Nunca seria capaz de esquecer aquela noite.
A pouco menos de quarenta minutos, o mundo estava ruindo, uma avalanche descontrolada de acontecimentos chocantes. As cenas iam e voltavam em minha memória, variando entre câmera lenta ou acelerados demais, embolando-se uns nos outros.
Como cereja do bolo, estava meu próprio pai me apontando aquela arma.
Meu corpo o reconheceu antes de minha consciência. Recuei, abaixei a cabeça e tive medo. Me encolhi e não tive nenhuma reação, até que Diana despertasse a adrenalina em meu corpo para que eu corresse e impedisse o desastre que aconteceria fora do prédio do colégio.
Agora, no fim da noite, eu estava no último lugar que teria imaginado: em uma delegacia, na sala do delegado.
Sentada ao lado de meu irmão mais velho, eu segurava sua mão como se ele fosse desaparecer a qualquer instante. Apertava seus dedos entre os meus, torcendo para que não apertasse demais, e permanecia encarando as cortinas escuras que eram as mesmas desde nossa chegada. Meus olhos não assumiam outra direção, mas minha mente estava aprisionada no mesmo lugar.
Infelizmente, no passado.
— Ele era da operação. Donatello me contou que ele está confessando tudo. — quebrei o silêncio, recebendo um olhar surpreso de Lorenzo. — Incriminou você, me usou e enganou e queria aproveitar o baile para transportar as drogas para outro país.
Lorenzo arqueou as sobrancelhas. O cansaço estava estampado em seu rosto, os olhos pesados e fundos, olheiras marcantes. Estava pálido e lento, ombros caídos e desanimados. Tentava se mostrar forte, prestando atenção em todos os meus movimentos e em tudo que dizia, forçando os olhos a ficarem abertos.
— Sempre que lembro do quão ruim foi ficar lá dentro... — Lorenzo comentou, depois de pensar por um tempo. — Ainda mais agora, que sei de quem foi a culpa. Não entra na minha cabeça como Merle teve coragem de nos usar desse jeito.
— Não é tão surpreendente, só é chocante nos primeiros minutos. Na verdade, é estranho porque magoa muito.
Lorenzo apenas fez que sim com a cabeça. Nenhum de nós estava com muita cabeça para conversar por muito tempo.
A porta se abriu e Donatello inclinou o corpo para dentro da sala. Ele abriu um sorriso hesitante, como um pai incentivando os filhos a tomarem uma injeção dolorida, e meu estômago se revirou. Estava na hora de falarmos com Merle.
Aquele não era um procedimento padrão. Era um procedimento criado por um delegado amigo da família, que era um pai consciente e carinhoso, e prezava por sua família acima de qualquer coisa. Não era um favor, e sim algo que ele estava fazendo por altruísmo, apenas por acreditar que era o certo.
Merle estava sentado em uma cadeira de metal, com as mãos cruzadas sobre a mesa, encarando o próprio reflexo. Assim como eu, ainda vestia a roupa do baile, o terno em melhor estado que um vestido que seguia arrastando pelo chão desde o início da noite.
— Estou quebrando um protocolo deixando eles falarem com você, Merle. — Donatello avisou. — Não pense que é por você, eu gosto muito dos seus filhos. Você é um bosta.
Ergui as sobrancelhas. Lorenzo piscou um pouco mais devagar.
— Bem... — Donatello pigarreou, as mãos arrumando o nó de sua gravata. — Vou sair agora. Dez minutos, crianças.
Donatello olhou pelo menos duas vezes por cima do ombro antes de sair. Demorou até mesmo a fechar a porta, deixando Lorenzo e eu plantados em frente a Merle, ambos desconcertados. Estava tão ansiosa que não sabia nem onde botar as mãos que suavam frio, apertando o tecido do vestido entre os dedos.
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Até breve, Romeu
Storie d'amoreJulieta De Angelis é uma jovem escritora italiana que teve um ano difícil. Após vencer a adaptação à um novo país, atolou-se com o trabalho e reprovou no ano da formatura. Seu livro Até breve, Romeu rodou o mundo das plataformas online com tamanho...