A sexta da vergonha

29 3 0
                                    

    Tudo dava errado. Quinta-feira meu pai veio com uma conversa mole "Manu; acho que esta casa fica muito vazia com apenas nós dois. Não seria nada mal se a nossa família ficasse mais completa".  Caro leitor, eu não sou nenhuma guria mimada que deseja que o pai acabe como Gancho do Peter Pan "Velho, sozinho, acabado" mas com as biscaites que ele arruma, adotar um guri que saísse quebrando tudo em casa parecia uma ideia melhor.
    Sexta era dia de encarar a realidade. A escola inteira me olhando como se tivesse um rótulo em mim dizendo "a nerd esquesita que quase matou a garota mais rica do Colégio com uma caixa de leite" , pelo menos foi o que havia saído no jornal. A maioria dos alunos amou minha atitude, todo mundo a odeia; por outro lado ninguém faria isso com JULIA SAMPAIO, filha dos donos de uma das maiores redes de móveis planejados do Brasil com filiais no exterior. Enfim: não importa se sua atitude é a certa (não que tenha sido) se só você tem coragem de fazer os outros vão te julgar.
    Sentei no meu cantinho acompanhada por Lara, era cedo. E vi Júlia me fuzilar com os olhos. Sobre o intervalo Lara lutou um bocado até me levar a cantina. Se não aguentava o peso dos olhares de alunos e professores o que dirá se alguém falasse algo no refeitório. Contudo nada aconteceu.
    NADA? O caralho! Fui no banheiro depois do lanche estava escrito de batom " MANUELA A BV ESQUESITA".
- Isso é coisa de gente idiota. A direção deveria tomar alguma providência. - Havia duas garotas no banheiro. Soltaram risinhos ao ouvir Lara. -  Por que vocês não vão dá o cú invés de ficar prestando atenção na vida dos outros? - Minha amiga tem muitas qualidades, todavia paciência não é uma delas.
- Calma. Elas querem que eu perda o controle. E não adianta apelar pra direção que eles não estão nem aí para bolsistas como eu e o Emanuel.  Por falar nisso cadê o Emanuel? - A Lara  virou o rosto em outra direção ainda mais furiosa.
- Me conta. Você sabe por que ele não veio hoje?
O sino toca!
-Vamos! - Murmurou desviando-se do assunto. A agarrei pelo braço. Só havia nós duas no banheiro.
- Não; você vai me contar!
- Ele tomou uma surra do grupinho do Matheus; parece que ele estava arrumando amizade com a Rebeca (namorada do Matheus).
- Você sabe que isso não é ciúme. É puro racismo! A família SAMPAIO é uma corja de preconceitos. Isso não pode...
- Vamos Manu quem não quer perder aula agora sou eu. - Me puxou pelo braço e arrastou.
- Professor Dácio; podemos entrar? - Disse Lara. É obvio que o professor mais gato do Colégio tinha que ter uma brusca queda pela minha amiga. - Licença. Entrei ao contrário dela encarando o chão, e olhei uma vez enojada para a cara de Matheus no fundo da primeira fila do canto esquerdo. Ele sorria de maneira idiota, e assim como os demais esperavam uma cena patética.
    A trouxa aqui, se sentou sem o menor cuidado, em uma sala que todos são inconfiáveis.  Chegaram ao teto as gargalhadas; Júlia me olhava satisfeita. Na hora não entendi; o professor pediu para que todos se calassem e pediu também que me levantasse, contudo meu projeto de bunda não saiu do lugar.
- Vamos?! O que aconteceu Manuela?
- É o que aconteceu? - Repitiu a loira
nojenta.
- Eu não consigo levantar. - Sentir uma lágrima escorrer. Os risos que havia ficado mais baixo, agora ecoavam e não cessavam.
- Chega! - Todos se calaram.
     O professor saiu da sala até a direção. O rosto de Lara enfatizava ódio. E eu já nem raiva conseguia sentir, a humilhação me trazia a única vontade de me trancar no quarto e viver lá para sempre no meu próprio mundo. Nos momentos que a sala ficou sem professor Júlia saiu do seu assento:
- É isso o que acontece quando gente como você sai do seu lugar, acaba presa.
    Lara não se controlou, levantou rapidamente da cadeira deu um soco na cara de Júlia. Logo ela que luta boxe, a loira caiu instantaneamente; Lara parecia esperar ela levantar por princípio de combate. Pena que Júlia não só ficou no chão sentada, como os meninos (foram preciso três) seguraram Lara e o professor chegou.
    Fui informada que foi decidido uma reunião com os pais dos alunos da turma. Sobre o fato de estar colada acabei trocando de roupa na sala vazia, vestindo uma calça da zeladora.
    A Lara queria muito me acompanhar. Ela é uma excelente amiga, mas tudo tem limite. E eu havia chegado no meu; aquele limite que insiste em nos deixar largado, isolado no próprio canto.
- Eu vou com você! - Já podia avistar o carro do meu pai chegando.
- Não por favor preciso ficar sozinha.
    Ao entrar notei que se tratava de Carlos quem dirigia, meu pai já estava lhe dando múltiplas funções.
- Oi? - Ele disse à Lara.
- Oi. - Respondeu por educação. - Vê se fica bem. - Se voltando pra mim. - Assenti com a cabeça.
      Ele notou que eu chorava, pois algumas lágrimas desciam e embaçavam o óculos. Fiquei em silêncio o tempo todo. Até subir o quarto, e explodir! Sim explodir! Quebrar aquele maldito espelho desordenar toda aquela organização exagerada em livros nas prateleira, e até mesmo a penteadeira que pertencia a minha mãe. Me joguei no chão sob o carpete peludo.
- Eu só queria ser uma pessoa normal; não ser tão idiota e desprezada. Por que fazem isso comigo quando eu não faço nada? - Falava comigo mesma entre um soluço e outro.
- Manu o que foi? - Disse Carlos confuso na porta.
- NADA! Sai daqui... - Gritei para que fosse embora e permitisse derramar meu pranto sozinha.
- Deixa eu te ajudar.
- EU NÃO QUERO AJUDA! Sai daqui! ...por favor. - Por último implorei, obediente saiu, enquanto eu apaguei no carpete.

Dupla Personalidade - Quem sou eu?Onde histórias criam vida. Descubra agora