Visitas

4 1 0
                                    

    Neste dia tive uma ideia: iria escrever minha história. Afinal ela bem que era digna de um livro; realmente logo não foi possível já que me negaram uma caneta. Uma caneta? É perigoso a você e aos outros pacientes, então tive que pedir a Lara que levou mais de uma semana para arrumar-me a droga da caneta.
    No dia 03 de abril, coincidentemente meu terceiro dia de internação tive uma crise um pouco depois da hora do almoço. Pelo que soube a outra eu queria matar todo mundo. Como resultado acordei sonolenta com uma baita dor no traseiro, sem nenhuma seção diária de psicoterapia.
    O ético era não receber nenhuma visita, mas ao tomar procedência de quem se tratava acabaria passando mal a noite caso não a recebesse.
- Manuela; não é aconselhável que no seu estado clínico venha a receber...
- Dr. eu preciso falar com ele. - Roguei extremamente tensa.
- Não vai causar transtorno? - Balancei a cabeça negativamente. Brenack concordou em deixa-lo entrar. Na verdade mentir, pois na minha cabeça era lógico o envolvimento de Matheus no assassinato da própria irmã e isso traria aborrecimentos, talvez estivesse sendo paranóica mas aquela carta ficou gravada no córtex.
    Ele entrou no quarto vagarosamente; pálido e com o olhar mórbido, seus olhos azuis-violetas possuíam um brilho acinzentado. Eu devia estar pior, apesar de não lembrar ao certo.
    Já adentro me espiava, cujo o olhar trazia em si o misto de estranheza e inquietação. Abriu a boca mas não falou nada, eu tinha tantas perguntas mas sou tão fraca que não conseguir murmurar nada por minutos.
- Então é isso? - Olhou aos arredores, pausando as frases. Enquanto na cama eu o ouvia impaciente. - Belo jeito de sair em pune Manuela. Ou devo dizer Iasmin? Qual é o seu nome mesmo? - Murmurou chegando bem perto, com tom de raiva e indignação.
- Am... - Franzi o cenho; de maneira absurda minhas cordas vocais travaram contra a necessidade de se defender.
- Você acha que me engana com essa história de Dupla Personalidade? Bancar a boa moça que tem problemas mentais é bem sua cara...
- Do que... você está falando? - Disse prestes a levantar. Ele estava me acusando? Eu era a culpada?
- Eu acreditei em você. - A voz ainda modulada, o sorriso de auto-deboche; a forma como ele ocupava o espaço parecia reprise da cena no apartamento. - Como pude ser tão... Tão imbecil...
- Cala a boca! - Falei nervosa, levantando um pouco debilitada. - Olha isso aqui Matheus. Eu não sou rica mas duvido que pareça um hotel cinco estrelas. - Estávamos a pelo menos um metro de distância, falei bem mais baixo que gostaria. - E-e-eu tomo sedati-tivos pesados, nem sei porque estou te dando explicações. Você mentiu muito mais que eu...
- Menti? - Com deboche. Começou a encurtar denovo a distância. - Eu me apaixonei por você! Cuspiu as palavras.
- Mentiroso... Mentiroso... - Tomei a sussurrar repetições. - Eu li a carta! - Lhe disse da mesma forma, tão brava que mal concebia as dores que tomavam o corpo.
- Que carta?
- Você sabe. - Murmurei convicta. Matheus ficou com uma expressão confusa em seu semblante. Ele se aproximava por instinto, não sei. - Não sabe? O que ganha mentido? Eu já estou aqui. - Nesta hora as perguntas dirigiam-se mais a mim mesma que à ele.
- Você quem está inventando...
- Eu não enventei nada. - Uma lágrima tocou-me nessa hora. Matheus deveria se opor mas desfez. Me fitou profundamente como se houvesse vestígios da verdade nos meus olhos. - Nunca planejei nada disso.  É a verdade. - Murmurei ainda mais opaca.
- Manuela?? - Chamou-me atordoado ao perceber que cambaleava.
- Não toque em... - Apaguei de novo, pelo jeito os tranquilizantes ainda surtiam efeito.
    Acho que cair nos braços de Matheus; bem clichê. Então é isso? Agora éramos inimigos declarados? Isso me incomodava; a ideia não descia, pois sempre que pensava no mar de mentiras que toda esta história nos mergulhou via o exato momento em que nossos lábios se encontraram.
     Ao acordar, noite aliás, Emanuel quem me fitava sorridente.
- Manu! Disse a ver meus olhos se abrirem. Sorri sem graça para ele. - Eu vi quando o Matheus saiu, foi agora a pouco.
- Então ele estava aqui até agora? - Curiosa. Emanuel assentiu meio encabulado, notei que ele guardava uma questão à respeito. - O que você quer saber?
- Como você sabe que eu quero?
- Te conheço a tempo suficiente.
- Vocês se gostam? - Perguntou-me apesar de incrédulo, sentir o rubor às bochechas. Na verdade eu não sabia responder, perdia-me entre o lógico e o irracional.
- Não tenho mais condição de negar nada.
- umm. - Disse levando às sobrancelhas ao teto, frangindo a testa.
- É verdade que os Sampaios estão envolvidos com tráfico de pessoas? - A pergunta veio de relance; claro que todos evitavam o assunto, mas a visita de Matheus mexeu com minhas lembranças. Aquela jovem bonita que ficou ao meu lado por instantes...
- É uma pena você não poder mais ir pra escola. - Murmurou ele, ignorando a pergunta.
- É. - Concordei entristecida. Mas me responda.
- Não há provas disso. Foi o que saiu na mídia, e ela sensacionalizou que foi uma beleza. - Calei-me após a fala. Ele olhou-me bastante tenso.
- Me sinto mal por você. Por estar aqui.
- Você não tem culpa de nada. - Argumentei para tira-lo desse pensamento altruísta destrutivo. Mas ele continuou tão sem jeito como antes, arrisco até pior. - Você e Lara se falam lá? - Opto por mudar de assunto.
- Raramente.  Lara anda sozinha, e ultimamente a cara dela anda pior que de costume, e eu nem achei que isso fosse possível. - Contou despencando um sorriso.
- Sério? - Intrigada. Ela andava mais tensa. Seria por minha causa? Pensei.
- Eu acho que é algo familiar. Ela nunca vai me falar nada. Me disse ainda ontem que não somos amigos. - Por incrível que pareça a este assunto ele demonstrou-se despreocupado. Fiquei quieta, achei que ele devia estar exagerando.
- Você está bem filha? - Rodrigues que já havia adentrado o quarto fala pela primeira vez, aparentemente preocupado.
- Sim. - Dei-lhe o melhor sorriso possível.
    Logo Emanuel abandonou o quarto, meu pai ficou comigo poucos minutos.
- Tchau. - Respondi a quem saía, baixinho. Dr Brenack surgiu no mesmo instante avaliando a minha cara desanimada.
- Não quero esse rapaz mais aqui... - Disse meu pai a ele, tratando sobre a visita de Matheus. Não achei justo, as visitas não são minhas? O justo era EU julgar quem posso ou não ver.
- Pai, pai... Derrepente fiquei invisível. Pai!
- Oi, filha.
- A Lara está aqui?
- Não; parece que ela e a mãe vão se mudar. Talvez apareçam lá pra semana que vem.
    Dr. Brenack saiu me cumprimentando, meu pai também teria que ir logo.
- Ah. - Foi última palavra até ir dormir mais uma noite neste hospício.
    Amanheceu a chamada segunda-feira, depois terça-feira e assim por diante. O tempo foi passando e a frequência de visitas diminuindo; ontem Carlos veio, Emanuel foi naquele último escrito, Lara não deu as caras e Matheus mesmo que tentasse aparecer (duvido que tenha tentado) não entraria, e...
   
07 de abril de 2016; Quinta-feira

Pietro Ramos veio aqui.

- Eu sinto muito por você.
- Você era a última pessoa de quem eu queria ouvir isso. - Falei inquieta sentada na cama da minha estalagem. Mesmo perdida sobre a razão que o levou até aqui, concordei em ouvi-lo.
- O seu médico falou que a sua seção de psico-alguma-coisa...
- O que quer aqui? - O cortei, lhe tratava com a rudeza que julguei apropriada.
    Os olhos caramelizados estavam lacrimejantes, toda essa postura de arrependido empático me deixou enojada. Eu até queria apagar o rancor que sentia dele mas parecia impossível.
- Você nunca vai me perdoar.
- Isso não foi uma pergunta. - Afirmei até com certa naturalidade.
    Ele estava sentando em uma cadeira ao lado da cama. Calou-se por instantes, achei que ía embora dali mesmo.
- Não. Eu me preocupo com você, mesmo que não acredite. - Murmurou tentando tocar em meu cabelo, contudo virei a face para que assim não fizesse. - Minha tia e a Lara ficaram de vim...
- Difícil. Tem horários e a minha psicoterapia é daqui a pouco. - Murmurei enfática.
- Acho que eu já vou. - Olhei mais precisamente para ele e a mão cujo tentou tocar-me; havia algo significativo nela.
- Esse anel?! - Disse esbugalhando os olhos, bem mais ativa.
- O que tem ele? - Perguntou-me curioso, olhando o objeto e o acariciando com o polegar da mão esquerda. Mantive-me boquiaberta, O que tem ele? Todos em Rj sabiam a fama daquele anel, suspeito até que no Brasil.
- Não lembrava de você usar ele. - Recordei.
- É que meus dedos sempre foram muito magros, não servia direito antes. Mas eu tenho ele desde que meu pai passou para mim. - Pareceu empolgado por estarmos conversando.
- Ah.  - Foi a única coisa que consegui dizer. Ele franziu o cenho.
- Manuela o Dr. à espera. - A enfermeira abriu a porta sem modos para comunicar que já teria dado a hora.
- Tchau. - Murmurou por último, e eu o ignorei, continuando a pensar.
    Eu vi o sorriso de Pietro desmanchar, sem deter o mínimo de remoço. Ele não representava mais nada, porém sua visita reascendeu o caso do assassinato. Pietro possuía o seu anel... Não que representasse alguma coisa.

- Como se sente agora?
- Angustiada. As visitas me trazem emoções variadas, mas duvido que eu consiga me adaptar a isto aqui. - Afirmei com sinceridade. - Sem ofensas. - Me retrato ao tomar procedência do que havia dito.
- Não me ofendo. - Sorriu anotando em seu bloquinho sei lá o quê. Enquanto eu me esforçava para me sentir confortável naquela maca dura.
- Esse rapaz que veio agora é seu namorado?
- Não. Acho que eu já comentei que não tenho namorado. - Murmuro com arrogância.
- Desculpe, se a pertubei. Parece que muitas visitas desestabiliza a sua evolução. - Ele comenta a impressão levando o indicador ao ar, e mediante à aquela tonalidade irritantemente serena.
- Emoções são instáveis. Não é  isso que nos torna humanos? - Abalada, os nervos agitados, mas ainda sim prudente com as palavras.
- Sim; mas da mesma forma que muita estabilidade desumaniza, a instabilidade afeta negativamente a mente. Há a necessidade, querendo ou não de equilíbrio nas dosagens de ambas. - Fechei os olhos para refletir profundamente nas suas palavras.

     As visitas foram deveras úteis; cada uma delas contribuíram para que mesmo distante do mundo afora soubesse o que ocorria no mesmo. Algumas desejadas, outras preteridas.

Dupla Personalidade - Quem sou eu?Onde histórias criam vida. Descubra agora