— Cidade de Dublin, Irlanda/ 2015
Eu luto para não acordar, quero mais cinco minutos de sono, mas são exatamente 5:59h quando abro os olhos e 6:00h quando o despertador do velho radio a pilhas dispara como um galo e quebra aquela sensação de se estar entre os sonhos e a realidade.
Estava tão frio que sequer consegui sair de debaixo dos cobertores para estender a mão e golpeá-lo com um tapa no botão que o faria parar. Pelo contrário, ele ficava cada vez mais alto e mais insistente até eu decidir reagir e apertar o maldito botão. Em qualquer outra situação eu bateria o braço nele, mas teria um prejuízo enorme quebrando o radinho, derrubando meu copo de água e ainda tendo que explicar para minha mãe o motivo de tanto barulho.
É começo da manhã quando enfim bocejo e coço os olhos para acordar definitivamente. No lado de fora ainda há o barulho da noite, do lado de dentro há os meus grunhidos matinais. Eu procuro pelos meus óculos sobre o criado mudo e posso voltar a enxergar o mundo, pelo menos até a porta onde há três casacos sujos pendurados.
Tudo no meu quarto estava sujo ou pendurado, a preguiça de arrumar aquilo tudo, tantas e tantas coisas me fazia pensar duas vezes antes de tomar uma ação já que de qualquer forma eu teria que usar uma delas no dia seguinte.
Mamãe estava na cozinha com sua bengala a tira colo andando de um lado para o outro, fazendo as coisas com tanta dificuldade que dava dó, e eu reclamando do meu esforço para acordar.
— Aqui, mamãe. Deixa eu te ajudar.
Ela cede, me permite colocar os pratos a mesa e depois desliga o fogão com o chá quentinho para nós duas. Ela sempre fazia isso, sempre tinha um chá me esperando fosse antes de sair para o trabalho ou depois que voltava da aula.
O tempo não foi bondoso com ela visto que com apenas 60 anos já colecionava 1000 fios de cabelos brancos, mas seus cabelos eram uma graça, um penteado cacheado macio como algodão, a pele cinzenta com pouco colágeno e as costas curvadas depois de pegar tanta roupa pesada na vida. Seus olhos são pequenos, rugosos e tão claros quanto gotas de água, tinham uma cor amendoada e seu rosto lembrava um diamante.
Eu me sento a mesa, tenho um sorriso dela a meia luz da cozinha média com alguns moveis que compramos numa liquidação de garagem. Melhor, liquidação de corredor já que moramos numa pensão de três andares com uns dez outros vizinhos e uma senhoria que seria o próprio capeta se isso não fosse um insulto para ele.
Pense numa mulher avarenta e exigente, essa é Sra.Agatha.
— O que vai fazer hoje, Ceci? — ela pergunta docemente, tem uma voz suave e macia, quase sempre curiosa quanto ao que uma jovem antissocial faz durante o dia.
— Depois do trabalho vou para a escola, mamãe. Sabe que não faço nada além disso... só... de noite que pretendo assistir alguns filmes, minha série favorita e algumas músicas. Não quero ficar na rua mais que o necessário.
Eu cruzo as pernas por um instante, mas logo depois as descruzo mordendo levemente os meus lábios, passo a mão sobre os cabelos desgrenhados e agora deu uma vontade de fazer xixi.
— Você sabe que o mundo é grande. Não sabe, filha?
— Talvez, mas eu prefiro o meu mundo que é muito maior e nele posso fazer o que quiser. Sem ninguém. Só eu... eu... e eu.
— Até quando, filha...?
Após tomar a minha xicara de chá e alguns biscoitos eu simplesmente me levanto, nunca que demorava para tomar café da manhã e muito menos que quisesse ficar para conversar com a minha mãe visto que todos os dias ela parecia mais preocupada com o meu comportamento, mas eu estou bem, tão bem quanto possível.
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Meu Indomável Desejo (Livro 1) - CONCLUIDO
Chick-LitSinopse Cecilia Winsloe é vista por todos como uma estranha e reclusa garota. Aos doze anos descobriu ser hermafrodita - uma anomalia genética em seu corpo que a faz ter caracteristicas de ambos os orgãos; masculino e feminino. E que transforma sua...