Um motivo para agradecer

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I

Narração por Isabela.

Do pouco eu lembrava. As lágrimas da minha mãe, o rosto confuso e pálido da enfermeira ao informar ao médico o que estava acontecendo e do branco.

O quarto era tão branco que despertou a sensação de tédio em mim. A claridade do ambiente fez a minha cabeça doer. No entanto, estava confusa, não sabia ao certo se era aquilo mesmo me causando dor.

Fui observada de diversos ângulos. Cada parte do meu corpo passou por exame, mesmo entendendo vagamente que havia passado por monitoração por onze meses e vinte e três dias. Esse foi o tempo que fiquei em coma, o tempo qual a minha mãe se recusou em soltar a minha mãe. O calor de sua mão me manteve ali, escolhi ter fé nisso.

― Por que a senhora não para de chorar? – As palavras saíram da minha boca em um tom grave e rouco junto a uma pequena risada enquanto revirava os olhos.

― Pela grosseria já sabemos que está ótima. – A minha mãe respondeu passando a mão em meu rosto.

― Não fui grossa. – Balancei os ombros como de costume e isso fez doer algumas áreas do meu corpo.

Bem, talvez isso não seja mais um costume.

― Onde está o meu pai? – Questionei.

― Ah... - Ela desviou o olhar enquanto tocava em algumas mechas de cabelo – Ele só poderá vir amanhã.

Algo estava errado. Desde ao tom de voz da minha mãe até a falta de vitalidade de seu rosto. O tempo não poderia ter causado um efeito tão negativo na minha mãe. Ou a minha situação a levou a esse ponto? Um nó se formou em minha garganta e eu não falei mais por uns bons minutos.

― O seu pai está com alguns problemas na empresa, por isso não conseguirá chegar a tempo do horário de visita. – Balancei a cabeça concordando com suas palavras. Senti um certo alívio por parte dela quando eu não questionei.

Estampado em meu rosto estava a tristeza. Por muito tempo estive desconectada do mundo e não ouvir a voz do meu pai estava me causando um esquisito desgaste. As coisas estavam completamente fora do lugar, sentia em cada pedaço de mim.

― Por que meu pai não pode deixar as coisas da empresa para depois? – Foi a primeira coisa que perguntei quando a minha mãe retornou do banheiro. Ela parou no meio do caminho ajeitando o zíper da calça jeans.

― Não seja tão dura com seu pai. – Suspirou abaixando a cabeça.

Toda vez que ela desviava o olhar denunciava que havia algo que não estava sendo contado para mim. Mantive-me em silêncio, enquanto a minha mente era bombardeada com memórias positivas e negativas. Segurei o choro sentindo o peso do tempo sobre meus ombros.

Não.

Antes fosse o peso do tempo. Estava carregando o peso da culpa.

― Como está a Vivi? Está bem? – Perguntei em um rompante por sentir a forte ausência da minha melhor amiga.

Quantas coisas podem ter acontecido enquanto estive fora? Quantas coisas ela pode me contar nesse tempo?

― Sim... Ela está. – Não entendi a razão da pausa dramática. O apelido de Viviane pareceu ser algo que a minha mãe não pretendia ouvir nem tão cedo.

― Dona Débora, o que está acontecendo? – Impaciente, resolvi extrair as informações da minha mãe de uma só vez – Eu preciso que a senhora me conte o que aconteceu nesse tempo. Me atualiza!

― Isa, aconteceram muitas coisas. – Ela se aproximou do meu leito e sentou na beirada – Mas você precisa ir devagar.

― Eu estou indo mais do que devagar. Só quero saber das pessoas. Meu namorado, minha melhor amiga, meu pai, dos meus primos... O que custa dizer o que eles estão fazendo?

Onde você estava?Onde histórias criam vida. Descubra agora