Capítulo 7 - Milena Cavalieri

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Eu não acompanhei o inspetor Carboni quando nós entramos no Constantino Palazzo Hotel e ele pediu autorização à recepção para subir ao quarto dos pais de Bartolomeo Cuatrimossi.

Eu me despedi do inspetor e avancei em direção à saída do hotel.

Enquanto eu abria a porta, recuei um pouco para trás para dar passagem a uma mulher de cabelo loiro preso na altura da nuca. Ela agradeceu timidamente e caminhou em direção à escadaria do hotel.

Embora fosse um rosto extremamente comum, eu tive a ligeira sensação de já ter visto aquele rosto há pouco tempo.

Parei na porta do hotel e franzi meu cenho como se puxasse um pouco mais a minha memória. Logo descobri de onde a conhecia. Tratava-se da paciente do meu amigo Ítalo Langoli. Como era mesmo o nome dela? Era um nome curioso. Regina Torres Vescovo.

Impressionante como algumas pessoas podem ser facilmente notadas, seja por sua beleza, seja por sua excentricidade, e outras se tornam praticamente invisíveis devido à própria insignificância. Regina era um exemplo perfeito de como sua presença era indiferente aos olhos alheios. Até um homem como eu, com grande capacidade de reconhecer a fisionomia das pessoas, não a identificou de imediato. Talvez fosse porque ela estivesse sem aquela franja loira que usava na testa durante a manhã.

Minhas abstrações foram interrompidas por uma voz feminina que vinha do interior do Constantino PalazzoHotel:

― Sr. Lorenzo Rodanelli?

Virei-me e me deparei com a presença de Milena Cavalieri. Não me lembrava de termos sidos apresentados. Surpreendi-me por ela saber o meu nome.

― Sim? ― perguntei, intrigado.

― Sabia que o senhor não fazia parte da equipe daquele inspetor, Sr. Lorenzo Rodanelli. A notícia da morte de Bartolomeo me abalou de tal forma que me impediu de reconhecê-lo de imediato. Li uns três livros seus. Meu favorito é As aparências enganam. Eu jamais teria imaginado um desfecho como aquele.

Ela falava de modo ofegante e, vez ou outra, girava o pescoço para trás e olhava para o interior do hotel.

― Preciso conversar com o senhor antes daquele inspetor notar que eu saí discretamente do quarto em que estamos hospedados. Teria cinco minutos?

Eu tinha consciência de que seria inadequado de minha parte compactuar com aquela atitude de Milena. Ela havia escapulido do seu quarto deliberadamente.

A minha hesitação fez com que ela inserisse um argumento adicional que me convenceria da sua proposta:

― Prometo que o inspetor saberá de todo o teor do que nós conversarmos, se é isso o que está pensando. Não estaríamos fazendo nada de errado, estaríamos?

A cafeteria do hotel foi o local sugerido por Milena

para conversarmos. Cercado de expectativas, ouvi o que inquietava aquela jovem de cabelos flamejantes:

― Sabia que o senhor tem a maior cara de pai? Não ria. É sério. Sabe aqueles tipos de pais mais acolhedores? Parece mesmo. Embora as aparências


enganem, não é mesmo? ― ela complementou com um sorriso.

Eu sorri novamente e concordei com a cabeça. No meu livro As aparências enganam, o personagem principal descobre que uma pessoa bem próxima foi a responsável pela trama que culminou com o assassinato do milionário finlandês Gliff Kjerful.

― Eu nunca tive um... ― ela disse com um ar melancólico. ― Eu passei a morar com a minha tia


Rebecca aos sete anos, pouco depois que minha mãe veio a falecer. Tio Timoteo e tia Adelaide são como se fosse parte da família. Até porque, tia Adelaide e tia Rebecca são irmãs. Minha mãe era a terceira das irmãs. Embora o tio Timoteo tenha aquele ar de bondoso e generoso, eu nunca consegui enxergar nele a figura de um pai acolhedor. Aquela passividade dele diante da postura agressiva da tia Adelaide sempre me incomodou.

Compreendi a decisão impetuosa tomada por Milena. O estado emocional no qual ela se encontrava comprimia a jovem por dentro. Certamente ela não tinha visto nenhum traço paternal no rosto carrancudo e sisudo do inspetor Carboni.

Ela me perguntou se eu tinha filhos e eu lhe contei sobre Isabelle e Matheus. Quando eu, alegremente, mencionei sobre o noivado do meu filho, Milena logo disse:

― Você parece feliz com o noivado do seu filho. Quem dera os pais sempre pensassem assim. Como as pessoas podem ter pontos de vista tão diferentes sobre um mesmo assunto?

― Diferentes? ― perguntei, com cautela.

― Meus tios eram totalmente contrários ao noivado de Bartolomeo. Claro que toda a influência partiu de minha tia Adelaide. O tio Timoteo é apenas um fantoche na mão dela. Mas eles não poderiam ter sido tão radicais. Eles nem conheciam a noiva!

Os pais não conheciam a noiva? Não me recordava de ter ouvido nenhum caso parecido. Minhas sobrancelhas se ergueram e me impediram de ocultar a minha surpresa perante aquele fato. Tentei contemporizar:

― Talvez este tenha sido um motivo plausível para a resistência de seus tios e...

Surpreendentemente, ela não me deixou terminar a frase.

― Não sei por que perco meu tempo com você. Você não sabe de nada! Nada!

Milena estava furiosa. Ela se levantou.

― Espere! ― eu disse, tentando acalmá-la. ― Eu não tive a intenção de...

― Tudo bem. Não se ofenda ― ela disse em um tom de voz mais brando. ― Mas agora eles não podem mais voltar atrás. Agora a tia Adelaide e o tio Timoteo estão lá em cima lamentando a morte de Bartolomeo. Se não tivessem intervindo no noivado dele, talvez nem estivéssemos nesta maldita cidade. Estaríamos todos
tranquilamente lá em Veneza. Bem, de qualquer forma, foi bom desabafar com o senhor. Não foi perda de tempo como eu disse agora há pouco. Desconsidere esse meu comentário. Com licença.

Ela saiu da cafeteria.

Realmente não me senti ofendido com o destempero de Milena. Como se já não bastasse ter que


enfrentar uma tragédia familiar como o assassinato de um primo, ela deu a entender que aquela viagem não teria sido planejada com antecedência pela família. E, segundo Milena, a interferência dos pais de Bartolomeo no noivado secreto do próprio filho teria influenciado a vinda deles


para Roma.

Coincidentemente, eu lembrei logo depois, foi nesse período que Bartolomeo passou a ser um freqüentador assíduo de um clube de xadrez em Veneza.

Seria mesmo apenas coincidência?

Não tive muito tempo para organizar estes pensamentos, pois Rebecca, a tia de Milena, apareceu na entrada da cafeteria e, quando nossos olhares se


cruzaram, ela apontou para a cadeira vazia na minha mesa, como se pedisse licença para conversar comigo.

Assenti com a cabeça.

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Obrigado,
Vincento Hughes.

Movimentos perigosos (COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora