Dustin era um cara contraditório. Visual meio doido e cheiro forte de cigarro que se estendia à decoração da casa. Os móveis em cores fortes, tapete bege e instrumentos jogados pelo chão eram tão fora de ordem quanto o homem desafiador e irreverente à minha frente. Mesmo assim, era gentil, um perfeito cavalheiro, do tipo que abre a porta e puxa a cadeira. Assim que entrei, pediu para guardar o meu casaco e ofereceu uma bebida antes de começarmos.
Ele me contou da infância na fazenda, onde, ao contrário do que se poderia imaginar, ele levava surras e castigos dos pais quase todos os dias. Mesmo assim, a criatividade para inventar malcriações parecia sem fim. Pobres vacas! Ele contou até o High School, onde montou a primeira banda e descobriu na música, sua maneira de se comunicar com o mundo e conseguir garotas. Dei risada do jeito quase adolescente daquele homem.
_ Percebi logo de cara que rock'n roll tem a ver com música, sexo e contestação. Nunca mais perdi isso de vista.
_ Preciso anotar essa frase. É o tipo de tirada que as pessoas adoram.
Saí de lá com o próximo encontro marcado para o dia seguinte. Esse duraria desde a manhã e provavelmente renderia mais. Estava escuro quando entrei no carro e olhei o celular e o visor me mostrava 5 chamadas perdidas. Todas vieram de Jay. Retornei imediatamente e ele atendeu no primeiro toque.
_ Oi, amor. Passamos o dia nos desencontrando. Tudo bem?
_ Hey, baby. Acho que a sua nova assistente ainda está meio confusa.
_ Não sei se ela vai durar. Preciso de uma Marie no escritório.
_ Quem não precisa? - ele fez uma pausa e respirou ruidoso - Você está bem? Já chegou em casa?
_ Por que está sussurrando assim? Aconteceu alguma coisa, Jay?
_ Aconteceu. Mas fica calma que foi só um susto. Tive que vir a Nova Iorque. - senti as pernas tremerem e o rosto queimar. - Recebi a ligação do hospital avisando que minha mãe tinha dado entrada com suspeita de um enfarto. Tentei te ligar antes de vir, mas não dava para esperar.
_ Claro. Como ela está?
_ Foi uma crise de angina, realizaram alguns procedimentos, e ela está em observação. O perigo passou e acho que vou ter que passar a noite aqui.
_ Entendo, amor. Jonathan está aí com vocês? Quer dizer, a mãe também é dele...
_ Não, ele não veio e eu não vou cobrar. Agora, preciso ir. Se cuda e dá um beijinho nos meninos. Eu mando notícias. Amo você.
_ Certo. Também te amo.
Dirigi sentindo um aperto durante a quase uma hora no trânsito até a nossa casa. Odiava tudo o que vinha acontecendo. O embrulho constante no estômago, a sensação de estar fazendo tudo errado, ele estar longe, aquele vazio crescente que me impedia de focar no que importava. Engoli mais uma vez o nó na garganta entes de entrar em casa e encontrar os meninos de pijama, prontos para dormirem. Dei um beijinho nos dois e fui para o meu próprio quarto. Dormir sozinha se tornara estranho, os cobertores não conseguiam esquentar os lençóis e o mal estar não me deixou até o cansaço ficar maior que ele. Fechei os olhos num sono agitado e nada reparador.
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Logo depois das 9h, entrava mais uma vez pela porta preta e alta de madeira da mansão. Um bom corretivo disfarçava as olheiras adquiridas na noite maldormida e uma dose extra de cafeína me mantinha com os olhos abertos e a mente atenta para mais histórias épicas do artista lendário na minha frente.
_ Quer dizer que sua mãe ameaçou te deserdar se saísse da escola para seguir carreira na música?
_ Ela é uma italiana com sangue quente nas veias! A sorte é que não tinha muito o que herdar. Ela me considerou morto até que apareci com o certificado de conclusão, quando a banda já tinha estourado. Pode imaginar? Frequentar a escola noturna quando eu já lotava estádios nos shows. Foi um semestre insano!
_ Posso imaginar. Em época de lançamento, meu marido já tem dificuldade em fazer atividades normais fora de casa. E ele nem é uma estrela do rock.
_ Verdade, você conhece um pouco disso. Ele parece ser um bom garoto.
_ Ele é ótimo. Mas não é de mim e nem dele que viemos falar aqui. Quero saber mais sobre a senhora Sofia e como reagiu quando você trouxe o tal diploma.
_ Ela mal parou para olhar o papel. Eu estava todo esperando uma cena cheia de drama, lágrimas e abraços. Afinal, estávamos afastados há anos. Ela me olhou de cima e mandou tirar a bagunça da mesa que ela ia servir o almoço. Era assim, dona Sofia Damico. Durona, mas com o maior coração do mundo.
_ Acabou de descrever a minha mãe. Difícil de dobrar, mas capaz de morrer pela família.
_ Acho que toda mãe de verdade é assim. Graças a Deus por elas.
_ Amém. Agora me conte sobre outras mulheres. Minhas pesquisas dizem que nem todas foram sagradas.
_ Claro que foram! Nada aproxima mais um homem de Deus que ter um orgasmo simultâneo ao de uma mulher bonita. É cósmico! - não pude evitar rir.
O dia correu cheio de histórias sobre família, sexo, música, brigas e a loucura dos anos 80. Era noite quando saí da mansão, com o humor muito melhor que o da véspera. Liguei para casa, falei com os meninos, sabendo que não iria encontrá-los acordados ao chegar. Marie estava com eles e soube que os trabalhos estavam indo muito bem. Desejei ter a francesa de volta à nossa rotina como era anos antes. Acho que desejei toda a realidade de antes. Quando os desafios e dores pareciam tão duros, mas eram tão menores e tão resolvíveis! A próxima ligação foi para Jay, que não atendeu. Depois de algumas tentativas, desisti e parti para casa. Os quase 15 quilômetros no trânsito de Beverly Hills a Sherman Oaks, serviriam para dissipar qualquer pensamento inconveniente.
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Mais que perfeito vol.2 - Perfeição Em Xeque
RomanceDepois de descobrirem um amor mais forte que as intrigas de Hollywood e que a implicância de um ex-marido encaminhado dos infernos, Aurélia e Jay estão casados e muito felizes. A família continua cada vez mais forte e eles precisam descobrir juntos...