CAPÍTULO I

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Duas almas, um destino

Naquela tarde, o povo rumava para o pátio externo do palácio, conhecedor da chegada, pela manhã, da caravana de Pecos. Viam-se criaturas de todos os tipos: lavradores vestidos com suas túnicas de pano vermelho ou de listrado preto e amarelo, mulheres carregando os filhos pequeninos às costas, jovens alegres, sacudindo os brincos reluzentes, deslizando como felinos pelas ruas poeirentas, com suas túnicas colantes, deixando a nu seus ombros morenos e parte do colo exuberante, calçando finas sandálias de couro de cabra e trazendo os véus cobertos de pedrarias que tilintavam e luziam aos reflexos solares. No
palácio, a atividade ia em meio. Escravos cruzavam os vastos salões enfeitados de brocado e púrpura, em uma azáfama constante, dispondo objetos e flores em cochichos e risinhos abafados.

Dali a poucos instantes começaria o festim. Décios, escravo que gozava de
singulares regalias perante Pecos, e conseqüentemente perante o Faraó e seus sacerdotes, dirigia os outros escravos, nem sempre deixando-se levar pela benevolência e compreensão. Ostentava naquele dia uma túnica cor de vinho, com uma insígnia de pedras no peito, presa ao pescoço por um cordão azul. Fora
um régio presente do Faraó por um serviço prestado, que ele orgulhosamente ostentava nas ocasiões festivas. Décios,
pressurosamente, dirigiu-se à sala do
banquete, examinando mais uma vez se tudo estava como determinara. Sorriu embevecido: na sala havia magníficas flores, frutos, nozes, tâmaras, uvas, pães, carne e muitos outros apetitosos manjares daqueles dias: tudo disposto sobre maravilhosos coxins de púrpura e ouro ao redor das paredes cobertas por finos tecidos da Pérsia e da Macedônia. No centro, a pista onde as dançarinas deveriam efetuar seus bailados, tendo em cada canto, piras, donde saíam constantes línguas de fogo que os escravos reavivavam amiúde, ajuntando-lhes finos extratos de ervas aromáticas que
balsamizavam a sala agradavelmente. Os archotes já estavam preparados para serem utilizados assim que o sol se escondesse no crepúsculo róseo do céu de Tebas. O barulho lá fora já principiara, demonstrando
que o povo aguardava o início da festa com impaciência. As liteiras e os cavaleiros já começavam a chegar ao palácio e os salões receptivos
regurgitavam. Súbito, dois pajens, vestindo a túnica da antecâmara do soberano, saíram pelas cortinas que circundavam o coxim do Faraó. Traziam dois clarins e postando-se eretos, desceram as cortinas, tocando em seguida – como era de praxe – o sinal para anunciar o soberano. Imediatamente o silêncio se
estabeleceu. Um homem magro, calvo, moreno, envergando túnica de alvo
linho, coberta de pedrarias rutilantes, carregando ao peito a Grã-pedra, penetrou majestosamente no salão. Era o Faraó. Todos se curvaram em reverência.

Verdadeira ovação aclamou as palavras do soberano, que vinham de encontro ao desejo de cada um. Tomando Pecos pelo braço, o Faraó entrou novamente na sala de recepção, sempre seguido pelo seu imediato Potiar, que silencioso e
circunspecto, tudo observava calma e solenemente, passando em seguida para o salão do banquete, onde os demais o seguiram e os escravos começaram a servi- los. Enquanto todos se divertiam, gozando os prazeres que satisfazem as vaidades, um lugar havia onde o sofrimento imperava: eram as celas que continham os escravos prisioneiros.

Eram eles o fruto da caçada covarde e ignominiosa. Conhecedores do atentado de que haviam sido vítimas, aguardavam esperançosos uma oportunidade para fugir. No entanto, eram bem vigiados pelos soltados. Nem para comer ou outras necessidades deixavam a cela estreita e incômoda. Ouviam a alegre
algazarra que reinava em torno, o que mais os amargurava. A certa altura, porém, um dos lanceiros aproximou-se e seguido de mais outros, todos armados, falou aos prisioneiros:

– Escutai, todos. Chegou a hora de deixardes essa cela incômoda. Sereis agora selecionados por Potiar, o fiel, que designará as funções de cada um. Mas, lembrai-vos de que, se alguém tentar fugir ou rebelar-se, será severamente castigado, pagando com a vida.

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