Capítulo 42 - O grande canalha

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— Lucas, deixa de frescura e levanta desse chão, bunda mole! - o garoto gemia segurando o estômago, com a cara pálida e os olhos injetados. —As duas, chega de palhaçada. Briga de mulher é uma coisa horrorosa. Dêem-se ao respeito. - impressionante como uma arma na mão dá coragem ao indivíduo.

Bela ficou de pé, encostada na parede, eu me sentei no sofá indicado por ele, sem tirar o olho da arma, apontada direto para mim. Um esforço tremendo para simular calma e fazer valer as centenas de horas assistindo séries de ação. No meu lugar o que Jack Bauer faria?

— Você se acha muito esperta, não é? Pensa que é especial. Você é só mais uma pessoa ridícula nessa cidade, que acredita valer muito mais do que vale. Acha que a gente não nota seu olhinho brilhando quando o bem intencionado diretor da ONG diz o quanto você vai fazer diferença e chamar a atenção para a causa? Vou te explicar uma coisa, sua imbecil: você foi só um meio para a gente poder monitorar o estrelinha e um plano B, caso fosse necessária alguma informação. Acha que escrever contos da carochinha e ensinar literatura para aqueles inúteis vai mudar o mundo? Não vai.

— Léo, eu vou colaborar. Só preciso saber se o Josué está bem.

— Você não está em condições de fazer exigências. Vai fazer o que eu mandar ou eu explodo a sua cabeça agora mesmo.

Mantive as mãos abertas à frente do corpo em sinal de rendição, sentindo a respiração pesar, desesperada por qualquer chance de desarmar o cara. Seria impossível segurar o pânico por muito tempo. Bela voltava ao normal, ainda esfregando o pescoço. Lucas continuava no chão, aparentemente tonto demais para ficar de pé. Mais um barulho na cozinha me deu a certeza de que era lá que Josué estava, imobilizado, com toda a certeza. A pouca luz que entrava pela janela iluminava o rosto e a arma do homem à minha frente. Tudo nele me dizia que não era blefe. Ele realmente estava disposto a acabar comigo. Tudo o que eu pensava era na minha semi automática, guardada no fundo do closet, lá na minha casa. Seria bem mais fácil enfrentar um cara com o dobro do meu tamanho com a ajuda dela. Foi burrice achar que o teaser seria suficiente. Estava pronta para me esquivar de uma cantada inconveniente ou até envolver a polícia, não me imaginei em linha de tiro mais uma vez. Os olhos começavam a se acostumar com a escuridão e calculei mentalmente o peso do abajur.

Quando Josué fez mais um bocado de barulho na cozinha e Léo se virou para berrar com Bela, mandando fazê-lo parar, joguei o objeto na direção dele, a cerâmica quebrou na parede e ele se abaixou. Antes que se levantasse, Jay se jogou em cima dele. O barulho dos dois corpos pesados caindo no chão pareceu levar uma eternidade para atingir meus ouvidos. Nem deu pra questionar de onde ele saiu, Bela voltava na direção dos dois e tive que tirá-la do caminho com uma escultura pequena e pesada na testa. Recuperei o teaser do chão e antes que conseguisse fazer qualquer coisa com ele, o barulho de tiro encheu a sala. Os dois pararam de se mover por um instante e quando Léo ficou de pé, nem pensei antes de atirar nele e jogá-lo no chão eletrocutado.

Peguei a arma antes de me ajoelhar ao lado de Jay, que sangrava no carpete. Eu tremia tanto que quase caí em cima dele.

— Jay, fala comigo! - eu berrava, apavorada.

A equipe de segurança do prédio entrou logo em seguida. Eu só notei quando as luzes se acenderam e Josué se ajoelhou do meu lado, com um galo enorme na cabeça.

— Eu vou ficar bem. - ele falou com a voz quebrada de quem tenta disfarçar a dor. Segurei a mão dele com força até os paramédicos chegarem.

Na ambulância, rasgaram a camiseta e limparam a ferida no lado esquerdo do abdome. Ele fechou os olhos. Beijei os dedos cobertos de sangue e ele apertou um pouco mais a minha mão.

 Beijei os dedos cobertos de sangue e ele apertou um pouco mais a minha mão

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Logo no pronto-socorro, identificaram que nenhum órgão foi atingido pelo disparo, embora a perda de sangue tenha sido grande e uma transfusão tenha sido feita. Ele dormia no quarto quando os detetives vieram colher meu depoimento.

Contei tudo, inclusive dos dados roubados do computador, os métodos que usamos, toda a interação com Bela e Léo, a cena em frente à ONG dias antes. Eles me revelaram que Léo era procurado em três estados, sempre por aplicar golpes em mulheres com quem se relacionava. Do Brasil, ele saiu depois de roubar tudo da mãe viúva, por isso só conheceu o sobrinho após a morte do irmão e a mudança da cunhada para Los Angeles. O garoto foi envolvido no esquema quando o tio descobriu seus talentos em roubar senhas e dados no computador e a Bela caiu de paraquedas na história quando se deixou envolver por ele.

Era o meio da madrugada quando eu cochilava na cadeira e despertei assustada ouvindo a voz dele me chamar. Ajudei a tomar água e fiz um carinho no cabelo.

— Você está bem?

— Foi você quem levou um tiro e pergunta se estou bem, Jay Hite?

— É a sua terceira passagem por hospital em menos de seis meses. Sua cabeça deve estar uma bagunça.

— Minha cabeça está uma bagunça há tempos. Prefiro estar com você no hospital do que em casa sozinha.

— Por que você não é sempre assim? Sem defesa, sem reservas... é tão mais fácil amar essa Aurélia.

— Eu pensei que tinha te perdido para sempre. Não tenho nem energia para qualquer defesa. Nada como assistir o amor da minha vida sangrando no chão para colocar as coisas em perspectiva.

— Eu sou o amor da sua vida?

— Você ainda tem alguma dúvida? - ele desviou o olhar. — Como pode duvidar?

— Não duvido, Aurélia. Mas não foi você ter enfrentado aquele cara que me convenceu. Eu recebi meu presente de natal. Devia ter me mostrado há muito tempo. - senti meu rosto ruborizar e uma lágrima teimosa brotar.

— Eu não conseguia, nem me sentia no direito de te impor isso. Eu realmente achava que você estaria melhor sem mim. Achava que o mundo todo estaria assim. Consegue me perdoar por isso?

— Já disse que não há o que perdoar. Só me promete que nunca mais vai desistir de nós. - assenti com a cabeça e me afundei no ombro dele, encharcando os cabelos com um choro que estava guardado por tempo demais.

Mais que perfeito vol.2 - Perfeição Em XequeOnde histórias criam vida. Descubra agora