I - Cuidado com estranhos

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                      "cuidado com estranhos,
                eles podem trazer presentes
                       mais estranhos
                      que eles mesmos."

Estava sentada em frente ao computador deviam fazer algumas poucas horas. Não era capaz de parar de encarar a tela onde, em letras ridiculamente vermelhas e grandes, estava escrito que eu havia reprovado no colégio. Um ano inteiro jogado direto na lata de lixo.

Não queria descer e ter de encarar minha nona. Quero dizer, dona Antonella é o doce em pessoa, mas não sabia se conseguiria olha-la nos olhos e dizer que todo o dinheiro que nos empenhamos para conseguir e gastar na formatura teria de ser devolvido. Que após um ano de dedicação a padaria, porque não teria coragem de deixa-la cuidar de tudo sozinha, não fui capaz de conciliar a escola com o trabalho. Que tipo de pessoa eu era?

Sempre lutei contra a sensação de que não era capaz, mas parecia cada vez mais difícil ao ver minhas notas baixas nas matérias de exatas. Cálculo, álgebra, matemática e física. Todos os números em vermelho, médias baixas que me fizeram acreditar que não podia ser tão inteligente quanto quem havia conseguido.

Imaginei o que mamãe diria agora. Giulia De Angelis me seguraria pelos ombros e, após me sacudir um pouco –o mais suavemente permitido a sua agitação italiana–, diria que sou a garota mais inteligente do mundo e que tudo ficaria bem.

Mas agora parecia difícil acreditar. Mamãe não estava aqui, papai vai me chamar de idiota quando descobrir e não tenho coragem de contar para vovó nem para meu irmão, Lorenzo. O que vou fazer com essa notícia?

A tela do computador piscou e movi o mouse, abrindo o chat do grupo que possuía com Francine e Nicholas. A essa altura, ambos já deveriam ter descoberto que estudaríamos juntos no próximo ano. Isso se eu não fugisse do país para me esconder nas montanhas mais altas do Chile e viver de frutas vermelhas, compartilhando a água dos rios com os animais.

Nicholas estava tentando me consolar. Provando ser a pessoa gentil e amável que sempre foi, escreveu palavras que eram quase capazes de me tirar da foça. Talvez, se eu me empenhasse um pouquinho mais, conseguiria permitir que o que Nicholas dissera se provasse verdade dentro de minha cabeça.

Mas Francine Maritza possuía um jeito diferente de arrancar pessoas de um dia ruim. Ela enche seu chat de mensagens, em suma maioria em letras maiúsculas, deixando claro que quer gritar na sua cara que você precisa, sim, sair para uma festa ou algo parecido.

E quando ela acha que isso não vai funcionar, existe uma grande chance de ela aparecer na porta do quarto com uma bolsa gigante cheia de opções de roupas e acessórios. E maquiagem também. Isso quando ela não insiste no salto alto.

Respirei fundo antes de pegar o celular com o papel de parede cujo era a capa de meu livro. Meu nome no cantinho da tela me fez abrir um pequeno sorriso. Abri o chat do grupo e mordi os lábios, começando a gravar um áudio.

–Não sei se quero botar a cara na rua hoje, France. –Suspirei. –Talvez seja melhor deitar na cama, enfiar a cara no travesseiro e chorar até desidratar.

Enviei o áudio. Pude ver Francine revirando os olhos.

Estranhei a demora para a resposta. Talvez Francine tivesse desistido de enfrentar a grotesca casca que seria me tirar de casa em um dia como esse.

Mas isso não era uma característica de Francine, porque ela não desiste sem lutar. E nem depois de lutar. Quando a guerra acaba, lá está ela, com a espada pela metade, gritando com os invasores.

Meu celular vibrou tão repentinamente em minhas mãos que pulou feito pipoca. Por sorte, consegui evitar o desastre de o aparelho chocar-se contra o chão e atendi rapidamente a ligação de Francine.

Até breve, Romeu Onde histórias criam vida. Descubra agora