Família Ramos

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- Nossa... Você nem se quer sabia o porque dela ter ficado lá. - Murmurei triste. Era tudo tão horrível e avassalador ao mesmo tempo. Ele assentiu. Tentei conter as minhas lágrimas. - A Polícia colheu o depoimento do garoto que a viram por último?
- Aí que está! - Bateu no sofá macio que não reproduziu nenhum som. - Esse cara sumiu. Aliás era um penetra! - Levantou tenso,  passou a mão sobre o cabelo o bagunçando. Começou a andar em círculos enquanto por vezes perfurava os meus olhos. - Só pode ter sido ele...
- Não podemos afirmar com certeza. - Falei muito apreensiva.  Tentando abandonar a carga emocional e parti à lógica.
- Não foi coincidência. Não pode ter sido. A Iasmin ficou com este nojento! - Ele começara a ficar atordoado, e eu assustada podia me rever encolhendo pouco a pouco na cadeira a cada nova volta que o Sampaio completava.
- Matheus? - Murmurei baixinho. Ele aproximou-se da cadeira ajoelhado-se. Esbugalhei os olhos.
- Nós vamos encontrá-lo?!
- Eee-u... Não sei. - Encolhi as pernas.
- Tem medo de mim? - Questionou com deboche, ainda ajoelhado. Sem tocar-me.
- Você está nervoso. Talvez devêssemos conversar outra hora. - Falei esquiva. Ergueu-se rapidamente, sobre o manto da fúria. Nunca o tinha o visto assim.
- Não acredito que tem medo de mim! - Passou a mão pela boca, desvalecido. - Eu salvei a sua vida. - De costas.
- É que em meio a tanta raiva eu nem se quer o reconheço. - Justifiquei o medo.
- Eu estou sendo o que posso ser. - Os ombros baixaram, vi através do corpo a angústia da alma. Ele se sentia impotente, como eu aos sete anos sendo abandonada por minha mãe Catarina Ribeiro. Vi a minha mão acariciar a suas costas, vi, apenas em minhas projeções.
- Eu penso melhor em casa. Quando chegar vou fazer o melhor entendimento possível. - Ele não me respondeu. Já teria me levantado. Colhia passos pequenos até porta.
- Amanhã eu deixo a maquete em sua casa. - Quando chegava à porta, ele disse sem se quer piscar na minha direção. Balancei a cabeça como uma tola.

    Meu pai telefonou-me. Era só o que faltava!

- Filha já é tarde. Onde você está que não veio almoçar?
- Já estou a caminho de casa. - Respondi em meio a uma traquilidade falsa.
- Precisamos conversar... - Senti  pressão.
- Claro. - Anuência.
     Sair daquele edifício,  fiquei perdida sem saber qual direção era certa. Olhava os lados como se realmente haveria respostas. Voltei ao apartamento me sentindo uma completa estúpida.
    Certamente Matheus Sampaio é a forma mais complexa de sentimentos que há em um ser humano; antes da perda de sua irmã vivia exibindo seu sorriso cínico insuportável. Agora transformava-se em uma "metamorfose ambulante"; levou uma doze de humor ao me ver denovo às escadas; parecia prever meu retorno.
    Não trocamos palavras. Ainda ouço os murmúrios do Sr. Rodrigues desaprovando à chegada com o " moleque mauricinho". Uma conversa breve. Meu pai não sabia dialogar, desconfio que ainda não saiba.
     Comi algumas besteiras na cozinha. Subi ao quarto pensativa, com um bolinho.
      Eu estava sozinha! Um pouco de tranquilidade, apesar de ser impossível se sentir tranquila com todos esses fatos. Mas meu quarto ainda era meu refúgio; lá eu poderia organizar qualquer pensamento.

     Peguei um caderno velho com muitas páginas em branco.  Anotei horários: do crime e daquela lembrança desagradável.

Depois 23:45 Foi vista pela última vez e ele ficou com a Iasmin.       Coincidência?
+ 24:00 A festa termina
24:30 O crime ocorre. Segundo a Polícia.                                                      
Matheus sai quase 01:00 da manhã???
02:30 - Acordei no lugar perto do metrô.

Espera... Não havia terminado as anotações por perceber a discordância dos fatos. Eles não batiam.
Se a Polícia chegou a conclusão que o crime foi ocasionado 12:30 da noite, Matheus teria que ter saído de lá alguns minutos antes; lógico. Do contrário deveria estar ainda no local do crime. Ele deveria ter contado outra versão à Polícia. Mas por que?
    Toquei meu celular na esperança de ligar e esclarecer tudo. Até notar Cida me encara com pálpebras congeladas.
- O que houve? - Murmurei confusa.
- Você vai viajar? Posso ajudá-la se quiser. - Pasmei. Por que em seus pensamentos nasceu esse pensamento?
- Não... Por que você acha isso? - Ela tombaleou as pálpebras, deu mais um passo para frente e após um tempo de silêncio recuou; desistiu.
- Por nada. - Já queria esquivar das minhas vistas!
- Não! - Me alterei desconsertadamente. Tentei depois de reter sua atenção controlar a respiração. - Eu só quero saber. Por favor. - Roguei serena. Cida engoliu seco.
- É que eu achei uma mala embaixo da cama. Mas não quero me intrometer. -Óbvio que já se intrometia. Eu por outro lado corei perplexa. E engolindo saliva de forma descontrolada.
- Ah... Sem saber o que dizer. Claro. Está tudo bem. - Ela saiu do quarto. Enquanto eu, fui procurar a mala. Nem se quer ouvir o barulho da campainha.

Dupla Personalidade - Quem sou eu?Onde histórias criam vida. Descubra agora