MANUELASe não me engano o último livro que li foi "A Ilha", já faz um bom tempo. Contudo as frases "atenção", "aqui e agora" emitida pelos pássaros daquele mundo fictício estavam, agora mais do que nunca, vivos e bem pertinentes no meu cérebro de QI normal.
Lara saiu tão misteriosa quanto entrou, o aqui e agora dizia-me com a certeza indubitável que ela queria muito contar alguma coisa. Pela hesitação deveria ser grave.
- Manuela, está me ouvindo querida? Parece em outro lugar.
- Oi dona Beta. - Elas entraram alternadamente, mal se olharam ao cruzar a porta, de qualquer modo o tempo de visita de Beta era um décimo do tempo de Lara.
- Você sempre está tão distante. Está tomando os remédios? - Perguntou-me bastante calma. Essa que é sem dúvida a pergunta mais irritante para um doente.
Assenti. Não tinha o que dizer à ela, aliás não tinha nada a dizer a ninguém.
A senhora suspirou profundamente; retirou o lenço cumprido que sempre a acompanhava, pendurado de leve no pescoço. Começou a tatear, o olhando e sorrindo para ele como se fosse uma pessoa.
- Sabe Manu, eu sei que é difícil ficar nesse lugar... - Não sei o que pretendia, mas seria menos assustador se olhasse nos meus olhos e não em um pano roxo. - Eu só quero que saiba que eu vou rezar por você, e torço do fundo da minha alma que melhore. - Tirou finalmente os olhos daquele lenço, fitou-me com veracidade e após um sorriso simples saiu. Achei aquela cena meiga e estranha ao mesmo tempo.Mais tarde... Um silêncio perturbador batia na porta, pena o mesmo não ter chegado logo à mim.
- Você está feliz? Olha aonde estamos. - Remungou em alto e bom som.
- Sai, você não devia estar aí. - Falei com o pouco da minha consciência, tento conter a voz falando baixo.
- Você acha que pode se livrar de mim...
- Pára. Por favor
- ... Você nunca vai se livrar de mim, NUNCA! - Fico sentada, alucinada com as palavras daquela voz. Tento tapar os ouvidos, mas o que adiantaria? - Eu sou uma parte de você, esses remédios te matam também!
- Pára de mentir. Falo contendo-me ao máximo, para que não surgisse uma enfermeira com suas agulhas pontiagudas; injetando pura benzodiazepina no meu sangue.
- Sua inútil! Não vê que eu também sou você, não se arranca os próprios punhos!!
- SAIII! - Grito. O próprio Dr. Brenack invadiu o quarto, estranhei não ter injetado a droga logo de uma vez na minha veia.
- Manuela; ela não é real é só uma projeção... Acredite em mim... Nada disso é real... - Eu o olhei com toda veemência possível, só que suas palavras suavam como grunhidos...
- Cala a boca. É claro que eu sou real! Mui real! - Ela chega próximo ao médico que havia parado a uma distância segura, meu corpo seguia comandos errados.
Dr. Brenack testemunhou as oscilações entre Iasmin e eu, sua atitude foi completamente inerte; parecia mais curiosidade que preocupação médica.
- Senhor? - A enfermeira chega ao quarto pronta para conter-me; o médico no entanto estende seu braço para que ela continuasse imóvel.
- Me faz parar!! - Disse desesperada, e cambaleante.
- Eu vou destruir tudo isso! - Murmurou gritante a outra.
A minha cabeça queria explodir, eu estava lá e ao mesmo tempo não. Não era a primeira vez que aquilo ocorria, mas doía do mesmo jeito, incomodava na mesma intensidade.
Não consegui vence-la sozinha, se era isso que o médico esperava; fui cedada. E o vazio.Abro os olhos, já é noite, e tenho o psiquiatra ao meu lado. Aquelas pérolas negras gigantes fitam-me de maneira agressiva; me sinto materializada, como uma cobaia.
- O que foi? - Falei desconcertante após o feito de mais cedo.
- Sinto muito por demorar agir. Cheguei a pensar que você iria vence-la por conta própria, mas ainda é muito cedo.
- Cadê o meu pai? - Perguntei, meu pai vinha todos os dias.
- Eu expliquei o acontecido. É recomendável que pare, por agora, com muitas visitas... Perdi uma grande parte do discurso... Vamos conversar sobre o seu momento de estresse?- Engulo seco.
- Pode ser amanhã? - Rogo sonolenta, sem forças.
- Faça um esforço. Eu preciso que me ajude a entender porque os remédios não surtiram efeito.
Apaguei antes que podesse responder. Mas uma parte de mim chegava a suspeitar os motivos...
Lembro que quando era apenas eu, se é que existe um eu, via reportagens de parasitas, muitas e muitas reportagens. Eu nunca cheguei a pensar que teria um dentro de mim, Não tinha crises hipocondríacas, mas desde da pré-adolescência me vi como um parasita da minha vida. E se Iasmin estivesse certa? E se ela fosse uma parte minha a qual jamais sobreviveria sem? Que garantias os psiquiátricas podem me dar de que eu não sou o parasita mas ela? Do contrário estou matando mais a mim do que ela. A verdade é que chega uma hora que você é incapaz de ter certeza, o " o duvido, logo penso, logo existo" fica tão ilógico quanto a frase " Aqui e Agora".MATHEUS SAMPAIO
08 de abril; Sexta-feira
19 horas de tarde- Onde o senhor estava? - Murmurei exaltado, todos os dias o meu pai mal aparecia em casa, e não era só isso.
- Que tom é esse? - O vejo acomodar-se no sofá folgando o nó da gravata, assim insinuando cansaço. Me aproximo contemplando o cinismo daquele homem.
- O seu advogado ligou.
- Anhan. - Murmurou sem nenhuma preocupação.
- Eu não sou secretaria mas vou dar o recado: o habeas corpus de Caile Maria foi negado. - Lhe falei com os braços cruzados. Ao ouvir, seus olhos me visualizaram atentos e bem menos confiantes.
- Do que você está falando?
- Essa mulherzinha, que está no meio dos responsáveis da morte da Júlia, é a sua amante? - Perguntei incrédulo.
- Fale baixo, sua mãe está com a saúde frágil. - Entro na sua frente prestes a agredir, mesmo sabendo que se trata do meu pai.
- Não use a minha mãe para escapar da sua sujeira. É verdade, não é? Tudo o que saiu na mídia, o senhor está no meio de tudo... Sempre esteve.
- Eu vou subir. Nada do que você disse é verdade. Eu amava minha filha, acha que eu tramei a morte dela? Seja sensato Matheus!
- Não sei o que pensar quanto o meu pai pagar advogado para uma criminosa. - Ele se afasta de mim, ameaçando subir às escadas.
- Vou testemunhar contra você.
- Eu não sou réu. - Murmurou encarando-me sério, subiu as escadas como se o que eu descobri fosse pouca coisa.
Sento no sofá controlando a respiração, mexo descontroladamente o cabelo. Estava nervoso, aliás só andava assim. Ninguém realmente me parecia confiável, exceto a minha mãe alheia aos absurdos; e como poderia assim não está? Ela vivia trancada, dopada com calmantes.
- O senhor quer alguma coisa? - Perguntou com formalidade, Dulcineia. A respondi que não, gesticulando para que desaparecesse dali logo de uma vez.
Ele subiu às escadas como se não fosse nada. Ai que vontade de apertar aquela gravata em seu pescoço para que fale a verdade! Não Matheus... Não você não pode, ele está com a minha mãe. Ela não merece passar por isso. Pensei.
A campainha toca, fui torcendo para não ser nenhum curioso. Dulcinéia apareceu apressada para atender.
- Eu atendo. Lara?
- Seus pais estão aí? - Assenti sem jeito. - Eu preciso conversar com você, em um lugar seguro. Fiquei com cara de retardado por muito tempo, eu não suportava aquela garota. - Eu sei que você não gosta de mim, garanto que o sentimento é recíproco, mas... Eu não estaria aqui se não fosse importante.
- Ok. Podemos sair. - Levei poucos segundos para pegar a jaqueta posta no sofá, e saí com Lara.- Estamos sozinhos... Pode falar.
- Não me diga o que fazer. - Murmurou revirando os olhos. Continuou antes que a respondesse. - Eu vim até aqui por causa disso... Tirou PC da bolsa, após coloca-lo sobre a mesa abriu os arquivos de um pen drive.
- Como conseguiu este arquivo? - Perguntei assim que o reconheço.
- Isso é o menos relevante. Só me diga se é o mesmo arquivo que me mostrou naquele dia.
Olhei mais atentamente vendo logo de início que embora fosse quase idêntico, o dela certamente possuía mais páginas.
- Ele tem muito mais conteúdo que o meu. Por que está me mostrando isso? - A encarei intrigado. - Você mesma disse que não queria se envolver...
- Ah; Cala a boca!
- Você é maluca? - Falo mais alto, vejo os olhares das outras mesas nos cercar.
- Aqui diz que o seu papaizinho é amante da mulher que foi presa. E tem mais, ele está no meio de uma corja de traficantes. É só ver os detalhes do documento, ele nunca foi inalterado desde de quando a Betany era viva. - Murmurou com veemência. Não sabia o que pensar.
- Eu não confio em você.
- Não preciso que confie em mim. Só queria que confirmasse. - Disse ela guardando tudo às pressas.
- Eu não entendi quais são suas intenções me contando isso.
- É simples: 1- o mundo precisa saber que o seu pai não é o milionário honesto que aparenta ser... - Levantou-se, quase pronta para sair. - 2- A Manuela é inocente. - Virou as costas, pensei um pouco e resolvi ir atrás dela.
Já na rua a encontrei parando um táxi.
- Espera!
- O que foi?
- Como você pode ter certeza?
- Certeza de quê?
- Moça; você vai agora? - Perguntou o taxista, desajustado o coitado.
- Que ela é inocente?
- Eu... Simplesmente sei. - Murmurou irrefutável, adentrou o veículo e se mandou. A mim, sobraram apenas os pensamentos.
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Dupla Personalidade - Quem sou eu?
Mistério / SuspenseEnquanto muitos morrem em leitos de hospitais com câncer, tumores e órgãos falidos; outros morrem dentro de si mesmos hipocondríacos. Nunca se sabe o quão suscetível a mente humana pode ser, eu sou a prova viva desses relatos. Meu nome é Manuel...