Há um momento antes de o sol se por, onde o céu fica colorido, tudo fica bonito neste breve instante e às vezes é como se aquele fosse o ultimo instante. Quando criança eu costumava encostar a cabeça no vidro da janela do carro enquanto acompanhava meu pai em suas viagens, eu seguia o lento movimentar daquela bola de fogo que vagarosamente se escondia detrás da linha do horizonte. Nunca prestei atenção nas cores, eu não olhava por que era bonito ou encantador, eu olhava por que me sentia entediado.Quando eu estava em casa o por do sol não era mais tão interessante, mas o caminho das formigas sim. Eu as acompanhava por horas e horas enquanto elas iam e vinham por um pequeno caminho aberto entre as folhas do gramado. Costumava brincar com elas, as vezes bloqueando o caminho com um graveto e me divertindo com o caos que se tornava a calmaria de seus passos, outras vezes pondo açúcar próximo apenas para vê-las mudar de direção.
Eu me divertia com isso, não havia muita coisa pra passar o tempo, apenas livros, filmes, o por do sol, as formigas, a chuva e o vento.
Não posso esquecer os meus fantasmas, eles estavam lá constantemente, sempre os mesmos, o Steve no lago, uma índia na floresta que sempre ficava olhando para a minha casa, ela me assustava as vezes, pois aparecia sempre a noite quando a floresta estava escura. Ela ficava lá parada, de pé, com poucas roupas, mas o suficiente para não me deixar curioso. Tinha também a fantasma da estrada que ficava sempre a beira da rodovia, o menino do sótão, que sempre ficava sentado no canto da parede, encolhido como se estivesse com medo.
De todos Steve era o mais simpático e aquele pelo qual eu tinha maior carinho. Ele era o único que acenava, o único que respondia a algum estimula meu. Isso era o que eu pensava, pois agora eu sei que o seu aceno nunca foi pra mim, apenas esta gravado no tempo e se repentino dezenas, centenas, milhares de vezes todos os dias e ainda ira se repetir outras milhares.
O tempo passa de forma rápida e não podemos esquecer de viver os segundos que temos, pois é somente isso o que cada um de nós temos, apenas o próximo segundo, a próxima possibilidade. Tudo pode acontecer depois do agora, mas de nada nós sabemos.
Abri os olhos.
Minha nuca doía. Deixei um suspiro escapar entre meus lábios enquanto vagarosamente levantava o olhar para encarar o que estava a minha frente.
Odete.
Ela tinha os cabelos negros soltos sobre os ombros e um sorriso maléfico no rosto, suas roupas pretas deixando sua pele ainda mais pálida.
Senti as cordas apertando os meus pulsos. Eu estava amarrado com os braços atrás das costas e preso a um tronco fino de uma arvore qualquer. Meu corpo dolorido e eu não sentia mais aquela energia.Odete estava sentada com as pernas cruzadas de frente para mim e os influenciados estavam ao redor da cabana em chamas. O fogo consumia as paredes do que foi por um breve momento o meu refugio, a luz iluminava a madrugada e trazia calor onde deveria estar frio. As chamas dançavam de um lado ao outro com ferocidade. O crepitar da enorme fogueira misturada com o som do meu coração desesperado. A cabana ruía gradativamente liberando uma fumaça negra que cobria a lua e as faíscas brilhavam ainda mais do que as estrelas e se espalhavam para todos os lados.
Nos encontrávamos a uma distancia segura, os influenciados dançavam e pulavam comemorando a minha derrota e eu ali sentado, inutilizado e ferido.
-- Por um segundo pensei que não acordaria mais. – Odete falou ao notar o meu olhar fitando-a com o máximo de ódio que eu podia demonstrar.
-- Não seria bom pra você, seria?
-- Não. Tia catariana me mataria se algo acontecer com você.
-- Então você não ira me matar.
-- Não, não vou. – Ela sorriu. – Mas logo você vai morrer é só esperar um pouquinho. A minha vontade era de arrancar a sua cabeça... Você matou os meus pais e a minha avó.
-- Vocês mataram a minha família.
Ela gargalhou.
-- Não seja dramático priminho, nenhuma família é constituída por um pai, um mordomo e um amiguinho. – Ela se inclinou para a minha direção, o suor em sua testa brilhando com a luz do fogo. – Você achou mesmo que ia conseguir fugir? – Gargalhou. – Você deu um belo trabalho para nós, não posso negar, mas matar uma bruxa cujo único dom é ascender como uma lanterna no escuro e arrancar algumas cabeças é fácil. Você não se saiu tão bem com alguém como eu, ou Catarina. Somos poderosas demais, certo?
-- Vocês são duas grandes idiotas.
Sua mão estalou ao impactar-se com força no meu rosto. Minha bochecha ardeu.
-- Seja mais educado com sua família. – Disse seria.
Eu apenas ri.
Que droga de família ela estava falando?
-- Você bate como uma menininha. – Falei provocando-a.
-- Você não vai querer sentir quando eu bater como uma mulher.
Mais uma vez eu ri, ou melhor, gargalhei, deixando-a muda e sem reação.
-- Do que esta rindo seu idiota?
-- Da ideia ridícula de você se considerar uma bruxa poderosa.
Ela levantou uma sobrancelha incrédula.
-- Quantos anos você tem? – Continuei olhando diretamente para ela. – Quinze? Dezesseis? – Sorri. – É apenas uma criança.
-- Eu não sou uma criança...
-- Sim. – A interrompi de imediato. – Você é.
Outro tapa, esse mais forte.
Gargalhei novamente. Eu realmente estava fora de mim, em uma situação normal, eu estaria apavorado, mas eu estava com tanta raiva, culpa, remorso que a única coisa que eu queria era arrancar a garganta dela. Eu realmente a odiava.
-- Você vai morrer aqui. – Ela falou enfurecida.
-- Se isso for tudo o que você tem, então você esta enganada.
Novamente aquela pressão na cabeça e a sensação de dor intensa. Eu gritei alto enquanto ela ria.
-- Isso é tudo o que eu tenho. – Ela falou feliz por estar me provocando dor. – Isso é o que eu posso fazer.
Doía muito. Doía muito mesmo. Eu não conseguia pensar, raciocinar ou fazer qualquer coisa. Era uma dor que fazia os olhos queimarem e a pele arder. Parecia ter pregos sendo cravados no crânio enquanto os cabelos eram arrancados com força do couro cabeludo.
Em meio a dor um minuto de lucidez me fez rir novamente.-- Ainda é pouco. – Falei antes de perder totalmente os sentidos.
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O Túmulo de Jeremy Rily (Livro 2)
Misteri / ThrillerHá duas crianças sentadas sobre o gramado em uma tarde de sol. São idênticos, a não ser os olhos. Ambos têm três anos e meio. Ambos possuem cabelos loiros e pele clara. Estão usando as mesmas roupas, um macacão jeans e camisa amarela. O de olhos azu...