CINZA LIVRE

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1 de Agosto de 2016, Segunda-feira; Clínica psiquiátrica Brenark, Bota-fogo_Rio de Janeiro.

Tempo Presente.

    "Vocês não querem ser livres, ser homens? Nem sequer compreendem o que significa ser homem, o que é a liberdade?"

    Matheus me deu o livro à um mês, ele sabia minha admiração por Aldous Huxley. De fato já havia lido o clássico "Admirável Mundo Novo" mas jamais seria desagradável a ponto de conta-lo. Aliás, não há nada a se fazer aqui! Portanto melhor ver páginas repetidas do que fitar paredes cinzas.
    Voltando ao livro que lia, o texto anunciado me fazia valorizar a liberdade. É comumente do ser humano valorizar apenas o que não possuí. Quem não quer ser livre?
    Eu quero ela com todas minhas forças! Quero tanto, que acatei o disparate da imprudência e acelerei a história.
    Oh, meu amado leitor,  que seguiu até aqui todos os vestígios em busca de uma verdade tão complexa e tão hipócrita quanto esta ânsia que planto, articuladamente e sem pudor, no seu cérebro.
    Sei o quanto quer saber, o quanto deseja ouvir um nome, uma teoria sem sentido que vez ou outra chegou a passar na sua mente. Mas mesmo que no ápice da insensatez eu te contasse, acreditaria em mim? Nas palavras de uma louca?
   De fato os leitores tem a estranha mania de acreditar de forma cega nas palavras de quem às escreve, e posso ouvir até um murmúrio positivo.  Mas eu não estou neste lugar de dementes atoa; e se o próprio culpado desdenhou de quando o descobrir, não falarei nada enquanto o seu nome não entrar nos históricos criminais.
    O que me entristece é a demora. A Polícia aparenta descaso nas investigações, como se a descoberta da "Dupla Personalidade" fosse a prova concreta que eles procuravam.
    Foi tudo tão confuso. A culpa é toda minha! Deixei me levar pelas aparências, acreditar cegamente no que parecia certo. No entanto, este tipo de coisa acontece até entre os mais espertos; deprimente mesmo foi meter os pés pelas mãos e acusar Matheus sem observar detalhes com a atenção merecida, isso sim foi imperdoável. 
    O amo tanto. Eu mesma se lesse ou ouvisse esta confissão poucos meses atrás me chamaria de louca, com certa razão. Mas não estou aqui por amar, e sim por ter tido uma vida inteira de carência afetiva. Perdoi-me meu querido pai, mas é a mais pura verdade. No lugar do amor encontrei ódio, dor, sofrimento, medo e muito vazio.
     Hoje, neste universo cinza, só a cor conhece a liberdade. Dr. Brenark promove seções sempre que conveniente, sinto que ajuda muito com o problema. A psicoterapia não é de todo mal, conversar com alguém que parece sentir exatamente a mesma coisa que você só que no entanto a pessoa, ao contrário de você, sabe lidar com a situação. O que detesto são os calmantes! As vezes queria joga-los pela janela! Se o quarto tivesse janelas já teria feito isso.
    Mas não se martirize, você, achando que estou em uma espécie de manicômio, com colete aprova de força e cadeira elétrica. Há até um jardim, e dentro dos limites me locomovo bem. As pessoas aqui, não são loucas psicopatas, são apenas pessoas vencidas pelas insensibilidades da vida.
     Imagine um lugar de assistência para viciados. Viciados nas suas próprias fantasias. Alguns são até amigáveis.
     Há uma jovem, com seus 35 anos, que vem conversar comigo, de vez em quando. Bate no meio do meu tórax, como se eu fosse uma porta, e pergunta:

- MANUELA? Você está aí? - Possui uma voz engraçada, o olhar puro, e uma demência que traz parte de um universo fantasioso do qual adoraria pertencer.

- Oi; Elise.

    Dr. Brenark disse-me que ela já completara três anos na clínica. Diagnosticada com esquizofrenia. A princípio estranhei, não é do feitio da doença proporcionar tamanha alegria. Mas depois fui compreendendo que há vários moldes da doença, e que a ideia de perseguição é comum à todos eles. Elise chegou aqui, acreditando, ser perseguida por bruxas.
    O fato é que todos possuem suas bruxas, tantos os sãs quanto os loucos. Após quatro meses me sinto apta para voltar a vida social, pena não ter previsão de alta. Por mais que está aqui tenha sido útil, e de fato trouxe-me melhoras; ainda sinto-me sucumbida por um ódio que não cessa.
    Agora vou continuar o resto dessa história, penso. Mas uma visita chega.
- O caso vai ser arquivado. - Comunica natural, minha única reação é esbugalhar bem os olhos.
- Não podem! Resmungo. Eu não sou a culpada.
- O que vamos fazer? - Questiona-me com preocupação, sorrio nervosa. Só há uma solução.
- Tomei uma decisão, vou fugir! Tenho que encontrar provas, é a unica solução. - Mesmo sem saber como, opto pela única chance de não virar um eterno bode expiatório.
    

Dupla Personalidade - Quem sou eu?Onde histórias criam vida. Descubra agora