Capítulo 10 - Perla

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Era difícil respirar.

Após nós três termos caído pelo menos dois metros após passarmos pela portinhola do metrô, nós nos levantamos e ficamos em silêncio instantaneamente. Para todos os lados que eu olhava, tudo o que eu via era fogo, dor e sofrimento. O ar ao nosso redor era pesado, quase como se não quisesse ser inalado. A trilha sonora do local eram gritos de agonia e murmúrios de tristeza. Eu queria chorar. Respirei fundo tentando me acalmar, mas tossi com o ar quente que inalei.

- Mas o que... – Giovana não conseguiu terminar sua pergunta.

Mas ela nem precisava. Eu sabia o que ela queria saber. Que tipo de lugar era aquele? É claro que, como sempre, Anabel tinha as respostas.

- É o Tártaro. – Ela comentou, mas sua voz estava baixa e solene, como se ela não quisesse acordar um bebê. Imaginei se o Tártaro era algo vivo. Se fosse, jamais gostaria de conhecê-lo. – O lugar para onde as almas das piores pessoas e monstros são enviadas.

- Tudo isso? – Eu perguntei. Anabel concordou com a cabeça.

- Mas e os Campos Elísios? – Giovana franziu as sobrancelhas.

- Estão vendo aquele ponto brilhante lá no fundo? – A filha de Atena perguntou, apontando para um minúsculo foco de luz a muitos metros de distancia delas. – Aqueles são os Campos Elísios. E lá... – Ela continuou, apontando dessa vez para um ponto um pouco maior, um pouco mais perto, mas ainda assim escuro. – Lá são os Campos Asfódelos.

- Para onde vão as almas sem glória. – Giovana comentou, antes de tremer um pouco. – É verdade que as almas lá ficam vagando eternamente sem rumo?

- Os livros dizem que sim. – Anabel deu de ombros, antes de fechar os olhos com uma careta após um grito particularmente agonizante de algum lugar perto de nós. – Mas eu prefiro não saber.

- É meio triste, não é? – Eu perguntei de repente. As duas viraram para mim. Eu nem tinha percebido que havia dito aquilo em voz alta.

- Os gritos de dor ou o barulho dos chicotes? – Giovana revirou os olhos.

- Não. – Eu chacoalhei a cabeça. – Como o Tártaro é tão maior que os Campos Elísios. Quer dizer... Existem tão poucos heróis no mundo?

- Talvez a melhor pergunta seja se existem tantos monstros no mundo. – Anabel comentou.

Depois disso, ficamos novamente em silêncio. Provavelmente o ambiente colaborava, mas eu poderia facilmente dizer que nunca tinha me sentido tão desconfortável na presença das minhas amigas.

Estava pensando no que dizer para melhorar o clima, mas não precisei. Arfei surpresa quando um barco, navegando em pleno ar e em meio a objetos aparentemente avulsos que não faziam sentido nenhum para mim, apareceu em nossa frente e seu viajante encapuzado esticou a mão esquelética em nossa direção.

- Caronte. – Giovana sussurrou.

O barqueiro dos mortos nem reagiu. Ao invés disso, Anabel pôs a mão no bolso de trás da calça e tirou de lá um dracma de ouro. Ela o colocou na mão de Caronte mas ele o jogou de volta em direção a filha de Atena e com uma voz rouca e doentia disse:

- Você não está morta.

Anabel revirou os olhos. Se agachou para pegar o dracma do chão.

- Ainda não. – Murmurou. – Mas vamos, Caronte, nos ajude, por favor? Temos um dracma de ouro para cada uma. Você vai ganhar mais do que deveria. Veja isso como uma gorjeta.

- Só levo os mortos. – Caronte insistiu.

- Tá legal. – Anabel suspirou. – Se eu te der dois dracmas por cabeça você reconsidera?

Caronte inclinou a cabeça encapuzada.

- Três.

O barqueiro esticou a mão outra vez. Anabel grunhiu irritada, mas nos mandou entrar no barco enquanto dava nove dracmas de ouro para Caronte. Quando ela se sentou no barco, ele começou a remar por entre os objetos perdidos. Eu franzi as sobrancelhas para eles.

- Bel? – Chamei. A filha de Atena me encarou. – O que é tudo isso?

- Provavelmente sonhos perdidos. – Ela engoliu em seco. Pegou do rio de objetos flutuantes uma aliança de noivado. – Planos que a morte interrompeu.

Ela soltou a aliança de volta no rio e Giovana me encarou. Fizemos um pacto silencioso. Sem mais perguntas.

Quando me dei conta, Caronte já estava parando o barco na frente de um enorme castelo preto, flutuando sobre a parte mais profunda do Tártaro. É. Era bem a cara de Hades. Nós descemos do barco e entramos no castelo. Eu imaginei que o ar de lá fosse menos pesado, mas acho que estava errado. Se fosse possível, era ainda pior respirar pelos enormes corredores de pedra negra iluminados somente por eventuais tochas de fogo grego do que era respirar perto do Tártaro.

- E agora? – Perguntei. Quanto mais cedo agíssemos, mais cedo dávamos um fora daqui.

- Eu...

Antes que Giovana pudesse responder, porém, eu senti um calafrio na espinha. Ouvi meu nome sendo chamado por... Não pode ser... Arregalei os olhos, mas quando encarei as meninas, elas também pareciam estar com a mesma expressão. Será que...

- Vocês ouviram? – Eu perguntei.

As duas concordaram com a cabeça.

- Veio dali. – Giovana disse, parecendo prestes a chorar, apontando para um dos corredores.

- Não. – Eu franzi as sobrancelhas. – Veio de lá.

- Eu escutei do outro lado. – Anabel comentou, com a voz falhando.

- O que vamos fazer? – Perguntei. – Pode ser uma armadilha.

- Mas... Mas pode ser verdade, não pode? – Giovana perguntou. Ela parecia quase esperançosa.

- Eu... – Anabel parecia querer discordar, mas tremeu outra vez. – É melhor... É melhor irmos checar. Só pra... Pra termos certeza.

Eu e Giovana concordamos com a cabeça.

- Muito bem. – Ela decidiu. – Nos encontramos aqui em meia hora.

Eu e Giovana concordamos com a cabeça outra vez. E assim, cada uma foi para um lado.

O metrô da meia noiteOnde histórias criam vida. Descubra agora