Capítulo 9 - Sr. Salvatore

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Quando levantei, na manhã seguinte, convenci-me de que a sugestão feita por minha esposa na outra noite não parecia tão absurda. Estou me referindo à ideia que ela me dera sobre alterar o estilo literário do livro que eu me comprometera a escrever sobre xadrez.


Decididamente, todos aqueles fatos nebulosos envolvendo


as mortes dos dois jovens haviam estimulado minha


criatividade.

Sei que alguns podem me recriminar, dizendo que eu deveria me envergonhar desta espécie de apropriação indevida do sofrimento alheio. No entanto, eu creio que ser um escritor de romances policiais seja algo semelhante a isso. É realmente impressionante como dezenas de fragmentos de conversas totalmente desconexos podem servir como peças de um grande quebra-cabeça literário.

Decidi que visitaria a editora logo cedo e que faria ao Sr. Salvatore uma contraproposta ao contrato que havíamos celebrado.

Durante o trajeto até a editora, pude perceber que as manchetes dos matutinos monopolizavam o assassinato do jovem Bartolomeo.

"Roma em pânico. Maníaco do xadrez ataca

novamente.", trazia a capa do Mattina di Roma.

O periódico Oggi estampou uma manchete sugestiva:

"Duas mortes, dois jovens, duas peças de xadrez, dois lugares turísticos."

Outros jornais de pequeno porte, mas de grande apelo popular, também pegaram carona no mistério envolvendo a morte do jovem no Coliseu.

Comprei um exemplar do Oggi e me dirigi até a editora.

O Sr. Salvatore ainda não havia chegado. A secretária dele, a Srta. Henriqueta, explicou que ele lhe telefonara dizendo que se atrasaria um pouco. Eu me


desculpei por ter aparecido sem avisar e me acomodei em uma poltrona enquanto ela trancava a porta.

Pretendia ler o jornal, mas a língua da Srta. Henriqueta foi mais rápida que os meus dedos, e eu nem tive tempo de alcançar a página que continha a matéria


sobre o assassinato ocorrido no Coliseu.

― É, Sr. Lorenzo ― ela começou a falar enquanto retornava ao seu posto de trabalho. ― Esta história está ficando cada vez mais esquisita, o senhor não acha? Eu sabia desde o início que devia haver alguém com um


parafuso a menos por aí. Acho que quiseram abafar o caso. Mas agora não têm mais como esconder. Madre mia! Onde é que nós vamos parar?

A Srta. Henriqueta fez uma pausa e acrescentou maliciosa:

― Parece até estas histórias de ficção que o senhor costuma escrever. Às vezes eu alerto o Sr. Salvatore. Ele também escreve estes livros de mistério, você sabe não é? Tem que ter cuidado com o que se escreve. Esses

loucos adoram se inspirar em coisas inusitadas. Desculpe,


Sr. Lorenzo, mas é o que eu acho.

Eu já estava acostumado com as críticas ácidas da Srta. Henriqueta.

― Você não deixa de ter razão ― eu ponderei. ― Mas não podem culpar os escritores pela loucura que se passa na cabeça de uma pessoa. Em muitas ocasiões, a


maldade vem de dentro para fora.

― Sábias palavras, Sr. Lorenzo ― ela pressionou a haste central dos seus óculos contra o rosto e disse: ― Mas é que estas duas mortes me intrigam. Tenho até medo de andar por aí e ser a próxima vítima. Mas depois eu parei para pensar que eu não faço parte do perfil dele. Não sou jovem, não sou homem e não frequento os

Movimentos perigosos (COMPLETA)Onde histórias criam vida. Descubra agora