O poder de ser eu

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But how am I supposed to love you
When I don't love who I am?

Narração por Ruan.

— Não consegue dormir? – Minha irmã me assustou ao chegar na sacada do nosso quarto.

— Acho que não vou dormir hoje – Ela disse com um sorriso cansado – Você também não consegue?

— Quero ver o dia nascer – Olhei para o céu – Fica aqui comigo, Tóia.

Ela me abraçou e deitou sua cabeça em meu ombro.

— Tem tanto tempo que não fico assim com você. Mesmo morando juntos, às vezes sinto muito a sua falta.

— Isso é ruim? – Negou com a cabeça.

— Assim eu consigo perceber que você está bem vivendo sua vida – Sussurrou – Acho que te atrapalhei muito com a minha confusão.

— Está tudo bem, sempre vou estar aqui por você – Respondi.

— Você sabe o que é um itan? – Ela perguntou, assim que neguei com a cabeça ela continuou: – São mitos e lendas da cultura iorubá. Estava estudando para um projeto esses dias e encontrei um itan que me lembrou a gente.

— Como ele é?

— Haviam dois irmãos, Ogum e Oxóssi. O mais velho, Ogum, ao chegar da batalha encontrou seu irmão mais novo, Oxóssi, sem saber o que fazer diante dos inimigos que estavam a destruir toda a aldeia e, se não agissem logo, famílias padeceriam e perderiam as terras. Mesmo cansado da batalha que havia acabado de lutar, o irmão mais velho buscou forças dentro de si para lutar contra os inimigos e fez isso até o nascer do sol. Com a vitória, os dois irmãos sentaram juntos e o mais velho tranquilizou o seu irmão dizendo que sempre que precisasse ele viria para ajudar. Também ensinou como o mais novo como deveria caçar, se defender e cuidar da sua comunidade. Fazendo-o dele provedor. Feito isso, o irmão mais velho pode seguir seu caminho e voltar para a guerra.

— Nunca tinha escutado nada assim.

— Me lembrou você, Ruan, você sempre me tranquiliza e me ensina a fazer as coisas.

— E depois de te ensinar tudo? – Perguntei.

— Como assim?

— Os dois irmãos tinham batalhas individuais, mas um estava ali para ajudar o outro quando precisasse. No fim, o mais velho voltou para a guerra.

— Sim, mas é só uma lenda.

— Acho... Que não.

— Tem alguma coisa que queira me dizer? – Ela questionou mudando a sua postura e então encostou seu corpo na pilastra para então me olhar.

— Recebi uma proposta para trabalhar e estudar em Porto Alegre. A empresa está lançando um novo programa de aprimoramento e me convidou para fazer parte. Meus estudos estão parados já há muito tempo e eu tenho pretensão de crescer nessa área, vi nesse programa a oportunidade de melhorar a nossa qualidade de vida.

Ela assimilou tudo em silêncio olhando para o piso. Alguns de seus dedos seguravam seu lábio inferior.

— Tóia, se você qui... – Tentei dizer algo, mas fui interrompido por ela.

— Se eu quiser você desiste disso tudo, não é? – Seu olhar encontrou o meu e eu vi o medo que ela estava guardando somente para si – Não – Negou com a cabeça – Dessa vez não, tá bem? Chega de lutar por mim.

Ela caminhou de volta para o quarto. Quando chamei por ela, não fui atendido. Meu coração estava apertado ao ponto de me sufocar.

Ao voltar para dentro do quarto, ela estava deitada em sua cama de costas para a minha. Deitei ao seu lado e a envolvi em meus braços. Não era por ela, sim por mim. Eu também sentia saudades mesmo morando na mesma casa que ela.

Onde você estava?Onde histórias criam vida. Descubra agora