XXVI - O que você realmente quer?

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Um grito escapou de minha garganta quando a bala atingiu a porta, acima de nossas cabeças.

Lorenzo e eu estávamos embolados feito um novelo de lã. Não sabia como nem quando havia recuperado a consciência, mas estava taxada contra a porta, agarrada ao aperto assustado de meu irmão. Quase acreditava que estávamos assistindo tudo de uma outra dimensão.

Meu coração batia tão rápido que poderia saltar para fora a qualquer momento. Ainda sentia minha cabeça latejar e era preciso forçar meus olhos cansados e amedrontados a se manterem abertos.

Acima de nossas cabeças, o caos rolava solto. O tiro, que fora disparado pelo homem que ainda não sabia o nome, pegara na fechadura da porta. Quase em Lorenzo, ou em mim.

Em seguida, Merle estava na sala. Ele gritou com o homem ao ver os filhos –se é que realmente nos via assim– amontoados no chão, o que não pareceu agrada-lo e levou a uma série de acontecimentos apavorantes.

Tudo parecia acontecer em câmera lenta. O homem se virou para Merle, girando o corpo à sua direita, a arma na mão a todo e qualquer momento.

Os olhos de Merle assumiram um novo nível de pavor e ele girou nos calcanhares, prestes a disparar para o quarto, onde devia acreditar que estaria seguro. Seguro e sozinho, como sempre gostou.

Primeiro um policial invadiu a casa. Depois outros dois e então mais um. Todos correram em direção ao homem, ou talvez a Merle, com a disposição de javalis jovens, ainda com muito a correr.

Talvez seja estranho comparar policiais com javalis em um momento como esse.

E mesmo assim, não houve tempo.

Mais um revólver foi disparado, vindo da mão do homem desconhecido.

E acertando Merle.

O máximo que consigo lembrar depois disso foi o grito que escapou de minha garganta. Levantei imediatamente, quase me esparramando sobre os joelhos e usando as mãos para poiar o corpo. Lorenzo me segurou, puxando-me para o chão. E tudo caiu em desastre.

Agora, parada e de pé no corredor silencioso do hospital, não conseguia lembrar com clareza de tudo que acontecera no apartamento. Lembrava de alguns momentos, de tentar pressionar meu pai e forçar-me a entender porque ele fizera aquilo.

Assim que o homem, que agora fora identificado como Carl Wason, atirou em Merle... Tudo se tornou um borrão.

Uma extensa janela de vidro separava Merle e eu. Em um quarto, ele dormia conectado a alguns aparelhos, sereno e alheio a qualquer maldade do mundo. Será que estava sonhando? Será que era capaz de lembrar, parte por parte, de tudo que aconteceu dentro de seu apartamento?

A pergunta que mais insistia em aparecer era: Ele se sentiria culpado? Não quero ser egoísta, mas meu próprio pai me empurrou para uma presepada em que poderíamos não ter sobrevivido. Merle também não se importou em ter certeza de que eu poderia nos tirar daquela, mesmo que continuasse sendo injusto. Apenas nos colocou sob a mira de um revólver, por seus próprios erros e escolhas.

Não tenho certeza se sei como pais devem se comportar, mas ao longo da vida, observei várias relações que eram muito diferentes da que eu possuía com Merle. O pai de Francine organizara uma pequena –e incrível– viagem que nos levou a uma cidade a umas três horas de viagem, mas que maravilhou Francine e se encaixou como um de meus finais de semana favoritos. Já o pai de Nick, mesmo deixando-o vermelho feito um tomate, fazia questão de perguntar sobre os namorados, ou oferecer para leva-lo em projetos sociais.

Até breve, Romeu Onde histórias criam vida. Descubra agora