Capítulo 24 - Um vislumbre inesperado

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O dia seguinte amanheceu ensolarado e quente. Aquele sábado, no entanto, não se mostrou tão abafado quanto o último domingo em que ocorreu a primeira das três mortes em série.

Por estar exausta da longa viagem que fizera de Praga até Roma, Doralice fora vencida pelo cansaço assim que chegamos do necrotério onde o corpo de Helga Flink foi analisado. Enquanto ela não acordava, desci rapidamente para adquirir um exemplar do Oggi.

Assim como todos os outros jornais, as manchetes foram dominadas pela morte de Helga Flink e o trágico desfecho daquela série de crimes relacionados a xadrez.

Folheava o jornal na poltrona quando Doralice apareceu com um sorriso no rosto e um olhar insinuante para os próprios pés. Ela calçava um par de pantufas amarelas.

Bongiorno, Enzo. Sabia que você iria comprar o jornal. Você adora ler aquilo que já sabe. Aposto que as manchetes estão com um leve toque de xenofobia. Afinal, os assassinatos foram cometidos por uma norueguesa.

Ela fez uma pausa e acrescentou rapidamente:

― Espero que não tenha esquecido da sua promessa. Aquela loja de calçados já estava fechada ontem, quando retornamos do necrotério. E eu só trouxe aquela sandália e estas pantufas amarelas.

Doralice sabia ser persuasiva quando queria.

Deixei o jornal sobre a poltrona e, em poucos minutos, entrávamos na loja de calçados sobre a qual Doralice havia falado.

Incrível como até uma mulher objetiva e prática como Doralice se rendia aos apelos de uma sandália, não tardando para que ela estivesse rodeada de meia dúzia de pares para experimentar.

Não demorou muito para que o tédio que logo tomou conta de mim direcionasse meu pensamento para os fatos referentes ao desfecho das mortes de Stefano Castini, Bartolomeo Cuatrimossi e, agora, a morte de Helga Flink.

Deixei Doralice entretida com a vendedora e caminhei até a porta da loja.

O caso estava encerrado, e o que ainda me prendia a Roma era a conclusão do esboço do livro que eu prometera ao Sr. Salvatore.

Embora eu tivesse conseguido escrever as primeiras páginas abordando o xadrez como um esporte, senti ligeiro remorso por não ter sugerido inicialmente ao meu editor a proposta de um romance policial. As mortes e as peças de xadrez inspirariam uma trama intrigante.

Meus devaneios se interromperam instantes depois, quando eu vislumbrei, no outro lado da calçada, uma figura familiar que caminhava com uma pressa indisfarçável.

Era o meu amigo Ítalo Langoli. Aquele comportamento dele me soou muito estranho e eu não hesitei em gritar para atrair sua atenção.

― Ítalo! Ítalo!

Ele estacou na calçada. Com um olhar perplexo, acenou para mim e, após transparecer ligeira hesitação, atravessou a rua para falar comigo.

― O que houve? ― perguntei assim que Langoli subiu o meio-fio.

Ele respondeu, ofegante:

― Ela sumiu! Regina, a minha paciente. Desapareceu! Desde ontem.

― Você tem certeza, meu amigo?

― Sim. Eu almocei com ela no Pasta Della Nonna. Você mesmo viu! Até aí, tudo bem... Mas hoje pela manhã eu estive onde ela estaria hospedada e descobri que ela jamais esteve neste hotel.

― Como assim? Ela não estava no Constantino Palazzo Hotel?

― Não, Lorenzo. Ela já não estava mais no Constantino desde terça. Ela tinha me dito que havia se mudado para o Hotel Lucci. Fica próximo à Fontana Di Trevi. Mas eu descobri que ela nunca esteve neste hotel.

Movimentos perigosos (COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora