedro respondeu vacilante.

—Mas o bebe esta doente. E se quando nascer ele não resistir e resolver ficar com ele? Vai ser filho dele de verdade, né?

— Não tem nada a ver, Victor. Nosso outro pai e pai de verdade e nunca mais ligou para a gente.

— Ele ligou mês passado...

— Não foi isso que eu quis dizer. Eu só não acho que ele vá embora. Ele vai dar um jeito de ser pai de todo mundo. Nem vai deixar o bebê, nem a gente.

— Como ele vai fazer isso?

— Ai e com ele. Fica tranquilo que ele vai dar um jeito, como sempre deu.

Estaria mentindo se dissesse que essa conversa toda não mexeu comigo. Embora não admitisse, tinha a mesma insegurança que eles, com o agravante de saber que as coisas não eram tão simples de se resolver. Ver o medo dele pesquisando sobre as possíveis complicações no quadro, quando pensava que eu não estava vendo, o sorriso forcado a cada vez que nos encontrávamos, as infindáveis consultas pré natal que o deixavam tenso, tentando não transparecer todo o pavor de passar de novo por tudo aquilo. O melhor que eu poderia fazer era continuar vivendo sem dar importância aos meus próprios fantasmas para não alimentar os dele.

Mais que perfeito vol.2 - Perfeição Em XequeOnde histórias criam vida. Descubra agora