Eu e meu reflexo

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Eu estava sozinha...

As horas passavam... E nenhuma conversa virtual durava mais de 10 minutos... Então bateu a tristeza e as lembranças vieram...
Aquela raiva e aquela fúria de mais cedo foi o acúmulo do conta-gotas: Lembrei da vergonha que passei em público quando fui usada por Pietro Ramos, jogada no lixo, e a ovada com farinha que ganhei na recepção. Sentia o desprezo dos outros, via a rejeição nos olhares dos meninos; com 17 anos e todos sabiam que era B.V. Tavez seja a minha feiura não sei, mas também deve ser culpa do meu tagarelismo idiota! Sou PAHD em falar muito, mas só as palavras erradas.
O espelho não é meu amigo! Estava olhando para ele em meio a todos estes pensamentos deprimentes. O corpo magro sem curvas, o cabelo castanho claro que nem era liso e nem cacheado apenas cheio de friz, as pequenas sarnas abaixo dos olhos, era isso que ele refletia. Podia ver os óculos embaçar como sinal da presença das lágrimas.
Havia uma tesoura de ponta fina sobre a cômoda, a peguei com a súbita vontade de quebrar aquela imagem como se nunca precisaria vê-la novamente. Porém a parei no ar ao ouvir a voz rouca do meu pai.
- Manu?! Você está acordada? - Ele bateu na porta. Desconfiou ao ver a luz acesa. Coloquei a tesoura no seu lugar e fui abrir à porta.
- Sim pai. Já vou dormir.
- Boa Noite, querida. Amanhã você me fala se aconteceu alguma coisa. - Ele notou o olhar triste, mas não queria agravar perguntando no mesmo dia. Parei com o sentimento de auto-piedade e fui dormir, mesmo que aos poucos.

No dia seguinte...

- Por que diabos você fez isso? A família Sampaio poderia nos processar... - Meu pai passando sermão. Eu queria poder me defender, mas as palavras seriam inúteis. Como já era previsto ele surtou, a penalidade de três dias suspensa para ele se assemelhava à pena de um criminoso. Embora seja difícil lidar com uma pessoa histérica, calei-me por concordar e assenti.
Tentei imaginar que seriam minhas férias prolongadas, não que eu fizesse algo com ar de "férias".
Na quarta-feira à tarde a Lara me convidou para ir na sua casa. Porém minha disposição me convidava a ficar deitada lendo "A Ilha" de Aldous Huxley, acompanhado da música Smells Like Teen Spirit. Pena que a traquilidade daquela tarde seria abalada pelo toque do telefone:
- Alô. Com quem falo?
- Oi Manu?! È o Carlos, seu pai perguntou se a pasta amarela com recibos de compra estão aí? - Não sou retardada processei a informação rapidamente, no entanto a tonicidade, a suavidade masculina que a voz do Carlos proporcionava no telefone me deixou "normi".
- Eu não tenho certeza, aguarda, que irei olhar no quarto dele. - Deixei o telefone pendurado e sair o mais rápido que pude, e lá estava misturada à xícara de café mal tomado; aos papéis inúteis, jogados sobre a cômoda; no meio de toda a bagunça estava a bendita pasta amarela.
- Ele deixou aqui, Carlos, você vem buscar?
- Acabou de chegar um tranqueira... - Ouvi um chiado de reclamação, talvez o dono do veículo tenha se aborrecido com o adjetivo. - ...Chegou um Peisser com um problema no motor, e vai dá trabalho. Dá pra você trazer? - Em resumo rejeitei o convite de Lara em prol do socessego, mas o destino e o esquecimento do meu pai tinham outros planos.
-Ahah..., tudo bem.
Peguei um táxi até a Borracharia Caranga Nova, chegando vi o local vazio com o carro que o borracheiro disse ocupar-se em concertar. Carlos não é nenhum desconhecido, trabalha para meu pai desde a adolescência há pelo menos 3 anos, nos consideramos amigos, apesar da minha súbita vontade em ficar com ele.
Andava perdida sobre o escritório, procurando um local aonde não houvesse o risco de que se perdesse ou derramasse graxa na pasta. O escritório do meu pai era pior que o seu quarto! Não era atoa que estava há sete anos sem romance fixo.
- Pode colocar na primeira gaveta. - Ouvi a voz de Carlos sobre as minhas costas, cheguei a me assustar diante da sua cautela espreita. Virei-me, arregalando os olhos. - Desculpa se te assustei, precisei sair para comprar algumas peças que faltavam. Tem muito tempo que chegou?
- Não. - Ele saía da porta e já invadia o ambiente, enquanto apenas o encarava sem reação.
- Que bom seu pai está maluco por estes documentos. - Enquanto tomava a pasta das minhas mãos e levava a gaveta sem cerimônia.
- Por que? Se ele nem está aqui.
- Ele já vai chegar. - Ele estava naturalmente com pressa, o carro ainda estava ali para ser concertado. Contudo atravessa as prateleiras em direção oposta a Oficina. - Quer um café? Não precisa ir agora.
- Quero. - Antes que ele sumisse entre as prateleiras de produtos automobilísticos.
Não demorou muito que voltasse com duas xícaras, um pouco mais calmo. E o fitei ao desfilar o corredor, a camisa regata suada e com manchas de olho marcavam desde o peitoral ao abdômen. Seu sorriso tímido em meio a tanta beleza escultural parecia o completo ideial aos que o gregos chamam de perfeição.
O fitei tanto que quando estava perto de mim não o mais via, e no ápice da meu desajeito derramei café quente sobre sua pele suada.
Tentando evitar queimadura Carlos tirou a camisa rapidamente. Seu tom marrom-chocolate ganhava um novo irritado. Não xingou ou reclamou, apenas fez "ai" e deu um sorriso nervoso.
- Me desculpe! Eu sou uma idiota! - Olhando para a parte irritada de sua pele, abaixo do peito esquerdo. Minha vermelhidão foi instantânea, o constrangimento somando à tentação do que via na minha frente. Em uma tentativa frustada de disfarce desviei meu olhar para baixo.
- Está tudo bem Manu? - Seu olhar confuso buscava meu olhar envergonhado.
- Sim. Disse sem jeito. Acho que já vou embora. - Me preparava para sair, largando outra xícara a mais na mesa de trabalho. Carlos me surpreendeu ao puxar-me pelo braço.
- Se quiser podemos ir na Sorveteria mais tarde?
- Na sorveteria? - Falei Pensativa.
- Você vive trancada em um quarto. Não faz mal nenhum sair.
- Não é verdade. A porta fica só encostada. - Demos execessos de risos. E quando pensei está falando com ele próximo a mim. Carlos Já encarava a dura face daquele capô. - Vejo que está ocupado. - "Jura que você percebeu agora?" , pensei depois. - Nos vemos mais tarde.
- Às 19 horas. - Acrescentou .
Logo quando saía vi a face desconfiada do meu pai, ultimamente me tratava com rudeza. Não sabia se permitiria ter meu "encontro". Apesar que muito provável não estaria nem se quer em casa, e sim em seus desvaneios amorosos.

Dupla Personalidade - Quem sou eu?Onde histórias criam vida. Descubra agora