eu o odiava por isso

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Voltei ao hotel na esperança de que os dois ainda estivessem dormindo e não impedissem a minha fuga. Para a minha sorte encontrei Kim e Calebe ainda roncando em seus quartos. Peguei o que precisava ser pego, não muita coisa, material de higiene pessoal, algum dinheiro e sai o mais rápido que pude. Deixei uma quantia considerável para eles afinal eles precisariam de transporte para ir para sabe-se lá aonde. Liguei o carro e acelerei o mais rápido possível sem dar a mínima chance de ser flagrado.
Eu sabia que iriam ficar preocupados então deixei para Calebe um bilhete pedindo desculpas por estar partindo assim e deixando bem claro que era simplesmente para protegê-los.

De volta a estrada tentei pensar para onde eu iria. Eu não fazia a mínima ideia de para onde ir, para quem pedir ajuda ou até mesmo se existia alguma ajuda. Optei apenas por seguir em frente, sem destino, sem regra. Eu iria seguir aquela estrada até que eu não pudesse mais continuar, até encontrar uma forma de acabar com Catarina e Odete, pois eu sabia que elas me alcançariam. Elas me encontrariam em qualquer lugar, então se não se pode fugir, espera.

A cidade foi ficando distante pelo retrovisor enquanto o meu peito apertava por ter deixado meus amigos para trás. Repeti diversas vezes para mim mesmo que era para o bem deles. Meu coração, não o órgão e sim aquela coisa que não nos permite pensar direito, me dizia “volta” e minha consciência dizia “vai”.

E eu fui.

A cidade sumiu em uma curva e eu sabia que voltar não era uma opção.

-- Me desculpe Calebe. – Sussurrei tentando impedir aquela lagrima teimosa de cair.

Calebe me odiaria. Sim. Ele iria ficar irado e talvez até vá insistir em me procurar, mas eu não deixei pistas de para onde eu vou afinal nem mesmo eu sei.

Quase perdi o controle do carro ao notar alguém sentado ao meu lado. Jeremy me olhava com olhos que expressavam completo tédio.

-- Você poderia me deixar em paz? – Perguntei mesmo sabendo a resposta.

-- Desculpe não queria incomodar.
Voltei a olhar a estrada tentando evitar a sua presença.

-- Sabe... – Ele continuou. – Eu sempre me perguntei como vocês conseguem fazer de tudo um drama? Você esta chorando por eles?

-- Diferente de você eles eram meus amigos. São importantes pra mim.

-- Bla, bla, bla... – Ele revirou os olhos. – Você fala tantas coisas e é só isso que eu entendo.

-- Vai embora.

-- Desculpa, mas... Não vou não. Nós temos assuntos pendentes a resolver e afinal também precisamos conversar, somos irmãos. É o que os irmãos fazem, certo?

A sua alegria me irritava, não pelo fato de ele estar alegre e sim por eu saber que aquele sorriso idiota era apenas uma forma de me provocar.

-- É... Isso quando ninguém tenta matar ninguém.

-- Jimi você vê apenas um ângulo da situação. – Ele meneou negativamente com a cabeça e eu suspirei tentando me acalmar e não cometer um suicídio ali mesmo. – Imagina o poder que teríamos juntos, seriamos invencíveis.

-- Não. Você seria, a minha lembrança ficaria presa sabe-se lá onde enquanto o meu corpo seria usado para sabe-se lá oque.

-- Vou te acompanhar de agora em diante e vamos nos conhecer melhor, quem sabe você não mude de ideia.

Como assim ele iria me acompanhar? A situação já não era boa com as suas breves aparições e agora ele ficaria lá o tempo todo?

-- Por que você não possui logo o meu corpo e não acaba logo com isso?

Ele riu como se eu tivesse dito a coisa mais idiota possível.

-- Não é assim tão fácil Jimi. – Respondeu me olhando daquela forma que somente Jeremy Rily sabia fazer. Um olhar que eu detestava, que me trazia tanta raiva que eu seria capaz de explodir a qualquer momento. – Você já viu o que acontece quando eu faço isso. É doloroso tanto pra mim quanto para o hospedeiro e o corpo humano não é capaz de suportar, não foi feito para isso. Você morreria e então nós dois estaríamos perdidos.

-- Tudo bem. – Falei depois de quase um minuto de silencio. – Se você vai ficar aí, enchendo a minha paciência, poderia ao menos esclarecer algumas coisas, como por que matou aquelas crianças?

Ele suspirou como se realmente pudesse respirar, seus olhos se voltaram para a estrada e se rosto ficou mais serio do que o normal.

-- Eles eram pessoas más. – Disse apenas ficando em completo silencio depois.

-- O que fizeram com você? – Perguntei após notar que ele não falaria mais nada se eu não o pressionasse.

Mais um falso suspiro.

-- Quando eu comecei a ver os fantasmas... -- Ele começou me surpreendendo pelo fato de ser o mesmo dom que o meu. – Eu tinha medo, eles estavam em toda parte, em todo lugar e eu não sabia como lidar com isso. – Ele estava repleto de razão em sua fala, para mim também não foi uma das melhores experiências, eu também tive medo, eu também me senti confuso. Olhei para ele tentando ver algum traço de mim ali e realmente existia. Éramos idênticos, mas eu queria vem mais do que esta aparência física, descobrir mais sobre aquele garoto fantasma que insistia em me perseguir e me machucar e se além daquela vontade toda de voltar a vida pudesse existir algo bom? Algo que fosse nos  permitir conviver sem que eu o odeie, sem que eu precise buscar uma forma de me livrar dele. Não poderíamos ser assim tão diferentes, certo? Éramos irmão, talvez isso pudesse ter algum significado para nós. – Certo dia me assustei com um deles que surgiu na minha sala de aula e acabei gritando. Foi desesperador, eu devia ter uns nove anos e pra mim tudo era muito novo.  Eu gritava e dizia que o monstro estava ali pra me pegar, cheguei até a urinar nas causas. Os idiotas dos meus colegas começaram a zombar de mim, eles me assustavam, me humilhavam e alguns me agrediam. Eles riam todos os dias de mim enquanto eu nutria  um ódio que me fazia queimar por dentro. Os anos foram passando, mas eles não esqueceram e eu apenas fiquei mais bravo. Eu queria vê-los queimar. Então no inicio do mês passado, dominado por uma fúria inigualável eu decidi acabar com todos eles de uma vez por todas e usando o dom da influencia que aprendi a controlar... – Mais um dom em comum. – Fiz com que todos entrassem na biblioteca e depois de tranca-los lá, bem... Veio o fogo e a gritaria. – Ele falava sorrindo se deliciando com a lembrança do ocorrido. – Mas o incêndio logo se alastrou pelo prédio inteiro enquanto eu me mantinha lá, parado, apenas ouvindo a musica que era vê-los sofrer, vê-los queimar, vê-los morrer. Quando acordei dos meus devaneios já era tarde demais, acabei sendo vitima do meu próprio crime. Eu corria pelos corredores, apavorado e já sem oxigênio enquanto aquela fumaça preta dominava tudo. Não consegui escapar. O fogo me alcançou rapidamente e o resultado foi aquele que você viu.

Lembrei-me de seu corpo sobre aquela cama, as faixas cobrindo tudo exceto os olhos. Ele foi vitima de sua própria maldade que surgiu da maldade de outros. Por um segundo senti pena de Jeremy Rily, então a imagem de Ed, meu pai e Diógenes vieram a mente me fazendo odiá-lo ainda mais. Ele poderia ter sido forte, poderia ter aprendido a lidar com os garotos maus da escola, não é matando que se resolvem as coisas. Senti uma imensa vontade de bater nele, pois foi por suas escolhas erradas que três pessoas que eu tanto amava estavam mortas agora. Jeremy Rily era fraco e eu o odiava por isso.

O Túmulo de Jeremy Rily (Livro 2)Onde histórias criam vida. Descubra agora