Capítulo 23 - Hogwarts

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O salão de festas decorado poderia ser a realização do sonho de muita gente, inclusive o meu próprio. As quatro mesas compridas cobertas com toalhas no tema de cada casa, tinham espaço o suficiente para cem crianças, além das mesas fora do "salão comunal", reservadas para os pais e outros adultos. Pude ver mais de um pai emocionado ao assistir o chapéu seletor robótico selecionar seu filho para a casa a que pertenceriam até o fim da festa, baseado num rápido teste de personalidade feito na entrada em tablets, entregues por duas atrizes caracterizadas de professora Minerva e Belatriz Lestrange, respectivamente. Ouvi alguns resmungos de pais insatisfeitos por suas crias terem ido parar na Sonserina ou Lufa-lufa e não pude deixar de achar graça na importância que as pessoas dão a um teste bobo de internet.

A produção foi impecável a ponto de eu ficar me perguntando como colocaram as velas "flutuando" no teto e esquecer que o grandão na mesa dos professores era um cosplayer que conhecemos na Comic Con de San Diego no ano anterior. Eu podia jurar que era o Hagrid original. Os gêmeos mal cabiam em si ao descobrirem cada detalhe pensado para eles. Uma das coisas boas de ter amigos em Hollywood é conseguir detalhes que seriam virtualmente impossíveis a outras pessoas, como os quadros em movimento, vindos diretos do estúdio onde foram usados nas gravações tantos anos antes. Todo aquele espetáculo contrastava violentamente com a dor de cabeça lancinante que me torturava há exatas duas semanas. 

Na tarde seguinte à volta inesperada de Jay, avisei a Josué que as minhas entrevistas com DD estavam encerradas e que ele deveria concluir o trabalho com o que faltasse. Ignorei os protestos indignados do meu sócio que insistia que mantivesse o tom intimista das entrevistas, mas fui irredutível e assumi a frente dos preparativos para a festa das crianças. Desde então, meus dias se resumiam a escolher animadores, cardápio e lista de convidados, além de falhar em esperar acordada meu marido chegar do estúdio, onde compensava as semanas de atraso nas gravações voltando para casa no meio da madrugada, absolutamente exausto e desmontava na cama, amanhecendo na mesma posição horas depois, quando se levantava para sair de novo. Na única noite em que ele chegou cedo e íamos ter algum momento a sós, Victor caiu de skate no degrau que ligava a cozinha ao quintal e levou um corte feio, da testa ao couro cabeludo, resultando numa visita sangrenta e dolorosa ao pronto socorro e um menino comemorando a cicatriz legítima do Harry para a festa.

Recebíamos os convidados, tirávamos fotos e tentávamos nos certificar que as crianças permanecessem inteiras e os adultos felizes até o fim do evento. Numa das voltas pelas mesas, Bela veio me cumprimentar, usando um manto da Corvinal.

_ A festa ficou linda, Aurélia. Deve ter dado muito trabalho, não sei como você consegue. - ela tinha um sorriso indecifrável ao falar comigo. Era a primeira vez que nos falávamos desde o fim das gravações, meses antes.

_ Sonhar como criança e agir como adulta pode gerar muita coisa bacana. Especialmente festas inesquecíveis.

_ Agir como adulta às vezes é um desafio.

_ Um bem grande, pode ter certeza.

_ Jay é bom nisso, não é?

_ Não entendi o que quis dizer.

_ Ora, Aurélia. Você sabe que ele já nasceu adulto, só por isso vocês deram certo. Se ele não soubesse engolir o choro, fingir que está tudo bem e tolerar os seus chiliques, não sei onde vocês estariam.

_ O que quer dizer com engolir o choro? Do que você está falando, Isabela?

_ Como você pode estar casada com uma pessoa tão especial e ser tão escrota? Você nem nota o quanto ele está ferido. O medo, a dor, a tristeza... sério, você tem muita sorte de ser amada por ele, porque você não o merece. Você não merece ninguém, nem os seus filhos. É egoísta, mimada e dissimulada.

_ Você está bêbada? De onde tirou que eu não mereço o amor do meu marido e não sei o que ele está passando?

_ Não, você não sabe. É no meu colo que ele chora de saudade dela, é comigo que ele fala do quanto está perdido sem saber como agir com você.  Jay está em frangalhos e eu culpo você. Exclusivamente você!

_ Nunca te fiz nada, garota. Por que está falando assim comigo?

_ Você não faz, insinua. Como ter jogado aquela bebida na minha roupa, na noite em que a conheci. Não dava pra brigar com você porque foi "acidente", depois você me convida para fazer parte do filme, mas me trata como uma inútil o tempo todo com esse sorrisinho besta e essa falsa simpatia. Você tem a manha de agredir e parecer inocente e isso te torna pior que qualquer uma dessas raposas com quem convivemos. Ninguém tem chance de defesa com você. Nem ele!

_ Você está maluca. Espero que goste do bolo e que os garçons estejam te servindo bem. - respondi e saí me segurando para não chorar e nem expulsá-la da festa. 

O nó crescia na garganta quando Josué me encontrou ao lado da lareira com a cara do Sirius Black esculpida nas chamas de celofane. 

_ Aurélia, vai começar a seleção das varin... o que foi?

_ Nada, vamos lá. 

_ O que foi? Conheço essa vinco na testa e esse nariz vermelho.

_ Não é nada!

_ Sei... - ele segurou meu pulso com suavidade e olhou a palma das minhas mãos com as marcas das unhas enterradas na pele.

_ Não sei o que estou fazendo da minha vida, mas acho que não tenho o direito de arrastar ninguém comigo. - disparei e soltei o soluço no ombro dele. Depois de alguns minutos, ele me afastou com gentileza, mas firme.. _ Eu não sei o que está rolando, mas vá se recompor e participar da festa. Seus meninos precisam da sua atenção, não importa o quanto isso te doa. Depois conversamos.

O beijo dado depois não suavizou em nada todo o fardo que continuava pesando nos meus ombros, mas obedeci e cheguei a tempo de assistir Victor e Pedro entrarem no cenário do Olivaras montado na varanda da mansão de festas. Gargalhadas e gritinhos foram ouvidos quando uma luminária explodiu ao ter a varinha apontada para ela. Jay chegou não sei de onde e segurou a minha mão. Trocamos um olhar e recebi um beijo na testa. Ele passou o braço pela minha cintura e apoiei a cabeça no ombro dele. Foi como se não houvesse centenas de pessoas em volta de nós, nem um turbilhão dentro de mim. Desejei que tudo permanecesse assim para sempre e que fosse o suficiente. Até o fim.

Mais que perfeito vol.2 - Perfeição Em XequeOnde histórias criam vida. Descubra agora