Capítulo 4 - Aurora

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Não dormi quase nada naquela noite.

O primeiro dia de férias no Acampamento era sempre o melhor. Aqueles que tinham os pais mortais ainda felizes em receber seus filhos voltavam para reencontrar os amigos não tão sortudos e Quíron nos deixava livres o dia todo para fazermos o que quiséssemos.

Depois do almoço, fui ver se Jake B. queria conversar. Caminhei até a Cabine 20 e bati na porta. O filho de Nêmesis me recebeu. Quando me viu, me lançou um sorriso.

- E aí? – Cumprimentou, me deixando entrar.

- Tudo bem? – Perguntei, casualmente me sentando em sua cama.

- Tudo bem. – Ele respondeu, passando uma mão pelos cabelos negros. – Veio me encher o saco?

- Eu não encho seu saco! – Eu rebati.

- Os últimos nove meses da minha vida me dizem outra coisa.

Revirei os olhos e joguei seu travesseiro em seu rosto. Depois do ultimo verão, Jake havia começado a ficar o ano todo no Acampamento, após perder o pai. Durante meus primeiros meses aqui, eu nunca tinha reparado nele, mas eu tinha ido em uma missão quase suicida assim que cheguei, mas Jake havia reparado em mim. Na verdade, ele tinha reparado em Perla. Ele tinha tentado flertar com ela, mas a filha de Poseidon não gostava muito de sua companhia. Eu, ao contrário, achei tempo para conversar com ele e percebi que era um garoto legal.

Agora, éramos melhores amigos. Ou, eu dizia isso só para irritá-lo.

- Não somos melhores amigos. – Ele revirava os olhos com um sorriso toda vez que eu insistia nisso. – No máximo você é meu passaporte até a Perla.

Após conversarmos a tarde toda, nos separamos e cada um foi para sua mesa para jantar. Na fogueira, me sentei com as meninas outra vez. Rimos, conversamos e cantamos – bom, eu não cantei, mas Perla e Giovana não perderam tempo ao se juntarem com o Chalé de Apolo no karaokê dos semideuses. Após algumas horas e alguns copos de refrigerante, alguns campistas começaram a voltar para seus Chalés.

Minhas amigas já haviam ido todas dormir, mas eu não estava com sono. Somente percebi o quão tarde realmente estava quando Quíron me obrigou a voltar para o meu Chalé. Obedeci, mas não sem antes olhar para trás mais uma vez e franzir as sobrancelhas.

Eu podia jurar que havia visto alguma coisa no fogo, antes de o velho centauro diretor de atividades do acampamento o apagar.

***

Não sabia exatamente onde estava, mas aquele lugar, apesar de familiar, ainda me dava calafrios. Estava flutuando, olhando tudo de um plano superior. Não tinha ideia de onde estava, mas não tinha certeza se queria descobrir. Tudo era escuro, iluminado por uma luz fraca vermelha, e às vezes verde. Ela tremeluzia ao longo dos corredores altos, negros e sem janelas, então imaginei que viesse de tochas. Se alguém me pedisse para descrever alguma coisa gótica, com certeza descreveria alguma coisa parecida com aquele lugar.

Continuei flutuando. Não lutei. Ao longo dos últimos meses, Quíron me explicou que os sonhos de semideuses nunca são somente sonhos. Na maioria das vezes, são visões. E, sempre, são visões reais.

Flutuei até para em frente à uma enorme porta de ferro negro, com caveiras como maçanetas. Eu nem precisei me dar ao trabalho de abri-la, simplesmente a atravessei.

Se tivesse piscado naquele momento, talvez tivesse perdido, mas, por um segundo, eu pude jurar que vi Pólux encolhido em um canto de uma jaula em um enorme salão escuro, somente iluminado por uma tocha de fogo grego.

Quis gritar, mas a cena diante de meus olhos mudou de repente.

Aquele lugar eu conhecia. Era a Crosstown Line. Durante nosso tempo no Orfanato, quando a Senhor Oliveira estava se sentindo feliz, ela deixava que nós pegássemos o metrô para irmos onde quiséssemos. Aquela linha, por algum motivo, era a que Felipe, Giovana e eu mais gostávamos.

Eu estava sozinha. Nada além de mim e o brilho das luzes da estação. Olhei em volta. Não estava mais flutuando, mas também não me sentia normal. Era como se eu não estivesse dentro de meu próprio corpo. Olhei para minhas mãos e elas estavam quase transparentes. O que e que estava acontecendo? Por que eu estava ali?

Minha resposta veio com o metrô. Um trem parou na estação e somente a ultima porta do ultimo vagão se abriu. Corri até ela e entrei. As luzes do vagão piscaram e no relógio digital na porta, vi o horário mudando de 23:59 para 00:00. De repente, uma portinhola se abriu atrás de mim e uma luz verde brilhou através dela. Franzi as sobrancelhas, mas pulei de susto quando a voz mecanizada do metrô disse:

- Próxima estação, Submundo.

***

- Aurora! Aurora, pelos deuses, acorda! Aurora!

Me sentei na cama com um pulo e Felipe suspirou aliviado quando me viu com os olhos abertos. Eu não tinha certeza se a umidade em meu rosto era suor ou lágrimas, mas sabia que estava tremendo. Respirei fundo algumas vezes antes de me virar para meu irmão.

- O que aconteceu? – Eu perguntei.

Ele me encarou, meio surpreso, meio assustado.

- Eu estava esperando que você me contasse. – Ele respondeu. – Você começou a gritar e se debater. Eu não sabia o que fazer.

- Por quanto tempo?

- Uma meia hora, pelo menos.

- Que horas são agora? – Perguntei.

Felipe franziu as sobrancelhas, mas se virou para olhar para o relógio de sua cabeceira.

- Meia-noite. – Ele disse. Tremi involuntariamente. – Aurora... O que, em nome de Hefesto, está acontecendo?

- Foi só um sonho. – Eu respondi. – Pode voltar a dormir. Desculpe ter te acordado.

- Aurora. Quíron disse que sonhos de semideuses nunca são só sonhos... – Ele murmurou, ainda mais preocupado. – O que foi que você viu?

- Nada, Felipe. – Eu me forcei a revirar os olhos. – Não é nada.

- Aurora...

- Estou com sono e quero dormir. – Eu o interrompi antes que ele pudesse me dar uma lição de moral. – Boa noite.

Esperei que Felipe suspirasse, se deitasse e apagasse a luz do quarto, como eu esperava que fizesse. Me virei na cama e encarei a parede. Tentei fechar os olhos, mas não consegui. A única coisa que se passava na minha cabeça era: preciso falar com as meninas.

O metrô da meia noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora