LARA RAMOS
- Como se escreve dreads? - Ergui a cabeça, eu vinha fazendo umas anotações que nem notei a sutil aproximação do Bernardo. Pausei o olhar em sua face por poucos minutos; dreads? Sem a mínima ideia para que diabos ele precisava daquilo, e interesse menor ainda, aproveitei o papel em mãos e escrevi. - Obrigado. Muito sem jeito. Eu sinto muito pela sua amiga.
- Não sinta; ela não morreu. - Respondo sonolenta. Vejo seu olhar balançar combinando com o desarranjo do rubor. - Se não se importa quero assistir a aula. - Isso tudo era muito embaraçoso; fiz um favor a nós dois recusando conversa.
Emanuel encheu o saco nos últimos dias dizendo que eu precisava beijar alguém a ver se perdia um pouco do carrancismo. No fundo ele estava certo, não quanto a teoria do beijo, mas quanto a carranca que dominava o rosto; o Bernardo foi só mais um número à lista de rejeitados independente das intenções.
Olhei para Emanuel no intervalo, porém até ele se cansava de mim. Notei que ria alto ao redor de garotas, algumas calouras, e até Rebeca o cercava.- Você vai visitar a Manu hoje? - Ele ao encontrar-me na saída.
- Acho que sim; é que agora eu moro mais longe. - Tentei justificar, contudo ele expressou incontentamento.
- Você e sua mãe já estão se falando? - Paro atônita com a questão.
- Quem te contou isso?
- Ninguém, eu vi. Acho que até o pai da Manuela percebeu. - Disse em meio ao típico sorriso despreocupado. Não comentei à respeito, o fato era que ninguém além de Beta e eu sabíamos o motivo da nossa intriga.
- Não tem importância.
- Tá. A gente pode conversar em outro lugar? Estamos no meio do corredor. - Demonstrou ter algo a mais a me dizer. Realmente estávamos parados no meio do corredor, como dois burros empacados.
- Você não tem pressa para ir embora?- Perguntei afim que mais tarde não saísse correndo.
- Não. Eu fiquei de sair com a Rebeca mais tarde. - Falou com naturalidade.
- Ah... Se você já ia ficar aqui com ela por que não veio falar comigo...- Comecei a murmurar alto, Emanuel me olhou de canto de olho para não resmungar enquanto Matheus passava às nossas frentes. Mas eu estava pouco me lixando!
- Vamos! - Pegou-me pela mão e arrastou até a minha sala, que era a mais próxima. A mesma permanecia vazia. Eu ainda estava irritada por ele evitar a conversa no intervalo.
- Quer ficar quieta. - Disse ele; pela primeira vez passou autoridade. Largou-me ao entrar na sala. - Não falei com você hoje, porque ainda ontem foi grossa comigo.
- Eu não disse que senti sua falta. - Murmuro encostando na parede; cruzei os braços. - Diga logo o que quer. - Sem clemência, ele olha para mim com gracejos. Será que ele descobriu alguma coisa sobre o assassinato? Penso na deriva do que se sucedia naquela sala.
- Não precisa ficar nervosa. Tenho uma coisa aqui.
- Coisa? - Pergunto absurdamente curiosa. Ele começou a revirar bolsa aparentemente recheada dos mais variados objetos.
Sua expressão muda de repente tornando-se mais séria. Parecia ter encontrado o que procurava; invés de entregar-lo de uma vez ficou imóvel, refletindo.
- Aqui. - Disse dando-me um pen drive. Confesso que não entendi muito bem.
- O que tem aqui?
- Algo que eu devia ter te mostrado antes. Olhe na sua casa. - Alertou saindo como se nada houvesse acontecido ali. Talvez não tivesse nada, eu levaria mais de uma hora para saber.
- Ah... Dê uma chance ao Bernardo. - Murmurou após voltar ao pé da porta. Quase sorri com tamanha besteira.
Não faltou-me tempo para pensar. E não me refiro ao novo apetrecho na mochila. Pensar sobre o que faria com aquele segredo, eu uma Sampaio? O Universo me detesta. Eu tinha vontade de pedir satisfações ao grande Sr. Sampaio, eles não mudaram de endereço nos últimos anos. Também pensava se poderia contar esse segredo a Manuela?
Meu celular toca. Era minha mãe, a rejeitei da primeira vez, porém da segunda mudei o posicionamento.
- Alô?
- Lara?! - Aparentemente preocupada, tal comportamento era novo. - Venha logo para casa, filha. Por favor. - Rogou delicada, meus sentidos ficaram perplexos; era como se ela fosse capaz de ler o que se sucedia em meus pensamentos naquele exato momento. Suspiro sem noção do que responder.
Olho ao redor e me deparo com um homem me encarando, logo ao lado do carro mais extravagante da rua, o Ghost da Rolls-Roice.
- Eu vou daqui a pouco. - Digo dengosa, e baixinho.
- Lara você não entendeu... - Ouço relances da sua voz, até tirar o celular da orelha e desliga-lo. Tudo isso sem despregar o olho da figura que me encarava.
Fui aproximando inconscientemente. O sorriso do homem entregou que ele esperava por isso. De fato levou mais tempo do que esperado para tomar procedência da fisionomia conhecida; aqueles olhos azuis-violetas em uma moldura já gasta e pouco enrugada era característica de uma única família.
Ele veio até mim? Pelo jeito não era os meus pensamentos que dona Beta invadiu.
- Senhor Sampaio? - O tratei normalmente, mesmo com milhares de perguntas; muitas não gentis.
- Eu sei que você já sabe, Lara. - Fico bestificada. Aquele velho cachorro sabia de tudo o tempo todo, aquele ar nem um pouco surpreso, a forma fria como bancou o espertalhão!
- Você sabia o tempo todo?! - Estremeço; dispersa em qual direção olhar.
- Melhor irmos a um lugar discreto. - Ergueu à mão, mão que tocou apenas o vento enquanto eu segui até a porta do carro do banco do acompanhante.
Ainda no carro, mal conseguia passar o olho em Gregório, contudo senti os olhares alternados deste. Eu ficava imaginando se o show de mentiras chegaria mesmo ao fim.
- Sei que está chateada... - Murmurou incerto do que dizer, o que deu-me absoluta certeza do despreparo para explicações. Mas quem se prepara para uma situação inexiste? Era isso, jamais devia ter descoberto.
Levou-me ao restaurante da sua empresa. Eu ao mesmo tempo enfurecida por ser parte de mentiras e falcatruas, estava também curiosa sobre a escolha do local e o que Sampaio ira me dizer. Sentei e fiquei a fita-lo, sem aventurar os olhos naquela arquitetura gozada.
- Esta empresa é minha. - Disse orgulhoso, enquanto eu continuava com a mesma expressão de quando saímos de frente do Colégio; cara de foda-se.
- Desde quando você sabe? - Pergunto rígida.
- Não quer pedir algo antes de começarmos a esclarecer. - Murmurou com aquele ar frio de homem de negócios, se não soubesse das minhas próprias intenções, diria eu mesma, que estas tratavam-se de um negócio. Balancei a cabeça negativamente.
- Quando? - Encurto a frase, com a mesma preponderância.
- Não vou mentir mais para você...
- É o mínimo.
- Eu sei a alguns anos. - Afirmou com naturalidade. Sinto o sangue nos olhos, projeto o rosto para frente.
- Alguns... Uso de ironia. Em outras palavras à tempo suficiente para se decidir que não vê a bastarda aqui como filha!
- Eu não disse isso. - Defende-se, enquanto umidece os lábios. - Já era um homem casado quando você foi concebida, não podia reconhece-la. - Ri da forma como ele falava, parecia que a minha existência fora completamente acidental.
- Eu não quero nada do senhor, se é com isso que se preocupa... - Falei me levantando. - Não se preocupe mais.
- Espera; não quer ouvir tudo?
- Já ouvi o suficiente.
Olho aos arredores; parece que o tom se excedeu sem que notasse. Gregório manteve a expressão fria, seus lábios ficaram retos; as minhas palavras não o deixaram aliviado.
- Espera; posso levar você em casa. - Assenti e nenhum murmúrio saiu de qualquer um de nós.
Sair do carro e recusei-me a olha-lo. Nem notei que o mesmo me seguia. Mal abro a porta e vejo a minha mãe tão de perto que era como se ela estivesse o tempo todo ali.
- Lara? - Abraça-me pelas costas, como se protege do inimigo. Vejo Sampaio ao pé da porta, um dos seus braços ao alto. Aquele terno cor de cáqui o deixou com um aspecto conservador.
- Me solta. - Desvencilhei de seus braços; algo de absurdo envolvia a sala, eu me vi frustrada ao descobrir que o absurdo também era invisível.
- Podemos conversar, Beta? - A vi suspirando fundo, olhando intensamente para mim, havia medo em seus olhos. Mas por que? O que aquele homem poderia fazer?
- Lara. - Disse sugerindo que subisse, olhei para ela a ver se tinha certeza.
- Prefiro ficar. - Comuniquei.
- Por Deus, sobe logo. - Pediu-me séria com altivez. Fitei a cara do velho, a mesma continuava inabalável. - Entre. - Falou à ele.
Subi os degraus lentamente, e daí que eles não começariam a falar na minha frente? Isso não me impedia de ser irritante.
- Pára com isso Lara! - Minha mãe reclamou, apesar que aquele jeito zen dela de falar pouco revelava qualquer sinal de estresse.
- Essa menina é muito mal educada. - Ouço o "meu papai" comentar, confesso ser música para meus ouvidos.
No meu quarto continuo irritada por não está presente na sala. Até que lembro de uma coisa prodigiosa.
- Cadê esse bagu-io? - Resmungo enquanto procuro o pendrive na bolsa.
Até acha-lo; era difícil ignorar o baixo volume da conversa na sala, com um murmúrio aqui outro ali, meus ouvidos alertados; mas algo me dizia que o apetrecho também era digno da minha curiosidade.
Cinco pastas e um documento Word solto entre elas, "Relatório de Investigações". O título ao menos chama-me a atenção. Antes de abrir percebo a vastidão do conteúdo; ok que Emanuel era inteligente mas aquilo era de fato estranho.
Já na capa levo um baita susto; aquele arquivo pertencia a Betany, logo veio à memoria Matheus me acusando, acho que havia citado tal documento. Eu estava muito abalada naquele dia não lembro se ele me contara mais à respeito.
Continuo a bisbilhotar à lista de nomes, que vai sendo moldada; anexos de trechos de relatórios policiais. Era um documento razoavelmente grande, com pouco mais de cinquenta páginas. A trinta e um contia imagens comparativas com legendas respectivas:
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Dupla Personalidade - Quem sou eu?
Mystery / ThrillerEnquanto muitos morrem em leitos de hospitais com câncer, tumores e órgãos falidos; outros morrem dentro de si mesmos hipocondríacos. Nunca se sabe o quão suscetível a mente humana pode ser, eu sou a prova viva desses relatos. Meu nome é Manuel...