Observando a movimentação em volta do ônibus parado em frente à escola, usando óculos escuros e vestindo roupas inteiramente pretas, me senti uma versão fajuta de Virginia – a provável espiã da Cia –, de As Excluídas. Duvidava que permaneceria muito tempo sem ser notada, mas permanecia agarrada ao telefone público, segurando firmemente a mochila em minhas costas.
— Onde você está? — Lorenzo perguntou, curioso. — Está cochichando feito uma paranoica com teorias da conspiração do governo americano.
— Pareço mesmo uma. — confessei para minha própria imagem. — Já cheguei na escola.
Um grupo de adolescentes passou a minha frente, uma garota loura jogando os braços para o ar e, com a mochila pendurada nas costas, guiava os amigos enquanto tagarelava. Não me viram por pouco, todos os rostos focados para a mochileira saltitante.
— Acho que vou ser liberado. Ouvi uns cochichos, umas fofocas e... — Lorenzo parou por um segundo. — Hum... Bem, não encontraram nada lá em casa. Ângela contou que nona ficou meio assustada com a polícia, mas ficou tudo bem.
Eu dormira na casa de Francine na noite passada. Com a permissão de nona, a concordância de Lorenzo e o apoio de Ângela, cheguei à conclusão que embarcaria na carona que levaria Francine, Nicholas e eu até o ônibus da escola.
Pela manhã, assim que acordei, agarrei meu celular em busca de novidades. Haviam mensagens de Ângela, narrando a visita da polícia em nossa casa, desde o momento em que chegaram até a parte em que ela conseguiu convencer dona Antonella a descer para a padaria.
Repreendendo a mim mesma, eu apertara os olhos. No mesmo instante já estava de pé, vestindo as calças enquanto disparava mensagens com palavras escritas pela metade e áudios urgentes. Não aceitava que nona havia passado por uma preocupação como aquela, e eu não estava em casa.
E se tivesse acontecido alguma coisa?
— Julieta?
— Aqui, aqui, estou aqui. Pode falar, estou ouvindo.
— Provavelmente estou indo para casa. Pode ir tranquila para a sua viagem, Ângela e eu vamos cuidar da nona. — Lorenzo afirmou. A pulguinha atrás de minha orelha que acreditava em um romance entre Lorenzo e Ângela soltou um gritinho que precisei reprimir. — Tente descobrir alguma coisa.
Afirmei com a cabeça, repetindo esse pedido mentalmente. Reforcei e reforcei, repetindo as palavras de Lorenzo, agarrando-as e forçando-as a mergulhar em meu cérebro cansado.
— Vou descobrir, eu prometo. Vamos limpar o seu nome.
Não podia vê-lo, mas sabia que Lorenzo estava sorrindo.
— Grazie per essere te, ti amo. E stai attento. — ele disse.
(Obrigado por ser você, eu te amo. E tome cuidado.)
Lorenzo sempre sabia o que dizer. Se o mundo desmoronasse a sua volta e o apocalipse zumbi começasse, ele ainda saberia quais as perfeitas palavras para tranquilizar alguém.
— Prenditi cura della nonna. E anche tu. Ti amo. — eu disse.
(Cuide da nona. E de você também. Eu te amo.)
Enganchei o telefone novamente, soltando um longo suspiro cansado. Enfiei os óculos escuros na mochila e arranquei o casaco preto, mostrando meu suéter vermelho ala Papai Noel ao mundo.
Levei a mão ao bolso da calça jeans e busquei meu celular. Com o pacote de dados ligado, já havia recebido dezenas de mensagens de Francine e Nicholas, todas variando entre ANDE LOGO ou VAMOS EMBORA SEM VC, PIRIGUETE ITALIANA. Sim, em maiúsculo.
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Até breve, Romeu
RomanceJulieta De Angelis é uma jovem escritora italiana que teve um ano difícil. Após vencer a adaptação à um novo país, atolou-se com o trabalho e reprovou no ano da formatura. Seu livro Até breve, Romeu rodou o mundo das plataformas online com tamanho...