Eu tinha certeza de que conhecia a voz.
Não só a voz, eu conhecia a canção. Não conseguia dizer de onde, mas a cada passo que dava em direção a origem da voz, eu sentia que a conhecia. Mais do que isso. A cada passo, eu me sentia mais segura, mais quente, quase como se me aproximasse cada vez mais de uma lareira. E dizer algo do tipo no Mundo Inferior com certeza era dizer muita coisa.
Parei de andar por alguns e fechei os olhos. Não conseguia pensar em mais nada além da voz e da música. Parecia uma canção de ninar, mas era cantada em grego. Senti meus olhos se encherem de lágrimas. Finalmente me lembrei.
Minha mãe. Era ela quem estava cantando. E ela estava cantando a música que havia escrito para mim. Ela morreu quando ainda era um bebê, mas agora, a ouvindo cantar, eu quase podia me imaginar em seus braços outra vez. Quase podia me permitir me sentir amada e amparada outra vez.
Será possível que fosse ela? Eu estava no Submundo, mas mesmo assim, isso não queria dizer que ia encontrar espíritos vagando por aí. Principalmente não no castelo de Hades. Principalmente não o espirito da minha mãe.
Continuei caminhando. Não me atrevia a falar, com medo de fazer a voz parar. Queria ficar ali para sempre. Poderia ficar ali para sempre. Mas não deveria. Com um suspiro silencioso, me forcei a caminhar. Apoiei uma mão na parede e segui em frente. Quando senti uma abertura, me virei e fiquei de frente para o enorme salão. Estava completamente escuro, mas a voz de minha mãe estava tão forte. Era quase como se ela estivesse aqui. Quase como se pudesse toca-la.
Estiquei a mão em uma tentativa fútil de alcança-la.
- Giovana...
Assim que ela disse meu nome, comecei a soluçar. Cai de joelhos e enterrei o rosto nas mãos, chorando como um bebê.
- Meu amor... – A voz continuou. – Meu anjinho, está tão bonita... Tão grande...
Eu não sabia o que dizer. Não sabia o que fazer. Então não fiz nada. Fiquei no chão, sem reação alguma, deixando que a voz de minha mãe que fazia tanta falta me envolvesse e me acalmasse naquele ambiente horrível em que estava.
- Eu sabia, meu amor. Sabia que ia se tornar uma menina linda. Tão poderosa... Não imaginei que fosse tanto, admito, mas você sempre me surpreendeu, Giovana. Desde bebê. Se lembra daquele dia... Não, você não se lembra. Mas seu pai deve se lembrar. Você não deveria estar engatinhando. Era muito nova para isso. Mas você levantou e veio até mim. Eu fiquei tão orgulhosa de você, meu anjinho, tão orgulhosa...
- Mãe... – A palavra parecia estranha saindo de minha boca, mas me forcei a dizê-la. – Mãe, eu não... Eu não...
- Está tudo bem, Giovana. – Minha mãe assegurou. – Você está bem.
- Mas o que você está fazendo aqui? Você está...
- Morta. – Ela completou a frase. Quase agradeci aos deuses. Tinha certeza de que não conseguiria dizer essa palavra no momento. – Mas não é isso que importa, meu amor. Só importa que estamos juntas.
- Mas não podemos estar.
- Giovana...
- Você não entende, mãe. – Eu a interrompi com um suspiro. – Tenho que saber por que está aqui. Preciso saber que posso confiar em você.
- É claro que pode, Giovana... – Minha mãe disse. Franzi as sobrancelhas. Alguma coisa estava errada. Era quase como se ela estivesse irritada com a minha pergunta. – Eu sou sua mãe.
- Mas...
- Venha para mais perto. – Ela me interrompeu. E de repente seu tom estava suave outra vez. – Eu quero te ver. Venha, meu amor, venha.
Me levantei do chão e dei alguns passos cautelosos para a frente. Coloquei uma mão na minha adaga, só por precaução, mas nada aconteceu.
Literalmente nada. No instante em que parei de andar, minha mãe parou de falar. Revirei os olhos. É claro que era uma armadilha. Como pude ser tão estúpida? Ouvi minha mãe dizer que eu estava linda mais uma vez antes de ouvir um rosnado.
Da escuridão em minha frente, surgiram dois enormes olhos amarelados. Gritei em surpresa, mas mal tive tempo de reagir. Antes que pudesse sacar minha arma, um cachorro enorme pulou em minha direção, caindo em cima de meu peito e tirando todo o ar de meus pulmões. Minha mente girava com o impacto da minha cabeça com o chão. Grunhi e rolei, tentando me levantar, mas foi impedida por uma enorme jaula de metal que caiu do teto e me prendeu no meio do salão escuro. Xinguei baixinho.
Estava presa. Ótimo... E agora?
Com certo esforço, me sentei. O monstro que havia me atacado estava ali. Eu ainda sentia sua presença. Mas eu não podia vê-lo, então já era alguma coisa. Enxuguei as lágrimas dos olhos e peguei minha adaga dourada. A girei em minha mão, enquanto pensamentos de minha mãe cruzavam minha mente.
Eu sabia que não era ela. Não de verdade. Mas será que se um dia ela me encontrasse, ela diria tudo isso? Diria que estava linda? Que se orgulhava de mim? Que eu era muito mais do que ela esperava? Será que cantaria aquela canção para mim mais uma vez?
Eu só queria ouvi-la de novo. Minha mãe de verdade. Eu só queria que ela me abraçasse de novo. Que me dissesse que estava tudo bem. Eu só queria poder ouvi-la dizer:
- Durma bem, meu anjinho. Eu te amo.
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O metrô da meia noite
Hayran Kurgu- O que é que está acontecendo? - O filho de Hades perguntou. Anabel deu de ombros e esticou uma das mãos para pegar uma maçã do cesto de frutas da minha mesa. Ela fez um sinal com a mão livre para Aurora e ela suspirou, antes de começar a se expli...