Capítulo 5 - Mama

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Os dias correram sem grandes novidades. Náuseas matinais, provocações do Pedro, Victor alheio a tudo, gravações da madrugada até o fim da noite e Josué me forçando a comer frutas toda vez que me via. Começava a achar que nunca mais iria conseguir comer um cheetos em paz. Meus pais chegaram na véspera do fim das gravações. Escapei do set e fui cedo para casa.

_ Mãe, que saudade! - Abracei dona Zita, saudosa de verdade - Como estava a Europa? Comeram muito? Trouxeram os queijos que pedi?

_ Quente, cheia de gente e de prédios velhos. Como sempre foi e sempre vai ser. Comemos bem e a mulher nojenta da Anvisa confiscou seus queijos. - respondeu mal humorada.

_ Sério? Que chata! Tava doida por um bom fromage.

_ Deve ter no supermercado.

_ Oi, pai. Aconteceu alguma coisa? Tenho a impressão que ela não está muito feliz.

_ Nada demais, filha.

_ Nada demais? Eu nunca vi tantos bebês e criancas mal educadas num mesmo avião. Um começava a chorar, os outros resolviam fazer coral. Não dormi nada, não consegui ler... mesmo na executiva os berros atrapalhavam. Graças a Deus, meus netos já são dois rapazinhos, acho que não aguento mais recém nascido na minha vida.

_ Ah. - respondi deixando o sorriso morrer e abrindo um pouco mais os olhos.

_ Ah? O que quer dizer isso? - ela me olhava desconfiada e eu não parava de me sentir como se tivesse quebrado uma janela enquanto jogava bola.

_ Ah, que isso é uma pena, porque logo vai ter neto recém-nascido de novo. - contei. Os dois se abriram num sorriso derretido, imediatamente apaixonados pelo novo descendente.

_ Tem certeza? É só um dessa vez?

_ Isso lá é pergunta que se faça, mãe? Claro que tenho certeza. E ainda não sei se é só um. Vou ao médico quando chegar em casa.

_ Você está em casa.

_ Não, eu não estou em casa. Já marquei com a minha médica em Los Angeles. Vou ter a primeira consulta no dia seguinte à minha chegada. Já estou tomando vitaminas e comendo direito, não preciso ir ao médico daqui.

A próxima coisa de que me lembro é entrar no carro com ela, a caminho da clínica onde o novo namorado da Agda atendia e conseguiu um encaixe para nós no começo da noite.

_ Queria que o Jay pudesse estar junto. - reclamei para mim mesma.

_ Já falei com ele. Vai escapar por uns minutos. A clínica é bem perto do set.

_ Você falou com ele? Pensei que não achasse isso tão importante. Quando eu esperava os meninos vivia dizendo que eu reclamava demais da ausência do pai deles.

_ O que queria que eu fizesse? Envenenasse de vez um casamento que já não era lá essas coisas? Chamasse a sua atenção para o fato do seu marido ser um boçal? Eu cometi um erro sendo omissa a tudo o que ele fazia. Não vou errar assim de novo. Se Jay não andar na linha, dessa vez eu me meto sem dó.

_ Ai, Jesus! Mãe, se controla.

_ Relaxa, que não foi só você quem aprendeu uma coisa ou duas nos últimos anos. - ela respondeu rindo eu não tenho certeza de que.

Já íamos entrar no consultório bege quando ele chegou esbaforido e ainda com a calça de couro de Jerko e resquícios de fuligem nas mãos. Cumprimentou minha mãe com um beijo no rosto e nos seguiu com a cara de quem estava totalmente perdido no ambiente. Depois de perguntas desconfortavelmente pessoais para responder na frente da minha mãe, ele me mandou deitar na maca. A ultrassonografia transvaginal mostrou uma mancha clara no meio de uma imagem em preto e branco.

_ Esse é o saco gestacional. O embrião está bem instalado na parede do útero. Temos uma placenta e um embrião. Tudo dentro do previsto para uma gestação de 6 semanas.

_ Significa que é um bebê só? - Jay perguntou e nós confirmamos. Ele deu um meio sorriso e um beijinho na minha mão.

Saímos de lá com uma foto do ultrassom e nos despedimos da minha mãe. Aproveitei a carona dele para voltar ao set. O dia seguinte seria uma loucura e queria fechar o cronograma com James para evitar atropelos. Acabamos por decidir dividir a equipe de filmagem em duas. Natalie e eu cuidaríamos da cenas menores e James, das cenas com os atores principais. Acabei gostando da divisão, queria treinar a direção e no dia seguinte seria filmado o tão esperado beijo entre Sol e Jerko e não havia nada no mundo que me fizesse achar natural meu marido beijar outra mulher na minha frente. Não importa que a cena foi escrita por mim, que são personagens e não eles. Era a boca dele na boca de outra pessoa e eu não conseguiria manter o profissionalismo se precisassem repetir a tomada. Se tudo desse certo, antes do por do sol, estaríamos com tudo concluído e daí seria só desmontar o circo e voltar para casa.

Acabamos ficando para dormir no hotel com a equipe. Quero dizer: dormir seria exagero. Tivemos exatas três horas do momento em que fechamos a porta do quarto até a primeira ligação nos avisando que era hora de voltar ao trabalho. Ah, o glamour de Hollywood!

A névoa seca podia ser vista no ar. O céu no tom de laranja e azul cinzento dava uma atmosfera bucólica e trazia uma quase frio improvável para um agosto seco e sufocante, como eram todos os agostos no centro-oeste do Brasil. Estávamos prontos para gravar na Praça dos Três poderes. Sabrina, a atriz que interpretava Marina e uma das poucas brasileiras no elenco, corria de um monumento ao outro seguida de figurantes. Os atores mirins que faziam seus irmãos, pulavam da estátua da justiça e rolavam no chão, onde seriam substituídos pelos adultos em macacões verdes cheios de sensores que os fariam como os animais selvagens em que os personagens se transformavam. Assim que o sol saiu de vez, o calor já estava insuportável. James ia e vinha entre as duas equipes, checando resultados, mudando detalhes e enlouquecendo todo mundo. À hora do almoço, consegui comer meu sanduíche sentada na calçada com Josué, Jay e Angie.

_ Torcer para ele quebrar o tornozelo e ficar no hospital até o fim do dia, faz de mim uma pessoa ruim? - perguntei aos coleguinhas.

_ Faz. E você também fica surtada em fim de projeto. Seja paciente. - Josué me respondeu com ar de superioridade. - Mas confesso que estou fugindo dele desde cedo.

_ Por falar em fugir dele. Você devia dar uma parada. Está quente demais e sou capaz de apostar que já teve vertigem pelo menos uma vez. - Jay, que parecia completamente alheio à conversa, se meteu, sério.

_ Não tive. Estou na sombra, tomando água e comendo direito. Fica tranquilo que eu aguento até o fim do dia - ok, eu não disse exatamente a verdade. Os sacos de vômito estavam quase acabando e as vertigens estavam administráveis, mas não inexistentes.

_ Está doente, Aurélia? - Angie perguntou e eu nem tinha me tocado que ela não sabia de nada.

_ Não. Jay que anda meio super protetor. Está tudo bem comigo. - respondi trocando olhares com meus dois rapazes.

Assim que ela saiu, Jay me chamou de canto.

_ Por que não contou a ela?

_ Porque ainda é cedo. As primeiras semanas sempre são de risco. E não quero que a equipe toda saiba. Daí para virar manchete é uma questão de minutos.

_ Mais um motivo para pegar leve.

_ Meu amor, daqui a algumas horas as gravações terminam. Aí prometo que vou ficar bem quietinha, só chocando a cria. Tá bom?

_ Nós dois sabemos que não vai ser assim. Se exagerar, te deixo aqui com a sua mãe e me mando para casa com os meninos.

_ Eu te amo, Jay Hite, tente não me fazer mudar de ideia.

_ Eu te amo, moça teimosa. Agora vou terminar de matar uns monstros para poder te levar para casa e fazer amor com você até amanhecer. - sussurrou no meu ouvido, me arrepiando inteira.

_ Pensei que fosse para eu ficar quieta. - respondi, rindo

_ Não tão quieta. Já fiz o dever de casa e sei que isso não faz mal nenhum. - disse e se afastou, me deixando vermelha, enquanto tentava disfarçar o quanto queria ir para casa naquela mesma hora.

Mais que perfeito vol.2 - Perfeição Em XequeOnde histórias criam vida. Descubra agora