Capítulo 27 - Vida nova, de novo

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As crianças receberam a notícia com a resignação de quem já espera um choque. O choro contido de quem começa a aprender a não derramar lágrimas em público aumentou ainda mais o enorme abismo que crescia em mim. Aquele buraco ia se dilatando cada vez que percebia alguém que eu amava sofrendo por causa de uma decisão minha. Logo não restaria mais nada.

Era o fim da semana seguinte, o primeiro que os meninos passariam com ele quando liguei para Josué combinando uma visita ao pub da Patty. Há mais de um ano não visitava minha amiga texana e não tinha a menor chance de passar aquela noite sozinha com todos os fantasmas que insistiam em arrastar correntes na minha cabeça cada vez em que eu não tinha gente em volta.

O frango a passarinho e as histórias foram deliciosos como sempre. Senti uma certa culpa quando a dona do lugar fez questão de mandar uma porção de coxinhas para Jay (ela havia se tornado uma especialista em comida brasileira) e tive que aceitar para não levantar suspeitas. Ainda esticamos para o cinema, onde ele assistiu a um musical antigo e eu dormi no ombro dele, grata por ele não trazer o assunto proibido em nenhum momento. Passamos a noite como fazíamos anos antes e os meninos viajavam para ver o pai. Naquela época, ele havia acabado de perder o noivo na guerra e combinamos só falar no assunto quando ele estivesse pronto, o que aconteceu pouco antes de me mudar a Paris. Nunca vou esquecer a dor impressa nos olhos sempre alegres do meu amigo naquela madrugada.

Ele chegou ao meu quarto pisando com cuidado. Normalmente eu fingiria já ter dormido, depois de um dia exaustivo na tradução de textos técnicos para o português, mas sentei-me na cama e acendi a luz do abajur. Na luz fraca, pude ver o quanto ele estava pálido e estendi os braços. Ele se encaixou e chorou no meu colo até purgar toda a saudade que eu sempre soube que sentia. Depois disso, ele deitou com a cabeça na minha coxa e vimos o dia nascer trocando histórias sobre Marc.

— Quando ele me conheceu, pediu o telefone e anotou um dos números errado. Depois ficou voltando ao bar onde aconteceu todo sábado por meses. Só que eu não frequentava lá. Ele lembrou que eu mencionei trabalhar numa editora e fez não sei quantas ligações até descobrir qual era a minha só pra me dar uma bronca, porque achou que eu tivesse dado o número errado. – ele me contou entre lágrimas e sorrisos, a história que eu sabia de cor. – Onde, no mundo vou encontrar alguém parecido?

— Você vai encontrar alguém que mereça o seu amor. Não tente comparar com ele e nem tenha pressa. Você se sai bem como solteiro e eu sempre vou te amar.

Essa conversa havia acontecido antes de eu virar best-seller, de Paris, antes de Hollywood, da editora e do casamento. Josué continuava sozinho e eu sabia que não havia suprido o amor de que ele precisava e nem poderia. Por mais divertido, sábio e descolado que ele fosse, eu tinha certeza que algo faltava naquele peito, como sempre faltaria no meu.

Dispensei que ele dormisse na minha casa e segui para lá, logo depois de deixa-lo em frente ao condomínio onde morava sem deixar de pensar que as pessoas mais importantes da minha vida estavam dentro daqueles muros.

— Tem certeza que quer dirigir? Está morrendo de sono, até dormiu no cinema.

— Eu sempre durmo no cinema, nada novo nisso. Vou direto pra casa.

Assim que ele entrou, dei a partida e segui, não para casa, mas no lugar de pegar a 101 para vencer os 10 minutos que separavam Studio City de Sherman Oaks, peguei a 405 e peguei um caminho que só havia percorrido pelo Google Street View. Não lembro quanto tempo levei até estar na Pacific Coast. Abri o vidro e deixei o vento fresco e o cheiro de maresia entrarem por um momento e as lágrimas embaçaram a minha visão. Aquela era mais uma das muitas sensações que ela nunca teria. Continuei acelerando e peguei uma secundária que levaria para as montanhas. Esperava que o frio, a velocidade e a música anestesiassem o latejar constante que me torturava há tempo demais. A pista úmida fez o carro deslizar e com o sacolejar contra as pedras fora da pista, minha cabeça bateu antes que ele capotasse pela primeira vez, senti o ar fugir dos meus pulmões e tudo escureceu.

Mais que perfeito vol.2 - Perfeição Em XequeOnde histórias criam vida. Descubra agora