O corvo foi real

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-- Você poderia começar a falar o que importa, por favor? - Falei impaciente.

-- Desculpa. - Ele estava com bom humor e permanecia com um tímido sorriso entre os lábios, que não sessou diante o meu tom grosseiro. - É difícil saber como começar.

-- É só falar Calebe. - O tom saiu mais hostil do que eu queria.

-- Bem... - Ele pensou, parecia querer encontrar as palavras certas. -Primeiro você tem que entender o que nós somos. Eu, você, Catarina... Não somos humanos, não como os outros. Nós somos bruxos, uma linhagem antiga e quase extinta. Você herdou dos Rily suas habilidades.

Eu ri esperando ele revelar ser uma brincadeira, Odel me falou sobre sermos bruxos, e mesmo que eu tenha acreditado nela, esperava que isso não fosse real.

Calebe franziu a testa e me fitou até que notei que ele estava falando serio.

-- É serio? - Perguntei incrédulo.

Ele assentiu.

-- Eu esperava esta reação.

-- Não, isso não faz o menor sentido. - No fundo eu sabia que era verdade, tudo o que ele disse era verdade, afinal, como explicar os fantasmas, a manipulação, Jeremy e todo o resto? Mas a coisa mais racional era não acreditar, mesmo que no meu interior uma voz gritava que sim:

Eu era um Rily.


Eu era um bruxo.


Eu sou um Rily.

-- Você sabe que faz Jimi, eu sei que pode sentir a energia fluir em suas veias, você sabe que não é como os outros, não é... Uma pessoa normal. - Ele fez aspas com os dedos ao dize "normal". - Você é um de nós. Você é o irmão dele. Você é um Rily.

-- Você é um bruxo? - Perguntei depois de notar ele dizer "um de nós.".

-- Sim, minha avó paterna era uma Rily, e meu avô um humano. Eles se casaram, mas a família não gostou da ideia de enfraquecer a família. Um filho de um bruxo com um humano nasce mais fraco do que um bruxo de sangue puro. Eles não aceitaram o romance e quando o meu pai nasceu, eles mataram a minha avó. A própria irmã O'donel a matou.

-- A sua avó era irmã de O'donel? - A imagem da velha sentada na cadeira de rodas surgiu de repente em minha cabeça e fez o meu estomago embrulhar. Ela era assustadora.

-- Sim. - Ele fez cara de nojo. - Aquela velha bruxa é a minha tia avó.

-- Mas... Achei que fossem apenas os empregados da família.

-- O'Donel, depois de matar a minha avó, amaldiçoou meu avó e não se sabe o que fez com ele depois, meu pai cresceu como um serviçal. Minha mãe foi tirada das ruas por Otto, que a levou para a fazenda para trabalhar. Os dois se conheceram lá e... Bem, aqui estou eu.

-- Qual é a sua habilidade? - Perguntei curioso.

-- Cura. - Ele olhou para os meus braços cruzados sobre a mesa. - Eu posso me curar com mais velocidade e provocar o mesmo efeito em outras pessoas.

Segui os seus olhos até as pequenas cicatrizes em minha pele, marcas deixadas pelo ataque do fantasma de um corvo a poucos dias atrás.


A lembrança logo me veio a memoria:

"Após ser interrompido em uma conversa que tinha com Calebe no celeiro e ter seguido acompanhado de Ed até o meu quarto, sendo deixado posteriormente sozinho por ele.


Desenrolei um dos braços, que Calebe enfaixou, para cobrir os ferimentos que o pássaro me provocou.



Impossível.


Não havia ferimentos. Desenfaixei rapidamente o outro e nada. Ambos os braços estavam limpos, sem nenhum arranhão. Comecei a ficar nervoso, duvidando por um instante de minha própria sanidade. Eu me feri. Eu lembrava a dor. Eu lembrava o corvo. Eu lembro o susto. Respirei profundamente tentando encontrar uma explicação logica para aquilo enquanto olhava para as pequenas marcas claras deixadas pelos arranhões. Espera. Cicatrizes. Minha pele estava repleta de pequenas linhas claras, cicatrizes quase imperceptíveis, deixadas pelos ferimentos.

Era real.


O corvo foi real.


O ataque foi real.


A dor foi real.


Por que cicatrizou tão rápido?"



Agora fazia sentido. Foi ele. Calebe me curou, o poder dele fez os ferimentos se fecharem.

-- Foi você. - Confirmei em voz alta.


Ele assentiu.

-- Sim, Eu curei os seus ferimentos naquele dia.



O Túmulo de Jeremy Rily (Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora