Capítulo IX (Parte I)

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O calor do sol era tanto, que as flores recém-abertas pendiam murchas de seus caules e os peixinhos coloridos jaziam imóveis no fundo do laguinho, incapazes de arranjar forças para nadar para baixo da proteção oferecida pelas folhas dos lírios d'água, que floresciam por todo o jardim.

Quando ouviu o riso gostoso de Anahí, Nikos sorriu, contente consigo mesmo por ter descoberto um modo de distrair sua jovem patroa, que ele achava muito tímida e séria. Ainda falando com ela, começou a servir o lanche leve que ela e o "Poncho" haviam pedido, e que ele trouxe num carrinho de chá.

- Na verdade, não há necessidade de a senhora aprender a nossa língua, que é tão difícil! Nós usamos gestos e sinais, com muito mais frequência do que palavras, para dizer o que queremos. Por exemplo – ele estendeu o lábio inferior para frente, tocando-o com o

indicador – nenhum grego teria dificuldade para interpretar esse gesto. Quer dizer: "quero falar com você". E isto – ele inclinou a cabeça para um lado, enchendo o peito de ar e colocando uma das mãos sobre o coração, ao mesmo tempo em que apontava com um dos dedos da outra mão na direção de Anahí – quer dizer: "você é minha amiga, e tem todo o meu amor".

O tom afetuoso que havia em sua voz e que mostrava o que sentia pela patroa, por quem todos os moradores da ilha já estavam apaixonados, provocou uma ruga de aborrecimento na testa de Alfonso, que já estava de cara fechada. Jogando os ombros para trás, num movimento irritado que destruiu a atmosfera feliz que reinava ali, ele disse:

- Se não for pedir demais, seu velho tolo... – E jogou a cabeça para trás, apontando para a boca aberta com uma das mãos, num gesto que demonstrava claramente que ele queria comer.

- Perdão, senhor... – Nikos desculpou-se, ao mesmo tempo em que lançava um olhar conspiratório na direção de Anahí. – Eu só estava dando os retoques finais nos sanduíches.

- Eles já estão prontos há muito tempo e não precisam de nenhum retoque final – Alfonso rebateu com secura e uma surpreendente falta de humor.

É quase como se ele ressentisse da amizade que nasceu entre Nikos e eu, Anahí pensou.

Mais do que depressa, Nikos os serviu e desapareceu dali, deixando que Anahí cuidasse da situação. Ultimamente ele vinha fazendo disso uma rotina, satisfeito com o fato de que sua presença não era mais tão necessária, pois o "Poncho" havia encontrado pessoa em quem podia confiar.

Disfarçando um tremor de preocupação, Anahí pegou a travessa de salada e colocou uma boa porção em cada um dos dois pratos que o criado trouxera. Durante as últimas semanas ela havia caído no modo de vida despreocupado dos gregos, adotando vários de seus costumes, inclusive o de encarar com respeito o preparo de uma refeição e o modo como era ingerida. Aprendera também a gostar das saladas que são tão populares na Grécia, geralmente servidas numa travessa grande e compostas de folhas de alface, hortelã, tomate em fatias, azeitonas pretas e cebolas pequenas, temperadas com sumo de limão, azeite de oliva, uma pitada de sal e pimenta-do-reino.

Colocou um dos pratos na frente de Alfonso e, maravilhada, observou-o misturar os temperos de sua salada. Era impressionante a facilidade cada vez maior com que ele realizava essas pequenas coisas do dia-a-dia. Anahí tinha certeza de que, se fosse cega, não conseguiria fazer nem a metade do que o marido fazia.

Nesse momento uma borboleta colorida passou perto do nariz dela, que soltou um grito involuntário de prazer.

- Olhe, Alfonso! Já viu que coisa mais linda? – perguntou. E, mal as palavras acabaram de sair de sua boca, percebeu a tremenda gafe que havia cometido. Engolindo em seco, tentou se desculpar: - Desculpe. Eu disse uma tolice uma tolice, mas é que me esqueci de que você é cego.

Mordendo o lábio com nervosismo, esperou que o marido desse vazão a seu temperamento, castigando-a com uma daquelas tempestades de palavras irônicas que estavam se tornando cada vez mais violentas e frequentes, com o passar dos dias. Mas foi com alívio que viu, ao lhe lançar um rápido olhar por baixo das pálpebras semi-cerradas, que ele não parecia zangado. Na verdade, os cantos de seus lábios estavam levemente levantados, como se ele estivesse prestes a sorrir.

- Não se desculpe. O que aconteceu serve para mostrar que você está começando a encarar com mais naturalidade a minha cegueira, e que posso ter esperanças de que o mesmo aconteça com outras pessoas. Faz meses que espero por um sinal de que me aceitam como um ser humano normal e não alguém digno de pena, e finalmente isso aconteceu! Obrigado, "Annie" – disse sorrindo, e seu sorriso fez o coração de Anahí se acelerar. – Você não poderia ter me dado um presente melhor!

A Substituta (Adaptada)Onde histórias criam vida. Descubra agora