Reconstruindo fatos

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    Não demorou o sol se despedir: pintando o céu em uma aquarela, eu observei cada tom sozinha. Estranhamente Matheus logo foi embora, suspeito que ele teria vindo atrás de um momento reflexivo e eu havia atrapalhado. A instrução à calma que teria mencionado foi esquecida. Vamos aos fatos esta minha impaciência está me deixando insensível e idiota!
Matheus pediu minha ajuda, logo a mim? Algo não estava certo. Com todas as pessoas próximas à ele que cumpriam um laço afetivo com Júlia, eu era a mais inapropriada. Naqueles instantes sentados na areia eu estava cega em ajudá-lo a desvendar o assassinato e o mistério da Dupla Personalidade. Mas depois rolando nos lençóis podia pensar com serenidade, e encarar a situação: precisava de justificativas! Afinal de contas o meu envolvimento partia de projeções e contextualidades sem fundamentos se continuasse a me envolver sem restrições, questionamentos e objeções me tornaria inconscientemente uma suspeita óbvia. Talvez fosse isso? Ele desconfiava de mim?
Aquele fim de semana seria difícil. Não havia notícias se segunda haveria aula. O Colégio fora gradativamente abalado.
    Custei no café a mandar mensagens a Lara e Emanuel exaltando que devíamos começar rolar as investigações. Emanuel não deu sinal de vida, enquanto Lara mandou uma mensagem arrogante e seca:

Isso é trabalho da Polícia! Você devia mesmo era falar com seu pai pra dá início ao tratamento.

- O que foi? - Meu pai. Perguntou ao ver a expressão abatida. Nem notei que tomavos café juntos.
-Nada. - Falei esquiva.
- Como nada? Não parece.
- Um... Aonde está Rochely? Mudei de assunto.
- Achamos que precisávamos de um tempo... - Eles começaram agora e pediram um tempo? - ... Talvez ainda era cedo para juntar as meias, entende?
- Sim. Ela nem se quer usa meias. - Relatei melancólica. Ele quase se irritou, mas foi vencido por achar engraçado o fato de que eu nunca pense bem antes de falar.
Levantei para ir ao quarto.
- Por que você não vem comigo para a Caranga?
- Você não vai descansar? Hoje é sábado. Passou a semana toda trabalhando. - falava com ele pisando no primeiro degrau. Nem notei que ignorei seu pedido.
- Sim. Admito. Vou fazer isso semana que vem... Você vai comigo hoje? Vai fazer bem a você e a Carlos. - Em denotados momentos podia sentir ser empurrada para Carlos.
- Não sei... Tenho deveres. - Não me sentiria bem próxima a Carlos, dei a minha palavra que o ajudaria com Lara. E até agora ela só faltava lhe dar pontapés. A última vez que o vi foi quando ela adoeceu, não fazia tanto tempo assim.
- Início de ano; não sabemos se vai ter aula na segunda. Aliás como a senhorita disse "Hoje é sábado!". - Terminou seu café e jogou na pia. Cida lavava a roupa suja. Algo me dizia que a briga dele com a namorada partia dos afazeres domésticos.
- ah... É. - Suspirei; encurralada.
- Então... A espero lá fora. - Suou aconselhável, com cenho franzido e o sorriso simples dos lábios finos. Mas não deixava de ser autoritário.
Correspondi da mesma forma. Subi as escadas e voltei vestida em uma jardineira.
    A viagem foi tão áspera quanto o café da manhã- de poucas palavras, seguindo o repertório "tapa na cara" do José de Camargo e Luciano. A música parecia surtir um efeito de sofrimento e culpa em meu pai. O Sr. Rodrigues reprimia muito os sentimentos e nunca compartilhou qualquer que fosse comigo, acredito que eu tenha aprendido a fazer o mesmo.
- Bom dia Carlos, Rafael! Como vão as coisas? - Meu pai parecia bem animado ao entrar na loja; não havia tantos carros mas havia uma quantidade considerável de pessoas.
- Oi. - Disse tímida; mas olhei para os dois.
- Olá. Tudo bem! - Quase formando um coro.
- vem! - Rodrigues me chamou.
    Entrando mais vi que havia uma moça de rosto redondo, olhos pequenos e de traços não tão delicados atendendo os clientes. Meu pai finalmente seguiu o conselho de Carlos e contratou uma atendente. Havia até colocado um balcão de vidro deixando sua mesa desarrumada quase invisível no canto. Sentei ao seu lado, e em meio aos papéis comprovei o pedido oculto de ajuda.
- Precisa de ajuda?
- Não. Não quero que se ocupe. Mas olhe; gostou da "reforma"?
- Sim. - Sorri e visualizei por completo a atendente. Ela tinha peitos enormes, esbugalhados e a maioria dos clientes eram atraídos por isso. Ri além da conta ao pensar isso.
- Manu... - Chamou-me atenção. Porém não conseguiu manter a seriedade.
- Senhor eu vou no banheiro. Licença . - Assim que os clientes saíram.
- Claro. - Meu pai assentiu o anúncio. Olhou chamando a minha atenção.
- Não foi intencional. - Em tom baixinho. Desculpas à parte, reparava em novas possibilidades para a crise prévia do relacionamento do meu pai, mas isso não era importante.
- Manu a gente pode conversar? - Carlos chamou-me. Meu pai fez um gesto positivo com a cabeça. O seguir e vi o quanto Rafael esforçava; lutando para me esquivar de qualquer conversa pensei de usar isto.
- Você vai deixar ele trabalhando sozinho? - Carreguei com uma tonelada de pena.
- Há pouco trabalho, e eu não vou demorar. - Justificou e desmereceu os resmungos de Rafael.

Dupla Personalidade - Quem sou eu?Onde histórias criam vida. Descubra agora