Marcas

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De início achei ser uma brincadeira até lhe disse:
- Deixa de ser bobo! Isso não tem graça.
Mas ele mantia-se, assustadoramente diga-se de passagem, sério. Tampei o sorriso.
- Não é brincadeira. Pelo jeito você não é mais B.V. - Descontraiu na última frase.
- Deve ser alergia, você está exagerando.
- Manu eu posso ter muitos defeitos mas não sou idiota! Se você não quer contar como ganhou essa chupada, beleza. Só não tente me enganar, valeu?!
Respirei fundo, fui até o banheiro sem lhe dar satisfações fui um tanto apressada. As escadarias pareceram pequenas diante da pressa em que estava.
Ao olhar no espelho lá estava ela! Nítida em uma altura abaixo da orelha próximo a nuca, do lado esquerdo. Era um estrago que só uma boca humana poderia fazer. "MEU DEUS!" disse enquanto me horrorizava no espelho.
Até tentei justificar ao Emanuel que não sabia como aquilo poderia estar no meu pescoço, porém ele não só não acreditou como foi embora.
Em meio à omissão de fatos perdidos no deixar de marcas só restara esconder aquilo até se apagar.
A verdade é que todo ser humano acredita estupidamente que marcas se apagam, que o passado se esquece. Como se o passado nunca foi e nem será um objeto? Ele é uma parte de nós. Porém aquela marca jamais foi uma parte de mim, e levaria um tempo até que percebesse isso.

Colégio IBPI, 7:30 da manhã de uma segunda-feira.

- Oi Manu! Você curtiu minha nova jaqueta? - Lara perguntou toda empolgada. A jaqueta de couro sintético preta, possuía poucos detalhes exceto os speakers nos ombros e o zíper dourado.
- Sim é linda. - Falei meio drog, enquanto a professora de geografia entrava na sala.
- Bom dia classe! Como havia dito na aula anterior sobre a introdução à geografia e a cartografia, quero até a semana que vem maquetes e um fichamento do assunto, apresentado por duplas... - Daine estava rígida e com um ar de exigência maior que o comum. As cadeiras se movimentaram sem que ela terminasse, eu como continuei parada observei sua expressão mal-humorada.
- hum... Não disse que vocês escolheriam seus parceiros!
- Não? - Perguntou Eduardo. Já do lado de Vanessa Brás.
- Não! Assim seria muito fácil! Quero ver como se adaptam com novos companheiros de trabalho. - Não éramos uma orquestra, mas pôde ouvir todos engolir seco. Afinal éramos muitos, de muitos grupinhos, muitos rivais e os excluídos. Aquilo não era uma sala era um campo de guerra em anonimato.
Ela começou a apontar nomes, rezei mentalmente para não acabar com alguém insuportável. Minhas rezas foram inúteis!
- ...Matheus Sampaio e Manuela, Larissa e Vanessa...
O descarado sorriu de lado e piscou, "se ele acha que vai ganhar nota de graça está redondamente enganado". Durante o intervelavo da terceira aula veio em Minha direção:
- Então Manuela como vai ser nosso trabalho?
- Não sei como vai ser, preciso planejar. Mas você sabe que não vai ficar sem fazer nada, não sabe? - Falei rapidamente enquanto arrumava meus papéis, que desabaram da mesa assim que tinha os arrumado. Me abaixei para pega-los e Matheus olhou aos arredores conferindo os olhares, se manteu imóvel.
- Eu sei, se quiser posso ir...
- Sai! - Lara o afastou, se abaixando junto a mim para juntar todos aqueles papéis que se espalharam. Ele logo saiu sem terminar de falar.
- Que dó de você, Manu! Acabar tendo que fazer trabalho com esse estúpido. - Referia-se a Matheus. Voltamos aos nossos lugares, e ao ver Júlia passar em direção ao banheiro não evitei o certo alívio:
- Podia ser bem pior...
Lara passou mal no intervalo, optou por ir embora mais cedo. Ao sair sozinha para o ponto de ônibus já que meu pai avisara não vim me buscar, me deparo ouvindo vozes e me surprendo ao avistar Matheus correndo atrás de mim.
- Manuela, Espera um pouco...
- O que foi? - Enquanto ainda caminhava, ele ficou ao meu lado.
- Sobre o trabalho posso passar na sua casa hoje a tarde.
- Por que está tão empenhado em fazer este trabalho? Não combina com você. - Ele me puxou pelo braço, sem que esperasse, por sinal algo que disse o irritou.
- Como pode saber o que combina ou não comigo? Nunca dirigi uma palavra se quer a você. - Agora parados olhando um para a cara do outro, desprendi sua mão que segurava de leve o braço.
- E precisa? Estudo com você desde o fundamental, lembro bem quando usava a paixão da Caila no 7° ano para fazer seus deveres. Sempre foi descompromissado com a escola, galinha e ... covarde. - Gaguejei e falei baixo, porém em fim pôs para fora o que havia entalado na garganta.
- Covarde? Covarde o caralho! Posso não ser santo, mas não sou um monstro. Faço os meus trabalhos, me encosto as vezes, pesco também. Agora isso daí não me faz um covarde.
- Licença; eu vou perder meu ônibus. - Peguei um papel solto da bolsa, rabisquei o endereço. - Passe na minha casa às 4. - Sai apressada.
- Você vai me deixar falando com o vento?
Ignorei sem olhar para trás.
Cheguei em casa, cansada física e mentalmente, mal me lembrava que a qualquer dia desta semana Rochely apareceria como nova moradora. Portanto agir com surpresa ao notar que ela e meu pai estavam em casa.
- Boa tarde filha; vamos almoçar? - Ele juntamente a sua convidada serviam-se sobre a mesa. Mesa que, naquele dia em particular, parecia apetitosa.
- Não, estou sem fome. Obrigado. Licença pai, licença Rochely.
Meu pai ficou desconcertado, de fato não sou simpática, aliás a timidez cuidou em extinguir qualquer forma de simpatia. Apesar que não posso culpa-la apenas, sei que sou grosseira às vezes mesmo que de maneira modesta.
No cair da tarde como o prometido Matheus batera a minha porta, Rochely subiu as escadas e me chamou, parecia elegância se dá ao trabalho de subir as escadas invés de gritar. Porém era percetível seu incontentamento, não demoraria muito para ela pedir uma empregada em tempo integral, ou seja, não demoraria muito levar um pé na bunda.
- Acho que a gente não começou direito. Mas vamos tentar esquecer e fazer o trabalho.
- O trabalho será na biblioteca. Rochely se importa?
- Não. - Saiu da sala e foi direto para o quarto, na verdade nem tinha pedido pra ela sair.
Ao chegar na biblioteca...
- Isso é uma biblioteca?
- É um espaço pequeno. Mas há todo tipo de livro que se imaginar.
- Pra mim tanto faz, não costumo ler. - Levantei os óculos e ri irônica.
- Você acha que sabe tudo de mim. Me chama de covarde sem justa causa.
- Acho que estes livros ajudarão na pesquisa. - Repousei quatro livros grossos no tapete e sentei no mesmo, Matheus seguiu meu exemplo.
- Covardia é fugir do assunto?. - Me encarando sério.
- Jura que você veio até minha casa pra discutir?
- Não quero discutir só quero enteder porque esta revolta toda. Eu nunca te fiz nada.
- NADA? Você bateu em meu melhor amigo por motivo fútil e riu de mim em todos os momentos humilhantes que passei. Chama isso de Nada? - Ele engoliu seco, colocou a mecha solta atrás da orelha.
- Primeiro que seu amigo não é nenhum bonzinho, é um Preto safado que dá em cima de todas as garotas da escola...
- Olha como você fala! - Levantei subitamente.
- Eu não terminei, falo pois é a verdade. Como é verdade que todos riem de você porque você deixa!
- Eu deixo?
- Sim, deixa! Anda de cabeça baixa pelos corredores e usa esse óculos horrível. - O otário retirou meu óculos, por ser bem mais alto que eu não conseguia alcança-lo.
- Para com isso me devolve! - Encarei o que achava ser seu rosto. E ele de repente parou no ar, se quer se mexeu.
- Nossa. - Boquiaberto fixou em minha face.
- Que foi? - Seu silêncio chegou a me assustar. Via tudo embaçado, tirar meus óculos foi muita maldade.
- Nada. - Devolveu o infeliz do óculos! Ao exergar de novo seu rosto, pôde ver seu sorriso bobo, outra vez me fez de piada.
- Você é um i-d-i-o-t-a! Sai da minha casa.
- Manuela eu juro que não... - o expulsei sem delonga.

Dupla Personalidade - Quem sou eu?Onde histórias criam vida. Descubra agora