Naquela mesma noite, Doralice finalmente me telefonou. Eu havia passado o restante da tarde debruçado sobre a máquina de escrever. Surpreendentemente, eu conseguira deixar minha inspiração fluir livremente naquelas horas e avançara razoavelmente nas páginas iniciais do meu livro. Por causa disso, estava no quarto quando o telefone tocou, o que me fez atrasar em retirá-lo do gancho.
― Oi, Enzo. Que saudades! Por que demorou tanto? ― A voz dela estava nitidamente acelerada. ― O que você andou fazendo ontem que não atendeu às minhas ligações?
Contei a ela que dormira cedo por conta da minha fraqueza. Não tive tempo de explicar sobre a minha febre passageira, pois Doralice interrompeu-me ansiosa:
― Já está bem, não é mesmo, Enzo? Espero que sim. Não quero me sentir mais culpada do que já estou. Eu não pude te ligar anteontem. Mas também, você sequer pode imaginar o que aconteceu comigo na excursão.
Não era incomum Doralice se deparar com histórias inusitadas ocorridas com algum turista. Prevendo que a narração de minha esposa seria divertida, deixei escapar uma risadinha.
― Desta vez, acho que não é tão engraçado, Enzo ― prosseguiu Doralice. ― Estou em Praga hoje. Você acredita que anteontem, quando estava em Cracóvia, na Polônia, uma das senhoras do nosso grupo se acidentou?
― Suponho que tenha acontecido naquelas Minas de Sal, não é mesmo, Dora?
― Claro que não, Enzo. As Minas de Sal ficam em Wieliczka, cidade próxima de Cracóvia. Você e suas suposições erradas! ― criticou Doralice, com doçura na voz. ― O incidente ocorreu no quarto da hóspede. Nós já havíamos voltados do passeio feito às Minas de Sal, e os hóspedes já haviam se acomodado. Eu retornava ao meu quarto para descansar, de onde eu ia lhe telefonar. Então, inesperadamente, o Sr. Marek Bulowysk, ou qualquer sobrenome parecido com esse, me interceptou no corredor pedindo ajuda. Ele era polonês, não falava inglês e se enrolava um pouco com a nossa língua, mas pude compreender que a esposa dele havia se acidentado no banheiro. Quando entrei no quarto do casal, a senhora gemia de dor, pois acabara de quebrar o pé ao tentar sair da banheira. Então, como eu sou a guia do passeio, precisei intermediar toda a comunicação entre o Sr. Bulowysk e a atendente da emergência, que solicitava os dados particulares da esposa dele, a Sra. Olga Flinken. Era dinamarquesa, norueguesa ou finlandesa. Agora não lembro exatamente, mas pertencia a algum destes países nórdicos. Ela gemia tanto que o próprio marido sentia dificuldade em compreender o que a esposa falava na própria língua. Então, Enzo, você pode imaginar como foi demorado todo o processo de decodificação da mensagem que chegava à atendente. A Sra. Flinken murmurava na língua dela, o marido traduzia para o italiano, eu transmitia a informação para a atendente em inglês, e o fluxo retornava no sentido inverso com outra pergunta da atendente.
― Ao menos não foi nada mais grave, caso contrário a pobre senhora correria risco de vida ― comentei.
― Certamente. Graças a Deus! ― disse Doralice, com voz aliviada. ― No entanto, parece que a Sra. Olga Flinken não compartilhou da mesma opinião. Depois que a atendente confirmou que uma ambulância estaria em breve para socorrer a Sra. Flinken, a senhora nórdica murmurou mais algumas palavras, diante das quais o marido reagiu de modo pessimista, colocando o rosto entre as mãos e mirando o olhar na direção do carpete do quarto. Logo em seguida, ele se virou, agradeceu-me e, falando em um italiano confuso, tentou me explicar que aquilo era uma maldição. É claro que eu contemporizei e disse que aquelas coisas aconteciam, mas o Sr. Bulowysk balançou a cabeça e explicou que ele e a esposa eram primos e, por isso, aquilo trazia má sorte. Presumi que os poloneses, por serem tão católicos como os italianos, também se agarravam na crença de que os casamentos consanguíneos eram passíveis de punição divina, com formação de filhos com doenças genéticas. Embora eu, particularmente, soubesse que, biologicamente, era natural que a união entre primos resultasse no aumento da chance de os filhos gerados serem defeituosos.
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Movimentos perigosos (COMPLETA)
Mystery / Thriller(...) ― Ganhar tempo? ― perguntei, ainda perplexo com o mistério feito pelo inspetor. ― Sim. Tudo indica que esta dama branca não estava lá junto à vítima por mero acaso. Fizemos uma busca no apartamento em que o jovem morava aqui em Roma e encontr...