Revelações

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    Abri os olhos, a luz maltratava a pupila. Um quarto claro, cujo as paredes mostravam diferentes tons de beje, de espaço exagerado, além do baixo ruído, parecia apenas uma voz.
    Acordei do meu sono sem sonhos. Já chegara a hora de voltar a realidade! Olhei aos arredores; não reconhecia o cômodo, mas ao levantar notei que a  vista era conhecida.
     Fui ao banheiro apertada. Devido ao mal hálito apelei ao enxaguante; meu cabelo estava uma bosta, arrumei como pude. Era um banheiro simples; havia uma calsinha vermelha sobre o gancho, de início juraria ser uma fita. Estranhei mas fiz que não era da minha conta, me pareceu o mais adequado.
     Imaginando que Matheus havia me trazido ali. Supôs que fosse dele a voz misteriosa. Andei com passos leves até a porta do quarto, curiosa.

- Não; eu não encontrei (...) É óbvio que procurei! Mas ela sumiu. (...) Preciso de mais tempo. Por favor. Sei que vou achar.  - Por só haver a voz dele ecoando na sala, conclui que falasse ao telefone. O assunto era ela, a Iasmin.
    O assunto me fez reviver dias anteriores. Sei que por complacência tinha a obrigação de revelar a verdade, mas o desejo em ter notícias de meu pai como o próprio receio em expor tudo ao Sampaio contribuíram para pensar apenas em ir embora. Sei no que está pensando "apenas desculpas"  talvez sejam, mas não desconsidere todos os acontecimentos.

   Sair de perto da porta. Olhei minha bolsa; cheia de bolsos e entradas, em busca de uma cédula perdida. Mas foi pior. Tinha um pacote nela, quase que inacreditável não o ter visto antes. Pelo menos 4 mil com notas de cem reunidas. Padeci boquiaberta.

- De onde veio tanto dinheiro?

- Manuela? - Matheus bateu à porta.  Fiquei desorientada, por culpa do nervosismo deixei o dinheiro cair.
- Espera... Só um minuto. - Enquanto catava os massos de dinheiro.  Ainda complementamente perplexa, girei a maçaneta entre pigarros.
    Matheus me olhava sem jeito. Incrivelmente seu sorriso torto começara a surgir, ainda faltava os dentes brilhantes e uma verdade convincente. Porém a tentativa me fez sorrir da mesma forma.
- Oi Manuela!  - Se auto convidou.  Temia qualquer que fosse o assunto.
- Eu preciso ir... - Falei tocando a porta entreaberta.
- Espera! Preciso dizer algo importante. - Falou distante. Pensei em ignorar mas eu não sou tão mal educada.
- Sobre o assassinato eu juntei pistas através da Betany Maxi mas meu pai está no hospital e eu realmente tenho que ir por mais que eu saiba o quanto é importante para você, afinal é sobre a sua irmã acontece que eu realmente não posso...
- Ei!- Me bateu com dois dedos, após o tagarelismo descontrolado. Matheus chegou perto o suficiente, enquanto falava, para chamar-me a atenção. - Posso falar? - Ele sorria metodicamente. Suspirei gélida. Entretanto assenti.
- Eu mudei de opinião, não quero mais a sua ajuda. - Levei as sobrancelhas ao teto. E como ele conseguia pronunciar com tanta naturalidade?
- Mas eu acabei de dizer que tenho novas informações, você... - Ele chegou ainda mais perto, o suficiente para que eu andasse de ré.
- Eu sei. Acontece que você já tem seus próprios problemas. - Padeceu inexpressivo ao fitar os cortes do braço. Continuei calada, com o ar oculto da indignação. - Fui egoísta. E contínuo sendo. Eu não quero te perder. - Ele já havia dito à última frase, porém na situação de ontem me pareceu apenas um argumento desesperado; contudo naquele instante os seus olhos azuis violetas brilhavam ascendentes dando uma sinceridade quase irrefutável.
- Você não vai me perder, pois não te pertenço. Aliás quanto mais longe você estiver de mim melhor.  - Defendi-me deste sentimento que libera mais sangue à pele, fazendo a face queimar. Ele despencou os ombros. Eu não tinha coragem de contar a verdade, no entanto vi em afastar "certos pensamentos" de sua cabeça uma maneira de extinguir qualquer sentimento.

Queria ir embora mas ele estava bem na minha frente.

- Manuela. Não diga isso, por favor. - A primeira vez que ouvi um "por favor" de Matheus Sampaio fiquei mais atônita que o imaginado. Ele se aproximou ainda mais, às paredes firmes impossibilitaram que as atravessassem; encurralou-me. Senti o coração pulsar com maior intensidade e as pernas tremerem suplicando fulga.
    Ele encurralou-me. E fitou-me por tanto tempo sem uma aproximação corpo-corpo. Senti o seu medo, como ele sentira o meu, Matheus sabia do meu receio ao toque; aliás a escola inteira pateticamente tinha noção.
- Meu pai está no hospital. Preciso...ir. - Cortei o silêncio. Ele assentiu, recuou quieto.
   Ao chegar à porta:
- Vou desvendar o crime. Eu dei minha palavra irei cumpri-la. - Tão segura. Nem parecia que no dia anterior lutei para cortar os pulsos.
    Voltei ao hospital Teixeiras. Havia mais doentes do que lembrava. Na ânsia por rever meu pai, e duramente lhe explicar tudo esqueci de encobrir os cortes.
- Oi Manu; que bom que está aqui. - Carlos recepcionou comovido. Fui condescendente, sorrir para ele. - Você está bem? - Questionou analisando da cabeça aos pés. Permaneci com os braços nas costas. Era visível a decadência, tanto física quanto mental mas vamos ao comodismo:
- Estou bem. Mas e ele?
- Ele está tomando medicação. Não quis me dizer como quase quebrou a cabeça. - Engoli seco. Permaneci em silêncio. Carlos pareceu um tanto decepcionado com a minha reação.
- Estou com frio. Posso usar sua blusa? - Precisava disfarçar.
- Claro. - Assentiu despreocupado. Peguei-a com a mão esquerda, porém ele fitava cada movimento. - O que foi isso? - Carlos perplexo no momento em que avistou os rasgos da pele, mal cicatrizados. Chegou a paralisar o meu braço.
- Nada. - Puxei ríspida.

Dupla Personalidade - Quem sou eu?Onde histórias criam vida. Descubra agora