Quando deixei a delegacia, passei no Pasta Della Nonna para almoçar. Já fazia dois dias que eu não me alimentava adequadamente e, naquele momento, uma macarronada seria uma excelente forma de recuperar minhas energias.
Embora o restaurante não estivesse tão cheio como no último domingo, as mesas em locais mais privilegiados já haviam sido ocupadas.
Em uma delas, próxima à cozinha do restaurante, avistei o meu amigo Ítalo Langoli. Ele acenou para mim quando me viu e, logo depois, ocupei a cadeira em frente à dele.
― O dia que nós combinarmos de nos reunir haverá desencontro ― brincou Langoli.
― Isso é verdade ― concordei com um sorriso. ― Como anda o seu estudo com aquela paciente?
― É, meu caro. Não está sendo fácil. Trabalhar com pessoas com distúrbios como o de Regina não tem sido fácil. Os resultados não são imediatos. Muitas das vezes são até nulos ― Langoli fez uma pequena pausa. ― Regina teve outra crise de amnésia ontem.
― É mesmo?
― Ela não apareceu no consultório pela manhã.
― Curioso ― comentei. ― Eu me recordo de ter visto Regina entrando no Constantino Palazzo Hotel ontem de manhã. Confesso que fiquei surpreso com o fato.
― Ela está hospedada lá ― explicou Ítalo Langoli. ― Você tem certeza de que era ela?
― Sim ― disse com convicção. ― Sou bom fisionomista. Embora ela não estivesse usando a franja e tivesse passado apressadamente por mim, eu pude reconhecê-la. Ela está sozinha no hotel? ― perguntei com um tom de preocupação na voz.
― Sim, Lorenzo. Como eu disse, embora ela sofra de esquizofrenia, o grau de sua doença não é tão avançado, o que permite que ela conviva normalmente com outras pessoas. Ela mesma se encarregou de todos os trâmites da hospedagem, pagamento da estadia e coisas deste tipo.
Meu amigo fez uma pausa, reflexivo. Então, disse:
― Pelo visto, Regina foi acometida por uma de suas crises de amnésia e retornou ao hotel sem comparecer à consulta. Mas... ― ele sorriu maliciosamente e me perguntou: ― O que você fazia por
lá, meu camarada?Por um momento, pensei em contar a Langoli sobre meu envolvimento na investigação das mortes dos dois jovens. Mas a minha promessa de sigilo feita ao inspetor venceu aquele impulso passageiro, e eu tentei desviar o assunto:
― Talvez seja melhor eu não revelar. Você não iria acreditar mesmo.
― Misterioso como sempre ― ele sorriu.
O garçom aproximou-se da mesa e fizemos os pedidos.
― Bem, Lorenzo. Se você prefere guardar para si os seus segredos, eu tenho uma novidade para lhe contar. Eu também estou escrevendo um livro. O tema que estou abordando é a esquizofrenia. Por isso que eu me transferi temporariamente de Bolonha para Roma. Os transtornos de Regina servirão de base para a minha obra.
― Fantástico! ― comentei entusiasmado. ― Agora você não pode mais me acusar de misterioso ― brinquei.
― Realmente eu devia ter lhe contado antes ― disse Langoli. ― Mas naquele dia você parecia muito atrasado para subir ao escritório do Sr. Salvatore e acabei não comentando o fato.
― Você o conhece? Espere aí! Não vai me dizer que você também assinou contrato na editora do Sr. Salvatore? ― Minha euforia naquele momento era quase pueril. ― Que coincidência!
― Sim, meu amigo. A vida tem muitas coincidências. Salvatore é um sujeito sério e compenetrado, mas de poucas palavras. Bem diferente daquela secretária dele.
― A Srta. Henriqueta? ― Meu sorriso denunciou que eu concordava com a opinião dele.
― Ela mesma. Como aquela mulher fala! Quando soube que eu era psiquiatra, começou a desabafar sobre a vida dela, sua solteirice, sobre uma tia idosa de noventa anos que morava em Verona... Enfim, em cinco minutos eu sabia da vida toda da Srta. Henriqueta. E o mais
engraçado é que ela cismou que eu, por ser psiquiatra, não devia ter quase nenhum problema. Eu tentei explicar para ela que as coisas não eram bem assim, dando o exemplo da implicância do meu sogro no meu casamento e do ciúme exagerado que minha mulher sente por mim. Mas parece que o que eu lhe disse entrou por um ouvido e saiu pelo outro ― Langoli concluiu sorrindo.― As mulheres são assim mesmo ― observei. ― Doralice, minha esposa, quando quer, torna-se uma sombra humana.
― E o seu livro? ― ele perguntou. ― Aliás, foi assim que eu fiquei sabendo. A Srta. Henriqueta não é muito discreta.― Estou em um impasse ― respondi de modo conciso e desanimado.
Expliquei então ao meu amigo sobre a minha decisão de alterar o estilo literário do livro sobre xadrez e sobre a recusa do Sr. Salvatore, que se mostrou inflexível diante da minha contraproposta.
― É, Lorenzo ― ponderou Langoli. ― Eu entendo o seu lado, mas não podemos deixar de admitir que as editoras possuem metas a cumprir. Seu contrato é para escrever uma obra sobre xadrez sob o aspecto lúdico do
esporte.
― Sei disso. Mas eu jamais poderia imaginar que estes dois crimes recentes iriam me influenciar de tal forma que me fizesse alterar minha proposta original. Não foi planejado.― Tenho que confessar que, do ponto de vista psicológico, estes dois crimes são bastante interessantes. Vou tentar explicar ― Langoli fez uma pausa. ― Você conhece muito mais sobre xadrez do que eu, Lorenzo. O
movimento das peças no tabuleiro, a função de cada peça, as jogadas, etc. Agora, eu queria que você refletisse a respeito destes dois crimes sob um ponto de vista pouco explorado. É de domínio público que foi achado junto a cada uma das vítimas uma peça de xadrez. Na primeira morte, encontraram uma rainha branca. A rainha, como você deve saber, é a peça mais versátil no tabuleiro, o que a torna uma peça muito poderosa. Talvez esta fosse a intenção de quem tirou a vida daquele jovem: mostrar
poder. Talvez a rainha fosse apenas uma forma de inserir
esta metáfora do poder exercido pelo algoz.― Não deixa de fazer sentido ― comentei. ― E o que você diria a respeito da torre encontrada na segunda morte?
― Eu já ia chegar lá ― disse o meu amigo. ― A torre é uma peça de grande apoio à rainha. Algo que se assemelha a um braço-direito, ou seja, um aliado muito importante. Sinceramente, conheço muito pouco do caso,
e não consigo imaginar como tudo isso poderia estar relacionado a estas mortes. Mas, pelo jeito, você deve estar mais por dentro dos fatos do que eu.
Minha macarronada chegou junto com o nhoque
pedido por Ítalo Langoli. Deixamos de lado nossa
conversa para satisfazer nossos anseios estomacais.Quando terminamos de comer, Langoli disse:
― Precisamos nos encontrar novamente outro dia desses. Gosto de almoçar aqui. Se pudermos marcar horário... ― ele riu.
― Sim, claro ― disse. ― Mas agora preciso ir. Tenho que aprontar as tais quarenta páginas que o Sr. Salvatore me pediu.
Eu realmente precisava adiantar o pedido do editor, mas o pretexto caiu como uma luva para que eu pudesse fazer uma breve visita ao tal clube de xadrez de que Fiorela me falara.
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Obrigado,
Vincento Hughes.
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Movimentos perigosos (COMPLETA)
Misterio / Suspenso(...) ― Ganhar tempo? ― perguntei, ainda perplexo com o mistério feito pelo inspetor. ― Sim. Tudo indica que esta dama branca não estava lá junto à vítima por mero acaso. Fizemos uma busca no apartamento em que o jovem morava aqui em Roma e encontr...