Capítulo IX (Parte III)

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- Fale comigo – Alfonso pediu, sentindo-se mais relaxado e à vontade na sela. – Sei que estou sendo contraditório, mas o som da sua voz é importante, pois me ajuda a saber exatamente onde você está.

- Falar sobre o quê? – Anahí perguntou, completamente sem inspiração.

- O assunto não tem a mínima importância – ele respondeu com grosseria, irritado. – Pode falar sobre os seus sonhos, se quiser. Eu não vou prestar atenção. Tudo o que quero é ouvir o som de sua voz – continuou com impaciência - pois, para um cego, o silêncio está longe de ser agradável.

- Acho que é melhor eu descrever os lugares por onde estamos passando – ela sugeriu apressadamente, com medo das palavras irônicas dele, que tinham o poder de magoá-la. – Estamos quase chegando a uma curva para a esquerda. A partir dessa curva a estrada passa a ser bastante tortuosa e íngreme. À direita, bem abaixo de nós, está o mar, é lá longe eu posso ver um agrupamento de casinhas brancas, que parecem ter sido penduradas no alto de uma colina coberta de árvores frutíferas...Pelo menos é essa a impressão que tenho.

- São árvores frutíferas, sim – Alfonso confirmou. – Laranjeiras, limoeiros, figueiras, oliveiras e parreiras. Nessa aldeia que você mencionou é que são feitas as botas de couro que os habitantes da ilha usam para se protegerem das picadas de cobras.

- É, eu notei que todos aqui usam essas botas, até as mulheres.

- Podemos fazer uma parada nessa aldeia, se você quiser – ele sugeriu. – As ruas e as calçadas com pedras de lá são um belo exemplo de chochlaki! – terminou no tom de voz de quem está mortalmente aborrecido.

Ressentida com isso, Anahí começou a falar, antes que ele tivesse tempo de dizer outra palavra.

- Já vi um bom número de igrejas calçadas com pedras pretas e brancas, formando desenhos bem bonitos, nesse estilo. Se não me engano, esse tipo de mosaico é próprio das ilhas do mar Egeu, não é?

Se o tom ofendido deve ter divertido o marido, pois ele quase sorriu ao lhe dizer que seus conhecimentos da história local estavam certos. Mas, para tristeza de Anahí, ele deduziu se suas palavras que ela não tinha interesse em parar, e não disse mais nada a esse respeito quando passaram com os cavalos pelas ruazinhas da aldeia, tão estreitas que não podiam andar lado a lado.

À medida que continuavam a subir as colinas, Anahí começou a se sentir cada vez mais cansada. Olhou com inveja para Alfonso, que estava usando um chapéu de abas largas, puxadas bem para baixo, quase tocando o aro dos óculos escuros, que eram essenciais para proteger-lhe os olhos do mesmo sol que havia derretido a cera das asas de Ícaro. Mas não teve coragem de se queixar, pois isso seria admitir que tinha ignorado de novo uma ordem dele, que lhe dissera para nunca andar ao sol com a cabeça descoberta. Assim, conservou as pálpebras abaixadas, numa vã tentativa de afastar a dor de cabeça, anunciada pelas pontadas dolorosas que sentia por trás dos olhos.

Seu alívio foi enorme quando, depois de chegarem ao alto de uma colina, ela viu que a estrada começava a descer, logo desaparecendo num bosquezinho verdejante e perfumado com o cheiro de resina.

- Vamos amarrar os cavalos a uma dessas árvores e continuar a pé – Alfonso decidiu , reconhecendo o lugar onde estavam pelo cheiro e pelo barulho de água corrente. – Os caminhos aqui no bosque são tortuosos e as pontes muito estreitas, para passarmos por eles montados.

Ele desceu do cavalo e ficou à espera, dando tempo a Anahí para prender as rédeas ao ramo de uma árvore. Então surpreendeu-a, sorrindo abertamente, de um modo bastante despreocupado.

- Segure na minha mão. Eu conheço cada centímetro deste lugar. Vamos, deixe-me mostrá-lo para você.

Ela ficou contente por poder deixá-lo assumir o comando da situação, ao longo dos caminhos difíceis, cheios de trechos escorregadios e muitas vezes perigosos, por causa das raízes expostas das árvores.Com o andar seguro de uma pessoa que está em território familiar e querido, Alfonso superou cada obstáculo que surgiu em seu caminho, até que, com evidente orgulho, parou numa pequena clareira, cortada por um riacho de águas cristalinas .

A Substituta (Adaptada)Onde histórias criam vida. Descubra agora