Capítulo 3 - Sra. Castini

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I

Às vezes tomamos algumas decisões sem avaliá-las profundamente. Não achava muito correto me tornar um
colaborador extraoficial de um caso policial. Mas, diante da especificidade daquele caso, convenci-me de que a minha recusa poderia ser ainda mais danosa. Afinal, um louco poderia estar à solta. E como o inspetor Carboni passava a imagem de um policial bastante compromissado, não havia nada a temer.

Pensava nisso enquanto tomava uma xícara de café na antessala da delegacia. Estava prestes a sair, quando a porta lateral abriu-se abruptamente. Percebi a entrada de uma pessoa de estatura mediana, trajando calças jeans, camisa de malha preta um pouco larga e um tênis branco. Um boné preto e frouxo cobria sua cabeça, e os olhos estavam escondidos atrás de um par de óculos de sol.

O nervosismo indisfarçável do rapaz me comoveu a ponto de eu me aproximar para oferecer-lhe ajuda.

A delicadeza dos traços do rapaz me soou familiar. Por eu ser um bom fisionomista, tinha quase certeza de ter visto um rosto parecido ultimamente. Mas onde?

― Precisa de algo? ― perguntei. ― Um copo d'água talvez?

Ele sinalizou que sim com a mão.

Busquei o copo e, enquanto eu entregava ao rapaz a água, lembrei-me de onde eu conhecia seu rosto. O problema é que às vezes eu tenho um péssimo defeito de pensar em voz alta quando isso acontece.

― Pasta Della Nonna... ― deixei escapar.

Aquele comportamento suspeito tornou-se mais acentuado com o meu palpite involuntário. Era nítido como o copo balançava naquelas mãos trêmulas. Não demorou muito para que o copo de plástico caísse no chão.

O impulso natural para abaixar para pegar o copo do chão derrubou o boné frouxo da cabeça do jovem e acabou por revelar o segredo que ele pretendia ocultar. Eu não tinha me enganado. Era ela mesma.

Devolvi-lhe o boné que escondia os longos cabelos negros, e tentei tranquilizá-la.

― Não se preocupe.

Ela permaneceu imóvel. Parecia não saber o que fazer após seu disfarce ser descoberto.

Avancei na abordagem do modo mais suave possível.

― Lamento o que aconteceu. Não fique triste.

Ela desabou em lágrimas.

Acomodei-a em um banco e pedi para que um servente enxugasse o chão molhado.

Sentei ao lado dela e disse:

― Seu nome é Fiorela, não é mesmo?

― Quem é você? Não me lembro de tê-lo visto antes. De onde você me conhece?

Ela retirou os óculos do rosto e me encarou com seus olhos castanhos encharcados de lágrimas. Prosseguiu sem me deixar responder:

― Desculpe pela minha grosseria. É que o remorso está tomando conta de mim. Não me olhe deste modo acusador.

Ela parecia bastante arrependida, mas meu olhar era de compaixão.

― Não sei o que deu em mim ― ela continuou. ― O ciúme nos cega facilmente. Podemos conversar mais reservadamente, inspetor? Este disfarce ridículo foi o que me veio em mente para driblar esses jornalistas
insistentes que poderiam estar rondando a porta da delegacia e...

― Eu não sou o inspetor ― expliquei a ela. ― Meu nome é Lorenzo Rodanelli. Sou um jornalista aposentado.

― Não me leve a mal. Pensei que você fosse o inspetor ― ela corou. ― Você sabe como os jornalistas sabem ser indiscretos às vezes.

Movimentos perigosos (COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora