CAPÍTULO XXI

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Destinos que se cruzam

Com o passar dos dias, Pecos foi melhorando. Como não se recordava do nome,
apelidaram-no de Morat. Alimentava-se melhor estava em franca
convalescença. Contudo, continuava angustiado. Sentia dentro de si aquela
vontade cada vez mais viva de ir a alguma parte, mas onde? Torturava-se
constantemente, procurando voltar ao passado sem conseguir. A bondosa Tarsa
compreendia o drama íntimo daquele homem e tudo fazia para auxiliá-lo a
adaptar-se à sua situação atual. Ele era-lhe infinitamente agradecido pela
generosa acolhida. Contudo, esperava Samir ansiosamente, pois sentia grande
calma e bem-estar em sua presença.
É que Tarsa agasalhara e protegera seu corpo, mas Samir, além de curar o
corpo, iluminara-lhe o espírito. Naqueles momentos de incerteza, ele
representava apoio, segurança. Confiava-lhe seus íntimos receios como a um pai
extremoso. Esperava com alegria sua palavra serena e sábia.
Um dia, após sua chegada, Samir deliberou fazer com que Pecos se sentasse no
leito e, apesar de sua fraqueza extrema, conseguiu. Estava salvo!
À medida, porém, que ele se restabelecia, outros problemas surgiram com
referência a seu meio de vida, seu futuro e mesmo seu destino. Ele sabia que
Tarsa era pobre, lutava com dificuldade para mantê-lo.
Sabia ser ele de origem egípcia, pois que suas maneiras e linguagem eram
peculiares àquele povo. Deveria certamente ter amigos, família, talvez
esperando pelo seu regresso. Mas como descobrir?
O tempo foi passando. Um ano depois de ser recolhido por Tarsa, Pecos, agora
com o nome de Morat, ainda morava com ela.
Restabelecido completamente, mudara de aspecto, emagrecera, envelhecera.
Perdera a postura altiva, havia um brilho de mágoa e insegurança em seu olhar.
No rosto, pequenas cicatrizes revelavam as lutas pelas quais passara. Desde que
se levantara, cuidara de trabalhar, a fim de não tornar-se pesado à pobreza de
Tarsa. Poucos reconheceriam em Morat a figura altaneira e orgulhosa do
guerreiro Pecos.
Ele não sabia fazer coisa alguma, não se recordava da sua profissão. Viase que
não fora lavrador, pois que desconhecia completamente esse gênero de trabalho.

A princípio, desanimara e pensara deixar a vila em busca de uma pista sobre o
passado. Samir, com bondosa paciência, lhe mostrara a insensatez de tal
aventura, aconselhando-o a permanecer em companhia de Tarsa até que
estivesse completamente restabelecido.
Samir, após esta palestra com Morat, instruíra Tarsa no sentido de proporcionar
algo que fazer ao enfermo, pois que a ociosidade, sempre perniciosa, era naquele
caso verdadeiramente desastrosa.
Cabia a Tarsa o dever de ensinar-lhe discretamente pequenos serviços na
lavoura. Para não melindrá-lo, ela deveria deixar transparecer a necessidade do
seu auxílio.
Isto despertaria nele o interesse pelo trabalho, libertando-o do seu angustioso
estado íntimo. Era evidente que ele sentia-se embaraçado de viver ocioso,
estando em boas condições físicas, sabendo a luta em que Tarsa sempre se
empenhava para arranjar-lhe o sustento.
Este plano deu bons resultados, e ele acabou habituando-se àquela vida, não mais
pensando em ir-se embora. Para Tarsa, que perdera seu filho único, era uma
verdadeira alegria a companhia de Morat.
Agora ela possuía novamente alguém para cuidar. Chegava mesmo a chamá-lo
constantemente de “meu filho”, esquecendo-se de que não lhe conhecia sequer a
origem.
Os habitantes da aldeia aos poucos habituaram-se com a presença daquele
desconhecido e, passado certo tempo, ninguém mais encontrava prazer em
comentar sua estranha história.
Muitos até puseram de lado suas superstições e desconfiança, passando a tratá-lo
cordialmente. Ele, porém, apesar de cortês, era arredio e pouco comunicativo.
As únicas pessoas que de fato lhe despertaram estima e para as quais não tinha
segredos eram Tarsa e Samir. Havia algo na pessoa do velho sábio que o
empolgava. Sempre o recebia com infinito prazer. Era uma bela manhã, Morat
preparava-se com alegria. Ele e Tarsa iriam à
casa de Samir. Fazia já alguns dias que não o viam e, indagando, souberam que
ele encontrava-se ligeiramente enfermo.
Alegre, chamou por Tarsa, que já pronta, terminava a arrumação de um cesto de
magníficas frutas. Sorrindo, ela disse:

O Amor VenceuOnde histórias criam vida. Descubra agora