Quando eu o vejo saindo no carro tenho vontade de ir atrás, mas eu não estou preparada para vê-lo com outra. Com certeza foi correndo para os braços de Iolanda dizer que não conseguiu contar para a esposa que está tendo um caso e que quer se divorciar.
Minha cabeça começa a doer. Não sei o que fazer. Não quero perder Marcelo. Eu só tenho ele agora. O que será de mim sozinha neste mundo? Quero conversar com alguém, mas ninguém vem à minha mente. Se eu tivesse mãe. Ah! Se meu pai ainda fosse vivo...
Estou perdendo tudo. Que merda! Eu que sempre achei que tinha tudo o que eu queria. Estou perdendo tudo, tudo... Ou será que nunca tive nada?
Acho que foi só uma ilusão, acho que vivi uma fantasia. E como dói saber que vou ser trocada mais uma vez! Como dói saber que não sou amada! O que eu fiz para merecer tamanho castigo?
As lágrimas inundam meu rosto e eu me jogo na cama. Ouço o celular tocar, mas não tenho forças para atendê-lo. Tenho medo do que possa ser.
Quero sair sem rumo pelas ruas e parar em lugar nenhum. Estou cansada desta vida de mentiras.
Não vou perder meu marido para Iolanda. Não vou. Já sei o que fazer.
Eu me levanto e abro uma gaveta do armário. Ele está ali e eu tremo ao vê-lo. Quantas vezes vi meu pai limpando-o como se limpa um brinquedo. Mas acho que ele nunca o usou para matar alguém. Acho que só possuiu este revólver por precaução ou por que era costume os fazendeiros terem armas em casa. Mas eu pretendo usá-lo hoje.
Vou acabar com Iolanda.
O celular toca pela terceira vez. Pego-o com raiva e atendo.
― Oi. Está disposta a colher o material para o exame de DNA hoje?
Eu fico paralisada ao ouvir a voz de Júlia. Ela dá alguma explicação que não entendo direito e torna a perguntar se estou disposta a fazer o exame hoje.
― Sim. Indique o laboratório e irei lá agora.
Ela pede para eu levar a mecha de cabelo do meu pai e finaliza a ligação em seguida.
Pego a minha bolsa e coloco o revólver dentro. Passo por Roberta na sala mas não digo onde estou indo.
Quando chego no laboratório encontro Amanda e Júlia. Elas apenas me olham, mas não tem coragem de me dirigir nenhuma palavra. Eu sinto um alívio por isso.
Depois de colher o material, deixo meu carro em um estacionamento e vou até uma locadora de veículos. Depois sigo em direção à casa de Iolanda. Eu estou muito nervosa, minhas mãos estão suando no volante. Minhas pernas tremem e eu desacelero um pouco para não me envolver em nenhum acidente.
Eu vou arquitetando meu plano. Não quero explicações dela, vou chegar logo atirando pra matar.
Daqui a pouco serei uma assassina.
Isso me assusta, mas estou determinada a salvar meu casamento. Não quero perder mais uma vez. Não posso perder mais nada.
Meus olhos ardem e meu coração bate descompassado. Meus pensamentos me torturam e acabo avançando um sinal. Ouço buzinas e alguns gritos.
― Louca!
― Vaca!
Mas o que são esses nomes diante da dor que sinto no peito? Nada. E são de desconhecidos. Quem me fere é quem dorme comigo todas as noites. Quem dilacera meu coração é quem senta à mesa comigo todos os dias.
Eu paro o carro diante da casa de Iolanda. É uma casa bem modesta no bairro Santa Rita. Há uma varandinha colonial na frente, com uma mureta baixa cheia de flores. A porta é de vidro colorido. Procuro a campainha, mas não encontro. Então bato palmas.
Ninguém atende.
Passo a mão na testa para secar o suor. Bato palmas de novo.
― Ela não está ― ouço uma voz do lado esquerdo da casa. Olho e vejo uma mulher bem gorda com um lenço na cabeça e uma vassoura na mão.
― Eu vim buscar a Emily para o aniversário do meu filho. Iolanda disse que a deixaria com alguém.
― Ah! Sim ― diz a gorda. Ela aponta para uma casa amarela. ― A menina está lá. Eles cuidam dela enquanto Iolanda trabalha.
― Obrigada. A senhora é muito gentil.
Vou rapidamente até a tal casa amarela e aperto a campainha. Uma menina de olhos claros e pele sardenta, aparece na porta segurando Emily. Ela deve ter uns doze ou treze anos
― Oi. Eu vim pegar a Emily. Iolanda está na rodoviária, sua mãe está muito mal e ela teve que sair as pressas e me pediu pra passar aqui e pegar a menina. Se eu não alcançá-la na rodoviária, eu a levarei depois.
A menina fica perplexa, eu abro o portão, avanço pra cima dela e praticamente tomo Emily de seus braços.
― Anda! Eu não posso perder tempo.
Saio rapidamente e entro no carro. A menina vem gritando atrás de mim pedindo para eu esperar, mas eu acelero e saio rapidamente. Sei que vão chamar a polícia, mas já estarei longe.
Emily chora descontroladamente no banco de trás. Quase sinto pena dela, mas lembro que é filha do meu marido e então tenho vontade de levá-la até a ponte do Vila Isa e jogá-la no Rio Doce. Eu me sentirei vingada ao ver os dois chorarem pela morte da filhinha inocente.
Saio desorientada pelas ruas e não sei o que vou fazer. Não era esse o plano, mas tive que mudá-lo rapidamente porque a bandida não estava em casa.
Não posso chegar com esta criança em casa. Paro em uma loja e compro uma bolsa grande e saio rapidamente. Com o balanço do carro Emily acaba adormecendo, o que me dá mais tempo e sossego pra pensar.
Estaciono o carro próximo ao estacionamento. Coloco a criança dentro da bolsa e saio rapidamente para pegar o meu carro.
Fico tensa. Tenho medo que Emily chore dentro da bolsa. A impressão que tenho é que todos sabem que estou sequestrando uma criança. Isso me dá pânico.
Entrego o dinheiro para o rapaz que me atende e digo para ficar com o troco, entro no carro e coloco a bolsa no banco da frente. Acabo de abrir o zíper para que Emily não morra sufocada. Ainda não sei o que vou fazer com esta bastarda. Só sei que tenho que agir rapidamente.
E eu confesso que só em imaginar a dor de Iolanda eu me sinto realizada e penso que minha mãe deveria ter feito o mesmo comigo ao invés de ter me criado. Por que cuidou de uma bastarda? Por que perdeu noites de sono cuidado de mim sabendo que eu era filha da amante do seu marido? Ela não deveria ter cuidado de mim. Não deveria. Ela agiu muito mal. Muito mal mesmo. E a culpa de tudo que me acontece hoje é dela.
Ela é a grande culpada. Júlia é a culpada!
Eu posso ver uma multidão gritando em coro:
Júlia é culpada! Culpada! Culpada!...
O céu está escurecendo rapidamente. Daqui a pouco vai chover. Trovões ecoam como bombas explodindo e raios riscam o céu de um canto a outro. Sinto-me num filme de terror, mas não tenho medo. Estou anestesiada pela dor.
Eu começo a dar voltas pelas ruas sem saber pra onde ir. Depois vou até o shopping, paro no estacionamento e fico pensando o que fazer. A chuva começa a cair torrencialmente. A ideia de jogá-la no Rio Doce não me sai da cabeça.
Preciso agir rapidamente. Daqui a pouco essa bastardinha acordará e aí será difícil conter seu choro.
Ligo o carro e saio do estacionamento do shopping. Sigo em direção à ilha.
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Mar de rosas e de espinhos
Mystery / ThrillerQuando a desconfiança entra na vida de Isabel e Marcelo, o mar de rosas em que vivem se transforma num emaranhado de espinhos e ambos podem sair feridos. Com a morte do pai dela alguns segredos do passado são revelados, e só então começam a saber q...