Capítulo XII (Parte IV)

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Já estavam quase no portão de saída da Cidade Velha quando Alfonso parou e levantou a cabeça, enchendo os pulmões de ar.

- Christos! – ele exclamou, um sorriso vagaroso quebrando o ar solene de sua fisionomia. – Tinha quase me esquecido de sua existência.

Obviamente guiado por seu desenvolvido sentido olfativo, Alfonso girou nos calcanhares e voltou por onde tinham vindo, parando em frente à vitrine de uma lojinha e revelando a Anahí o que trouxera até ali: uma mistura de aromas deliciosos! O homem que estava sentado a uma mesinha levantou os olhos quando eles entraram, e suas feições morenas se iluminaram com um sorriso de boas-vindas.

- Alfonso, meu velho e querido amigo! – Ele pulou por cima do balcão, para apertar a mão de Alfonso. – Mas que prazer! Estou contente em ver que largou a vida de monge que estava levando naquela maldita ilha! – Seus olhos alegres caíram sobre Anahí, que se agarrava à figura alta do marido como uma pálida borboleta. – Vejo que voltou rapidamente ao normal. Não vai me apresentar a essa criatura deliciosa, que está dependurada de um modo tão afetuoso ao seu braço?

Se ele ficou surpreso com a descrição, não demonstrou. No entanto, empurrou Anahí para frente e apresentou-a, sorridente:

- Anahí, quero lhe apresentar Christos Koniaris, cuja capacidade em misturar perfumes só é vencida pela habilidade que tem de combinar charme com elogios. Christos – ele se dirigiu ao amigo com mais seriedade – esta é Anahí, minha esposa. Preciso lhe dizer por que a trouxe até aqui?

- Na verdade, não. – O olhar apreciativo de Christos fez Anahí corar intensamente. – Você a trouxe para servir de inspiração para minha próxima obra-prima, para me incentivar a criar um perfume que combine a inocência de dois olhos, tão azuis quanto a cor do ceu, com a maturidade de uma boca que já sabe o que é sofrimento; a delicadeza de um rosto que parece desenhado a bico de pena, com um corpo que já dá mostras de que logo vai florescer e dar frutos.

Extremamente confusa; Anahí virou as costas para aqueles olhos que viam demais, que eram capazes de definir coisas nas quais ainda não tivera coragem de pensar e conservava em segredo, até para si mesma.

- Não deixe que ele a embarace, Anahí – Alfonso disse com um sorriso descontraído. – Christos se considera uma mistura de feiticeiro, vidente e guru, só porque um número surpreendente de mulheres virou a cabeça dele, dizendo que seus filtros de amor e seus perfumes têm o poder miraculoso de transformar homens indiferentes em amantes insaciáveis!

- Você me subestima, meu querido amigo! – Christos dobrava-se de rir. No entanto, seus olhos escuros tinham uma expressão sincera quando ele garantiu a Anahí: - As ideias dessas mulheres são mesmo uma tolice, é claro, mas não posso negar que, de todos os meios que vocês dispõem para se auto-expressar, nenhum é tão revelador quanto o perfume. A verdadeira alma de uma mulher e sua atmosfera espiritual pode ser transmitida por uma fragrância que seja pessoal, só dela. Através do perfume, ela pode expressar seus pensamentos, sem usar uma única palavra. Eu posso ser o artista, mas é a mulher que fornece os tons e semitons, os claros e escuros, os relevos e as reentrâncias de seu próprio retrato em perfume.

- Pode ser que seja assim – Alfonso interrompeu com firmeza, mas eu insisto numa coisa: no perfume de minha mulher, o aroma predominante deve ser o de rosas.

- Concordo plenamente – Christos disse, sacudindo a cabeça com firmeza. – nenhuma outra essência é capaz de agitar mais as emoções de um homem, ou de ter uma influência mais benéfica sobre ele. "A rosa destila uma fragrância que cura, capaz de acalmar a dor", hein, Alfonso? A minha nova criação vai ter um nome, composto de uma só palavra: Anahí, o nome dados pelos deuses aos seus ajudantes! – ele concluiu, com os olhos fixos em Anahí.

Muito mais tarde, ainda sem conseguir dominar o tremor que a sacudia internamente, Annie guiou o marido, em silêncio, para fora da Cidade Velha.

Christos havia prometido que mandaria o perfume para Karios assim que estivesse pronto, e suas palavras não lhe saíam da cabeça. Estava tão entretida com seus pensamentos, que só percebeu a melancolia do marido quando ele a segurou pelos braços, fazendo-a parar, ao mesmo tempo em que indagava com aspereza:

- O que é que está errado agora, Anahí? Você aceitou com relutância as joias e as roupas que eu lhe ofereci, e recusou definitivamente os casacos de pele que eu quis lhe dar, mas na certa não pode ter se ofendido com o fato de ter sido presenteada com um frasco de perfume. Mesmo antigamente, quando os casos de amor eram cheios de noções românticas de paixão, respeito e amor, e só se namorava debaixo dos olhos severos dos pais, um vidro de perfume não era considerado ofensivo. – De repente, seus dedos enterraram-se nos braços da esposa, e as palavras que ele pronunciou, por entre os dentes cerrados, atingiram-na com a força de uma chicotada: - Eu posso ter ganhado a reputação de ser um homem duro no mundo dos negócios, mas mesmo meu pior inimigo não pode deixar de admitir que, além de dar valor ao dinheiro, nunca me recusei a pagar meus débitos. Você tem sido muito... amável, "Annie", e eu lhe devo muito. Então, por que não deixa que eu diminua o débito que tenho com você?

- Amável? – ela repetiu com voz fraca, lutando contra a sensação maluca de que o chão estava se inclinando. – Se isso é tudo o que tenho sido, então um vidro de perfume é um pagamento mais do que suficiente pelos serviços que prestei...

- Oh, Anahí – ele murmurou, abaixando a cabeça até encostar na testa dela – eu a magoei de novo, ou você é mesmo tão fria quanto sua voz me faz pensar? Meu Deus! – explodiu violentamente. – Como eu gostaria de poder enxergar!

Mas naquele momento, gelada e num verdadeiro estado de choque com as lágrimas que mostravam seu sofrimento deslizando silenciosamente pelas faces, Anahí não sentiu nem um pouco de remorso por oferecer uma oração de agradecimento a Deus, pelo pequeno consolo que representava para ela o fato do marido não poder ver.

A Substituta (Adaptada)Onde histórias criam vida. Descubra agora