Pouco tempo depois, o inspetor Carboni, acompanhado do tenente Desinone, conversava com uma das recepcionistas do Constantino Palazzo Hotel. Tratava-se de uma mulher de cerca de quarenta anos, atenciosa e extremamente segura em suas respostas.
― Exatamente, senhor. A Srta. Flink desceu por volta das 14h com uma valise preta, pagou a estadia em dinheiro e saiu pela porta do hotel.
― A saída dela estava prevista para hoje? ― quis saber o inspetor.
― Não, senhor. Ela chegou aqui no último sábado e sua estadia seria até a próxima sexta-feira.
― Hum! Antecipou a saída! E ela aparentava nervosismo em algum momento?
― Sinceramente, não, senhor ― disse a recepcionista. ― E olha que eu sou uma pessoa bastante observadora. Ela parecia bastante calma.
― Então, provavelmente, a senhorita deve ter visto quando Helga Flink retornou ao hotel ontem. ― sugeriu o inspetor, malicioso.
A recepcionista hesitou por um momento e franziu o cenho.
― Deixe-me ver ― ela disse. ― Ah! Claro. Certamente a hóspede retornou durante o horário da
tarde. Ontem, Andressa ― ela apontou para a outra recepcionista ao seu lado ― não pôde vir trabalhar. E eu me deparei com um imprevisto e pedi para o concierge me substituir por duas horas. Se for este o caso, já posso lhes adiantar que será improvável que Giorgio tenha percebido. Ele é um pouco... aéreo.Ciente de que não obteria mais nenhuma informação relevante, o inspetor Carboni pediu que a
recepcionista nos acompanhasse até o quarto onde Helga Flink havia se hospedado. Ela passou algumas instruções para a outra recepcionista, e todos subimos pelo elevador.Quando a recepcionista bateu na porta do nº 412, não houve resposta imediata. Demorou alguns segundos para que um homem bem-apessoado que beirava os cinquenta anos e com pele bronzeada pelo sol aparecesse no vão da porta. Tinha no rosto a expressão inconteste de quem havia tido um cochilo interrompido.
― Mil perdões, senhor ― explicou-se a funcionária do hotel. ― O senhor Carboni gostaria de...
O inspetor apressou-se em atenuar o embaraço da recepcionista:
― Lamento incomodar, senhor...
― Sr. Vescaresi.
― Sr. Vescaresi. Eu sou o inspetor Carboni. Infelizmente a hóspede que ocupava este quarto até ontem era testemunha de um assassinato. Ela pode estar
desaparecida ― O inspetor mostrou o mandado de busca
e completou: ― Não deve levar mais que cinco minutos.Embora demonstrasse descontentamento, o Sr. Vescaresi preferiu não polemizar e abriu passagem para que o inspetor e o tenente pudessem entrar no quarto. O inspetor Carboni acenou-me com a mão pedindo para que eu aguardasse no corredor.
― Um bronzeado um tanto artificial ― comentou a
recepcionista assim que a porta se fechou diante de nós. ― Bem... Preciso retornar ao meu posto de trabalho.Deixei Andressa sozinha lá embaixo.
Fiquei ali me perguntando como o tal funcionário devia ser distraído. Obviamente, Helga Flink teve a sorte de retornar ao hotel durante a ausência da observadora recepcionista. O mais provável é que a estrangeira tenha se sentido insegura com o fato de testemunhar um assassinato. Isso explicava sua decisão repentina de sair do hotel. A pergunta era: para onde Helga Flink teria ido?
Ouvi passos de alguém que caminhava em um corredor adjacente ao meu. Pouco depois, vislumbrei a figura do Sr. Timoteo dobrando o corredor. Um maço de cigarros que ele segurava escorregou de sua mão, e eu, que estava a pouca distância, fiz menção de me abaixar para pegá-lo. Mas não foi necessário.
― Obrigado pela atitude, cavalheiro ― disse o Sr.
Timoteo assim que alcançou o pacote caído no carpete do
corredor. Ele acrescentou: ― Eu sei que fazem mal, mas eles me acalmam.― Eu já parei faz anos ― disse, sorrindo levemente.
― Eu também ― disse o Sr. Timoteo. Ele fez uma pausa. Em seguida, declarou: ― Mas não é fácil perder um filho. E ainda mais do modo como tudo ocorreu. Estou me sentindo tão vulnerável.
Era improvável que o Sr. Timoteo se recordasse de mim. Apenas inclinei a cabeça expressando pesar e esperei que ele prosseguisse.
― Talvez você esteja sabendo. Eu sou pai daquele jovem que foi assassinado no Coliseu. Por mim, eu já teria voltado para a Veneza, mas minha esposa se recusa a sair de Roma sem que se descubra quem tirou a vida do nosso filho.
― Perdoe a minha indiscrição ― eu disse. ― Já sabem a causa da morte?
― Eu estive com o legista hoje pela manhã para o reconhecimento do corpo, sabe? Ele suspeita que alguém tenha injetado uma dose cavalar de um relaxante muscular com o poder de paralisar gradativamente todos os músculos do corpo. Per dio! Segundo o legista, Bartolomeo deve ter assistido à própria morte e não pôde fazer nada. Per dio! Quanta perversidade!
Minha perplexidade foi tamanha que eu mesmo paralisei com o que acabara de ouvir. Como alguém teria sido capaz de algo tão abominável? Fui incapaz de
oferecer uma palavra de conforto àquele pobre senhor.Uma voz estridente vinda do corredor adjacente
rompeu o pequeno silêncio que se seguira ao desabafo do
pai de Bartolomeo.― Timoteo! Ô Tim. Onde você se meteu? Ah! Aí está você! Foi só eu esquecer a minha bolsa e você já some?! Vamos.
Sem se importar com a minha presença, ela deu um puxão no braço do marido, que, nitidamente constrangido, despediu-se de mim com uma leve inclinação da cabeça.
― Estou indo, Adelaide.
Eu ainda pude ouvir os protestos da Sra. Adelaide enquanto o casal dobrava o corredor:
― Você e essa sua mania de se perder! Por causa disso, todos nós separamos ontem no Coliseu. E viu no que deu? O nosso Bartolomeo se foi e...
À medida que eles se afastavam, a voz da Sra. Adelaide distanciava-se, até que não pude mais ouvi-la.
Pouco depois, com um nítido desapontamento no semblante, o inspetor Carboni saiu do quarto, acompanhado do tenente Desinone.
― Nenhuma pista. Como alguém pode sumir assim sem deixar vestígios? ― foi o máximo que o inspetor se dispôs a dizer sobre a busca feita no quarto ocupado por Helga Flink.
Retornamos silenciosamente até a delegacia. Apenas quando me encontrei a sós novamente com o inspetor, eu contei a ele sobre o meu casual encontro com o Sr. Timoteo.
― Eu soube do laudo preliminar do legista. Aquela carta me atordoou de tal modo que lhe negligenciei esta informação ―disse o inspetor em um tom de desculpas.
― Ao menos, este fato restringe a nossa busca ao autor do crime. Em tese, é claro.
― Quem dera isso fosse verdade, Sr. Lorenzo ― discordou o inspetor. ― Alguns tipos de barbitúricos contêm relaxantes musculares que, em altas doses,
possam causar este efeito paralisante. E o que não falta
por aí são pessoas depressivas com acesso a esses medicamentos. É claro que é necessária a prescrição médica para adquiri-los, mas, depois que um paciente consegue comprá-los, qualquer pessoa que convive com ele teria chances de se apoderar dos medicamentos e
usá-los para fins não muito ortodoxos. Infelizmente."E o que não falta por aí são pessoas depressivas com acesso a esses medicamentos". A lembrança daquela frase fez com que eu desenhasse subitamente na minha mente a imagem de uma pessoa que eu conhecia.
Mas logo tratei de expulsar aqueles pensamentos. Naquele momento, eles não pareciam fazer sentido.
****************************
Gostou? Sinta-se à vontade caso queira registrar seu voto neste capítulo. A mesma recomendação é válida caso queira compartilhá-lo.
Obrigado,
Vincento Hughes.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Movimentos perigosos (COMPLETA)
Mistério / Suspense(...) ― Ganhar tempo? ― perguntei, ainda perplexo com o mistério feito pelo inspetor. ― Sim. Tudo indica que esta dama branca não estava lá junto à vítima por mero acaso. Fizemos uma busca no apartamento em que o jovem morava aqui em Roma e encontr...