Capítulo 41 - Jay

81 13 19
                                    


P.O.V Jay

Era muito estranho estar no Brasil sem ela. Especialmente em São Paulo, a segunda cidade que ela mais amava no mundo, só perdendo para Paris. A feira de cultura nerd foi uma parada estratégica. Falar português, fez de mim o mais procurado dos membros da equipe. Os repórteres brasileiros adoram uma celebridade com sotaque. A última entrevista seria no mesmo programa onde ela apareceu três anos atrás. O anfitrião é um cara gente boa, mas considerando que ele flertou com ela, tenho uma certa obrigação de não gostar do sujeito. Assim que cheguei do treino na academia do hotel, Érica veio me avisar de alguém esperando. Pedi que mandasse entrar assim que eu saísse do chuveiro. Ainda não tinha vestido a camisa quando Agda entrou no quarto e me deu aquele abraço acolhedor, que me deixava um bocado desconfortável. Caramba, ela é prima da Aurélia, devia se conter.

— Difícil te achar, hein, primão! Tive que mostrar a identidade pra cão de guarda, provar que sou da família. Por que não atende ao celular?

— Estive trabalhando o dia todo e estou me preparando para sair. Você precisa de alguma coisa?

— Não, querido. Embora um café seja muito bem vindo, é você quem precisa de uma coisa que eu tenho.

Coloquei a cápsula na máquina e ela se sentou no sofá, tirando um pacote da bolsa enorme.

— Sabe que eu discordo de praticamente tudo o que minha prima faz, né? Odiei crescer à sombra dela. Nada que eu fizesse se destacava: se eu era campeã de vôlei, ela ganhava três concursos literários e a feira de ciências; se eu aprendia inglês, ela falava desde os 10 anos sem ter feito aula. Por isso, fui ficando do contra. Ela se casou com o Sr. Perfeito, eu resolvi ser mãe solteira; ela se tornou a escritora famosa, eu terminei a faculdade depois dos 30. Claro que nada disso foi de caso pensado, foram anos de terapia até concluir tudo a coisa toda. Pode imaginar o quanto foi bom pra mim quando ela se divorciou daquele boçal, sumiu por um tempo e depois volta com um namorado novinho, inesperado e que ainda apareceu dirigindo bêbado no jornal? Adorei! Ela finalmente me libertou e pudemos ser amigas de uma vez por todas. Agora vocês me vêm com essa de estarem separados. Que merda é essa, Jay?

Como uma pessoa podia falar tanta coisa num período tão curto? Como as mulheres dessa família conseguiam resumir uma vida inteira durante o preparo de uma xícara de café?

— Açúcar? - ela revirou os olhos impaciente. — Olha, Agda, agradeço o interesse, mas a minha vida com a Aurélia é com ela, nós temos nossas questões a resolver. Podemos conseguir ou não, mas duvido que isso altere a relação de vocês duas.

— Acha que estou preocupada com isso? Só falei aquilo para introduzir a conversa. Quero que me responda uma coisa: você a ama?

— Que tipo de pergunta é essa?

— Do tipo direta, pessoal e muito importante.

—Claro que a amo, sempre vou amar. Passamos por muita coisa juntos, ela é uma mulher incrível.

— Não esse tipo de amor, Jay. Estou falando de amor daquele que te faz querer parar o mundo para estar perto do outro, que te faz agir feito um imbecil, aquela força que muda a gente por dentro e por fora, e que traz medo e coragem, tudo ao mesmo tempo. Estou falando daquele amor capaz morrer e matar pelo outro. Você ama a Aurélia?

Nunca tinha apreciado o quanto as duas eram parecidas. A mesma cor de cabelo, mesmo desenho da boca, mesmo jeito de falar e a mesma facilidade em desnudar a alma sem mudar a cara. Senti uma onda de saudade da minha mulher me invadir. É claro que eu a amo! Ela deve ter lido meus pensamentos, porque me entregou o pacote que tinha tirado da bolsa pouco antes.

— Isso aqui é o presente que ela tinha preparado para te dar no natal, antes de acontecer aquela desgraceira toda. Esse diário tem mais sentimento que a maioria dos romances que já li na vida. Achei que você merecia vê-lo antes de questionar se ela te ama o suficiente. - olhei para ela com o cenho franzido. —Sim, ela me contou. Sempre tretamos, mas sempre fomos confidentes.

Tirei o papel que envolvia o caderno de couro com uns enfeites dourados. Era pesado e tinha uma mancha de sangue no canto superior direito, que escorria da capa para as folhas.A letra dela em cada uma, escrita em caneta, me deu uma ideia do tempo gasto naquilo tudo. Ainda examinava o presente quando Agda se despediu com um beijo na minha fronte.

— Você tem muito o que ler e eu preciso ir. Preciso estar em Brasília hoje ainda. Manda um beijo pra Aurélia e diz que ela está me devendo mais uma. - disse se dirigindo à porta e nem esperando que eu chegasse até lá antes de sair.

Vesti a camisa e fui lendo tudo na van que me levaria até o estúdio. Logo nas primeiras páginas ela vai contando como nos conhecemos, quando decidiu que eu seria o Jerko, nosso primeiro beijo em Dublin.

"Não importa que eu sinta o meu estômago revirar cada vez que penso nele. Não vou ser mais uma na lista de ator famoso e me permitir sofrer por ele. Se vou sofrer, que seja antes da humilhação de ser a coroa fetiche." Como ela era boba, meu Deus! A coisa continua.

"Eu sabia! Ele levou uma garota quando o convidei para o pub da Patti. Tem jeito mais óbvio de avisar que não me vê como mulher? Eu não devia ter me permitido gostar dele, agora dói toda vez que eu respiro. Como é que eu vou chegar perto dele no estúdio?"

Muitas páginas à frente, mais um registro me chamou a atenção. "Hoje tomei vinho pela primeira vez em, sei lá, uns 5 anos. Nem lembro do sabor, mas nunca vou esquecer a sensação de fazer isso com ele. Jay é um presente na minha vida, tudo o que eu poderia pedir. Ele agora está aqui, dormindo relaxado do meu lado e eu não consigo parar de sorrir. Só ele poderia me fazer esquecer todo aquele horror e aproveitar uma boa taça de vinho e uma noite de amor memorável como se fosse uma coisa corriqueira. É tanta felicidade que parece que eu vou explodir. Nem nas minhas histórias eu poderia imaginar alguém melhor. Nem imagino mais a minha vida sem ele." A última que consegui ler antes de chegar, era nossa lua de mel. "Ele está adorando o nordeste. Quem diria que eu poderia amar tão perdidamente esse menino? Coloquei a minha vida na mão dele, mesmo com medo. Espero merecer todo o bem que ele me faz. Será que ele tem ideia que eu seria capaz de morrer por ele? Que eu confiaria tudo nas mãos dele? Preferiria ser mais delicada, conseguir demonstrar mais isso, gritar o quanto Jay Hite se tornou indivisível de mim. Impossível nos separar sem me matar."

Foi difícil disfarçar a emoção durante a entrevista. Eu basicamente ri na metade do tempo e tentava me concentrar no que o entrevistador perguntava. Fui embora torcendo para acharem que eu estava fazendo tipo. Quando cheguei ao aeroporto, Erica estava esperando por mim com a bagagem e a passagem comprada. Eu precisava ir para casa imediatamente.

Quando entrei no prédio, estava irritado. Uma governanta que não conheço, me avisou que Aurélia não estava em casa e eu me senti um idiota por não ter avisado que estava pegando um vôo longo para vê-la. O jeito foi partir para o meu apartamento, guardar tudo e ligar de novo mais tarde. Surpresas nunca deram muito certo entre nós. Quando toquei na porta, ela abriu antes que eu a destrancasse. A sala toda a meia luz e um cara qualquer gritando com a Aurélia, um outro no chão e uma mulher de pé encostada na parede. Senti uma explosão de adrenalina ao ver a arma na mão do sujeito.

Mais que perfeito vol.2 - Perfeição Em XequeOnde histórias criam vida. Descubra agora