Ainda dá tempo

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MANUELA RIBEIRO

     Proibido ler, falar, pensar e até mesmo respirar. Não é o que dizem, porém é o que insinuam.
- O que você acha de conhecer os outros pacientes? - Questionou-me com um brilho imensurável nos olhos. Sabe quando um químico descobre uma nova substância, daí ela o pertence e o deixará parecer incrível; então a situação é análoga a um psiquiatra que desenvolve um tratamento mais eficaz à uma doença rara. Era assim como o Dr. Brenack me via, como uma substância química em potencial.
- Acha uma boa ideia? - Uma biruta se enturmar com outros birutas? É mesmo uma boa ideia?
- Sim. Você já está aqui a uma semana. - Escancarou a porta, convidando-me a atravessa-la. Assenti.
   Observei melhor os cômodos fora do quarto, quando cheguei ali não olhei nada direito. Logo na saída vejo tratar-se de um corredor; a frente um jardim a céu aberto com poucas pessoas nele, tanto à esquerda quanto à direita sugerem mais quartos. Surpirei um pouco tensa.
- Não se preocupe, vou só apresentar os mais amigáveis. - Dr. Brenack, disse sorrindo.
- Amigáveis? - Fico pálida. Ele apenas assentiu sem maiores preocupações. Enquanto me guiava para o fim do corredor.
   Do corredor dava-se um pátio, como o corredor repleto de azulejos bracos e paredes pintadas da cor cinza, vejo enfermeiras circulando e até outros especialistas. Continuo espreitando os detalhes, atrasando por conta disso o encalço do psiquiatra, vez ou outra.
    Finalmente chegamos a algum lugar, uma imensa sala aonde alguns pacientes desenhavam livremente em telas e até mesmo na parede. Uma mulher de olhos incrivelmente ativos e mãos delicadas com as curvas de seu desenho, me chamou logo de cara, muita atenção.
- Ela desenha muito bem, não acha? - Perguntou assim que notado o interesse.
- Sim.
- O nome dela é Elise, possuí
esquizofrenia moderada. Como os parentes a deixaram de lado, ela abdicou dos remédios. O que é agravou os... - Olhei para a sua apresentação sobre Elise e a própria. Era difícil ver nela qualquer sinal de demência, pensei também a respeito dos remédios e que já vinha projetando também acabar com eles.
- Eu eu... Não sei.
- Elise. - Ele a chamou empolgado, a mesma quase despencou da cadeira. A mulher com os seus trinta e cinco sorriu para nós como uma criança.
- OLÁ!! Você é nova por aqui. - Estendendo a mão.
- Essa é a...
- Manuela. - Eu mesma me apresentei, como também a cumprimentei; naturalmente. Dr. Brenack baixou suas vistas até mim, um pouco contrariado. Ela balançou minha mão com tanta força que temi que a arrancasse ali mesmo. - O que estava pintando? Assim que Desvencilhei.
- Um crucifixo. - Fiquei espantada, olhei mais atentamente o desenho e constatei que devia ser aquilo mesmo.
- Você é religiosa? - Perguntei muito curiosa. Li a sua expressão, ela não entendeu bolufas do que eu disse, mas Brenack deu um sorriso largo cujo mostrou o resultado do branqueamento dos dentes.
- Bruxas não gostam de crucifixos. O Dr. quem disse.
- Sério Doutor? - Eu para ele. Brenack preferiu dar de ombros.
- Venha comigo. Tchau Elise. -  Virou às costas a outra paciente. Me apresentando primeiro um rapaz da minha idade depressivo, e depois uma senhora bastante ponderada que segundo ele sofria de bipolaridade.
    Saímos da sala subindo novamente, acreditei que dali voltaria para o quarto, no entanto ele me levou primeiro até o pequeno jardim.
- Eu conversei com o seu pai, ele compreendeu o fato de você não poder estar recebendo visitas.
- Ele deve está decepcionado. - Murmurei cabisbaixa.
- Diria triste. Seu pai a ama muito, você sabe disso.
- Amar uma pessoa não impede que se decepcione com ela. - Comentei ainda esmurecida.
- Talvez; para os amantes. Mas o amor paterno não funciona desse jeito. Você só está aqui a uma semana, não se cobre tanto. - E já parecia uma eternidade. - Vamos seguir o tratamento, buscar medicações melhores e você vai ficar bem.
- O senhor não tem outros pacientes? - Questionei de mal jeito, por medo de ser mal interpretada. Ele sorriu.
- Sim; eu tenho. - Não vai me dizer mais nada? Pensei contrariada.
- Então por que gasta tanto tempo...
- Manuela; eu presto muita atenção à todos eles. Eu cuido dos casos mais incomuns, é essa minha funçao. - Calei-me; aceitando a subordinação descrita, mesmo tendo consciência que a mesma foi posta pelo próprio.
    Voltei para o quarto e pronto assim foi o meu dia.

    Passaram-se dois dias quando o meu pai voltou a me visitar, sorridente por me ver.
    Já na calada da noite doutor Brenack veio até mim; horário não habitual.
- Boa noite.
- Oi doutor. - Repondi sonolenta, por conta das medicações o sono chegava cedo.
- Se lembra daquele rapaz que o seu pai proibiu a entrada?
- Matheus? - Pergunto, com os olhos arregalados.
- Ele me procurou estes dias disse que precisava muito conversar com você. Eu comentei a rejeição à ele.
- Ele chegou a adiantar o assunto? - Dr. Brenack mudou automaticamente suas expressões faciais, pelo visto lhe passei interesse em conversar com o jovem Sampaio, e isso o preocupou.
- Manuela... Pôs a mão no queixo, ele sempre fazia isso quando sentia que seus sermões seriam inúteis ...Você gosta desse rapaz? - Enguli seco. Ainda balancei de leve a cabeça, mas eu não tinha se quer certeza dos meus sentimentos. - Então por que acha que o assunto pode ser importante?  - Ergo-me da cama, para sentar.
- O mundo lá fora, parece tão distante doutor... - Suspiro. - ...que qualquer chance que alguém me fale o que ocorre de verdade lá torna-se indispensável. - O doutor mostrou seu sorriso contido.
- Entendo. Se sente poupada. - Assenti. - Tudo bem. Ele insistiu bastante para vê-la, deu a entender que nutre do mesmo "não-sentimento". - Murmurou ele sorrindo, o que deixou-me um tanto desconcertada. - Você quer que eu marque uma visita com ele amanhã?
- Pode ser. - Respondi pensativa. O doutor despediu-se.
- Doutor? - O chamei quando mesmo saía do quarto.
- Sim.
- Não comente nada com o meu pai. Por favor.
- Claro. Boa noite.
- Boa noite.

12 de abril de 2016

    Neste dia Dr. Brenack tapiou o meu pai, só isso explicaria o passar das três horas da tarde, contudo ausente. 
- O doutor disse que hoje você terá uma visita de alguém especial. Está pronta? - Questionou a enfermeira, como se ela realmente tivesse interesse no assunto. Apenas franzi o cenho, vendo ela me secar.
- Bom... Você penteou o meu cabelo hoje de manhã. - Murmurei a ver se ela dava por satisfeita.
- Verdade. Você é uma menina tão linda. - Falou risonha. Sorri para ela constrangida. - Bom; ele já chegou. Vou busca-lo. - Meu coração bateu mais forte. Não consegui dizer nada, apenas observei aquela mulher de humor versátil sair pela porta.
    O que fez Matheus retornar? Será que as investigações avançaram e não me contaram? Bem provável.  Ninguém me contou nada, ninguém nunca me contava nada.
    Ele abriu a porta, a primeira vista dei-me conta que o seu olhar estava mudado. Na forma de um punho, o polegar apertava com potência a boca; seus olhos meio avermelhados me fitaram. Levantei-me com perguntas do tipo "o que faz aqui?", "o que aconteceu? Eu tenho Culpa?"; não consegui.
- Não vai falar nada? - Perguntei após todo aquele silêncio. Matheus afastou a mão do rosto, olhou-me dos pés a cabeça com precisão. E depois correu, seu movimento foi tão rápido que quando dei por mim já estava no meio dos seus braços. - O que quê é isso? - Cheguei a gaguejar.
- Me desculpe.
- Sai de perto de mim! - Empurrei; se afastou.
- Eu estou acompanhando as investigações... Pessoas inusitadas podem ser culpadas. Ahh... (respirou fundo) Agora eu sei que você é inocente.
- Do que você está falando? - A saliva arde, fiquei perplexa.

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⏰ Última atualização: Feb 25, 2019 ⏰

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