Capítulo 25

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Ele saiu sem dizer nada. Vestiu calça e casaco, saindo em seguida em completo silêncio. Não sei por quanto tempo fiquei sentada, tremendo no chão do quarto. O sono ameaçava tomar conta, mas eu não me movi para a cama. Não conseguiria ficar ali. Foi o toque inconvenientemente alegre do meu celular que me tirou do transe. O nome de Josué apareceu na tela.

— Ele está aqui. Mais tarde conversamos.

Murmurei um 'obrigada' e desliguei, só então notando que a manhã de domingo começava a clarear. Logo a casa despertaria e eu não fazia ideia do que dizer. Por fim, o cansaço foi maior que tudo e me entreguei ao sono ali no tapete do quarto.

Acordei com a imagem de uma bandeja com pão e suco de garrafa na minha frente, além de uma dor de cabeça ainda mais forte que a da véspera. Uma manta estava sobre mim, e os meninos brincavam na sala de televisão ao lado do quarto, fazendo o mínimo possível de barulho. O sol brilhava frio e Snow entrou no quarto, silencioso, se esgueirando pelas minhas pernas, agora dobradas em frente  ao corpo enquanto eu comia o café da manhã preparado pelos meus filhos com as costas na parede. Meus olhos ardiam e eu nem sentia qualquer sabor, mas engoli tudo o que estava na bandeja. Entrei para o chuveiro e saí de lá algum tempo depois, com o cabelo lavado e preso, maquiagem feita, batom vermelho, vestida com um jeans  bem cortado e um suéter de cashmere branco. Era algo que aprendi há muito tempo: quanto maior a dor por dentro, melhor devia parecer por fora. Por essa lógica, eu poderia estar usando alta costura.  Quando olhei o relógio, percebi que passava do meio dia e finalmente saí do quarto. Não faço ideia do que minha expressão dizia, mas sei que não sorria e também não deixava transparecer muita coisa. Era como se um grande buraco estivesse aberto em mim e eu quisesse escondê-lo por não ser capaz de tapa-lo. Provavelmente nunca mais.

Deixei os gêmeos escolherem onde almoçaríamos e  acabamos numa pizzaria lotada de pré adolescentes jogando em máquinas de fliperama vintage. Estivéramos lá dias antes, na nossa comemoração particular do aniversário deles. Jay havia saído direto da gravação e tivemos algumas horas juntos, antes que ele voltasse ao estúdio. Ele jogou com as crianças, se entupiu de pizza, contrariando o coach de boa forma responsável pelos músculos de herói construídos graças a muito sacrifício. Rimos muito naquela noite que poderia ter acontecido anos antes. Era como se a última madrugada tivesse aberto uma fenda no tempo e eu não conseguisse me lembrar de sentir aquela alegria simples de quando estávamos nós quatro juntos, sendo uma família. O barulho e as luzes do lugar me deixavam zonza, mas eu mantive o sorriso para os meus filhos que passaram mais algumas boas horas naquele lugar. No carro, a caminho de casa, foi quando veio a pergunta para a qual não sabia a resposta. 

— Papai viajou de novo? Não sabia que tinha alguma coisa marcada. - Victor perguntou me olhando com uma profundidade que não era comum a ele. 

— Jay vai passar uns dias longe. Ele deve ligar logo. - Respondi contendo as lágrimas que insistiam em querer voltar. Não fazia ideia do que dizer a eles.

— Você está bem, mãe? - Pedro usou o tom de preocupação que usava desde que aprendeu a falar. O estrago de ter uma mãe como eu seria difícil de apagar.

— Sim, meu amor. Acho que estou um pouco cansada.

— Você dormiu no tapete...

— Minhas costas estavam doendo, fui para lá depois que Jay saiu. Preciso trocar o meu colchão. - Eu sei, já fui mais criativa nas desculpas.

Quando estacionei, vi o carro de Josué na entrada da casa e senti minhas entranhas se contorcerem. Tinha a certeza que a conversa não seria divertida e amigável como costumava ser. Mandei as crianças para o quarto e fui encontrar meu amigo na sala de jantar. Ele estava no escuro, lendo alguma coisa no tablet. Acendi a luz e ele olhou para mim. Fiquei pronta para o sermão.

— Vem cá. - ele pediu  e me aproximei. 

Antes que perguntasse qualquer coisa, fizesse qualquer comentário, ele me abraçou forte pela cintura e enterrei o rosto no seu peito. Chorei até soluçar, sem dizer nada, só deixando as lágrimas constrangedoras fazerem o trabalho. Ele sabia que eu não precisava de bronca e nem poderia falar, estava ali como o ombro protetor que sempre fora, desde o minuto em que chegou à minha vida e eu agradeci por isso. Suspirava repetidamente, sentindo os dedos percorrendo o comprimento do meu cabelo num acalento necessário e reparador. Meus olhos estavam quase se fechando e respiração voltava ao normal, quando ele percebeu que eu já suportaria conversar.

— Meu amor, eu estou fazendo um esforço enorme para não emitir julgamento, mas por favor, me explica o que aconteceu.

— Como ele está? - perguntei sem nem tentar disfarçar as lágrimas que voltavam a descer sem pausa.

— Péssimo, né. Tomei o maior susto com ele chegando de pijama no meio da madrugada, todo chocado, tremendo,  sem articular uma palavra. Ele só falou alguma coisa depois que tomou quase a metade do  whisky que ainda estava lacrado. Foi dormir quando o dia já estava claro. Deixei dormindo quando saí de lá.

— O que ele disse?

— Espero que ele esteja confuso. Acho que não entendi direito. Ele disse que você estava tendo um caso - baixei os olhos - com o DD.

— Ele disse a verdade. Embora eu não esteja tendo um caso. Já passou.

— Eu não estou acreditando.

— Eu não espero que você entenda. Prometeu não julgar.

— Foi por isso que abandonou as entrevistas e quase não participa mais do livro.

— Isso.

— Mas você ama o Jay. De um jeito que nunca imaginei que veria na vida real. Vocês estão juntos não porque se cansaram de procurar e aceitaram o que a vida mandou. Vocês se amam com uma força maior que tudo. Escolheram ficar juntos e lutaram por isso.

— Isso não tem nada a ver com amor, Josué. A vida é assim. Amor não vai segurar nada sozinho.

— Bobagem! É difícil superar uma coisa dessas, mas se tem um casal que consegue, são vocês dois. 

— Não. 

— Como não?

— É o melhor, Josué. Jay vai superar, vai conquistar o mundo ter uma vida linda e encontrar alguém livre, que não traga toneladas de carga de que nunca vai se livrar.

A decepção de Josué era palpável. Isso era obvio e eu sentia os olhos dele sobre mim, doloridos, preocupados, magoados. 

— Ainda não entendo. Como você pôde jogar tudo fora por um flerte sem sentido?

— Não tem nada a ver com flerte nenhum. Aconteceu. Fiz merda. O universo vem me dizendo há muito que faço mais mal que bem a ele. Precisei provar para mim mesma. - Suspirei antes de continuar. - Cuida dele pra mim, por favor.

— Nada disso é justo, Aurélia. 

— Eu sei, querido. Mas agora eu preciso que o seu amor seja incondicional e cuide do meu amado para mim, porque eu nunca mais vou ter essa chance.

Mais que perfeito vol.2 - Perfeição Em XequeOnde histórias criam vida. Descubra agora