CAPÍTULO XXVIII

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Solimar, o anjo bom

Voltamos agora à Terra para encontrar a casa de Jasar seis meses após a morte
de Otias. A noite descera e com ela, a magia sem igual do luar prateado de
Tebas. No salão, conversavam animadamente as pessoas da casa. Jasar perdera
um pouco da tristeza característica de seu olhar onde agora um brilho suave as
refletia. Solimar era a mesma de sempre. Mas Nalim e Sinat não podiam ocultar
a saudade que lhes ia na alma. Sofriam a prolongada ausência de Pitar.
Constantemente falavam a seu respeito. Nalim, preocupada, dizia:
– Temo que algo lhe tenha sucedido. Depois das mágoas passadas com Pecos tão
tragicamente desaparecido, não poderei estar em paz até vê-lo novamente em
meus braços.
– Acalma-te, Nalim – confortou Jasar com meiguice – as coisas não se repetirão.
A trama que atingiu meu irmão lhe foi urdida por inimigos ocultos e poderosos,
mas Pitar não os possui. Sabias que ele se demonstraria. Não há
motivos para preocupações. Certamente, dentro em breve estará conosco.
– Oh! Se eu pudesse possuir tua serenidade! Entretanto, tenho passado noites
insones. Quando consigo adormecer um pouco, terríveis pesadelos tomam conta
de mim, fazendo-me acordar nervosa e preocupada.
– Tenho notado que de algum tempo a esta parte tens emagrecido. Tua palidez
não é bom sinal. Vou preparar-te uma poção e deverá tomá-la com presteza.
Precisas dominar a crise nervosa que te ameaça subjugar o espírito. Juntando a
ação às palavras, Jasar saiu para fazer o que dissera. As três mulheres
continuaram a conversar.
Súbito, um rumor desusado se ouviu vindo do lado de fora.
– Quem será? – perguntou Nalim entre inquieta e esperançosa. Eram cascos de
animais. O ruído cessara e passos se faziam ouvir no pátio externo.
As três, movidas por um pensamento único, correram para lá. Não se
enganavam. Enfim, Pitar regressava!
Entre lágrimas, Nalim abraçou o filho, percebendo que ele se modificara um
pouco durante a prolongada ausência. Partira um rapaz e regressara um homem!

Havia qualquer coisa nele, uma nova determinação em seus gestos, que a fez
compreender isso.
Depois de abraçar a mãe com carinho e também Solimar, seus olhos
encontraram os de Sinat que, emocionada, esperava tímida, receosa, seu abraço.
Seu coração, embora exultante pelo regresso do homem amado, temia que o
tempo e a distância tivessem apagado a afeição que dissera sentir por ela. A
maneira pela qual ele a olhou, porém, acelerou o ritmo do seu coração. O
abraço apertado e o beijo ardente que depositou disfarçadamente em seus
cabelos, demonstraram-lhe que ele ainda a amava.
Entre risos e alegria, penetraram na habitação.
Jasar, atraído pelo ruído, juntara-se a eles, alegre. Subitamente, Nalim perguntou
curiosa:
– Mas por que regressaste hoje? Ainda ontem mandei indagar no forte e nos
disseram que ainda te demorarias.
Fazendo-se sério, como que escolhendo as palavras, Pitar respondeu:
– Tens razão. Ignoravam no forte que eu deveria regressar hoje. Eu não vim com
meu regimento. Motivos especiais e muito fortes obrigaram-me a retornar ao lar.
Pedi uma licença especial.
– Acaso estarás doente? volveu Nalim aflita.
– Não, minha mãe. Minha saúde é excelente. A saudade é que me castigava, mas
se abandonei o posto de soldado, foi porque necessitava defender outro muito
mais importante e nobre: o de filho!
Intrigados pelas palavras misteriosas do rapaz, olhavam-no surpreendidos. Nalim
pediu-lhe que narrasse tudo com clareza e detalhes.
Antes, Pitar pediu-lhes que se sentassem e, sentando-se por sua vez, começou
dizendo:
– Não te preocupes, querida mãe. As notícias que trago são boas. Aprontate para
uma grande e alegre surpresa!
Trêmula, Nalim, com os olhos cravados no rosto do filho, aguardava.
– Sim. Trago notícias de meu pai!

Nalim sentiu que suas pernas tremiam enquanto uma sensação de vertigem a
dominava. Indagou num sussurro:
– Ele vive? Conta-me tudo, peço-te!
Notando a grande emoção de sua mãe, Pitar correu para ela, abraçou-a dizendo:
– Acalma-te. Já disse que as notícias são boas. Procura dominar tua emoção,
senão não poderei continuar.
Jasar apressou-se em obrigá-la a ingerir a beberagem que lhe trouxera
momentos antes.
Vendo-a mais calma, pediu a Pitar que continuasse:
– Está bem – concordou ele.
E passou a narrar tudo quanto lhe acontecera durante a viagem, como travara
conhecimento com o escravo, chegando por fim a descobrir-lhe a identidade.
As lágrimas rolavam pelas faces de Nalim. Compreendeu naquele instante
solene de sua vida que ninguém desafia impunemente as leis da natureza, que
confere a cada homem ao nascer o direito de viver em liberdade. Pecos pagar
alto preço para aprender isso. Lembrou-se num relance do muito que odiara
Pecos no passado, por ele ter-lhe roubado a liberdade. Arrependia-se
amargamente disso, compreendendo que cada um recebe da vida o resultado de
seus atos. Pitar continuava:
– Desde esse instante, foi-nos difícil permanecer separados. Eu queria contar a
todos a grande descoberta e regressar imediatamente em sua companhia. Ele,
porém, temeroso de que algo lhe acontecesse, pois sabia que Omar tentaria
impedir por todas as maneiras seu regresso, pediu-me para continuar ocultando
sua identidade até concatenarmos um plano mais razoável. Acedi contrariado,
mas compreendi que ele tinha razão. Doía-me vê-lo na triste condição de
escravo, sabendo ser ele meu querido pai, herói do passado, merecedor de
respeito e amizade!
Pitar parou por alguns instantes, depois continuou:
– Por fim, traçamos um plano de ação. Ele deveria fugir, ajudado por mim. Eu
pediria licença, e ambos chegaríamos incógnitos até aqui. Assim, evitaríamos o
perigo de Omar interferir e, uma vez aqui, combinaríamos a melhor maneira de
proceder. No dia combinado, proporcionei-lhe os meios de fuga, que passou despercebida a meus companheiros, pois quem conferiu nesse dia fui eu. No dia
seguinte, cedo parti em gozo da licença a custo conseguida e encontramo-nos em
um lugar distante do acampamento. A viagem foi longa e penosa, mas felizmente
conseguimos chegar.
Nalim levantou-se de um salto.
– Queres dizer que ele veio contigo? Que está em Tebas?
– Sim, minha mãe. Não só está em Tebas, com bem próximo daqui!
– Oh! – gritou Nalim – dize onde! Anseio por revê-lo, abraçá-lo! Por que não o
fizeste entrar logo?
– Receava o choque que sua presença inesperada pudesse causar. Desejei
preparar-vos para recebê-lo. Antes devo dizer-te que ele não recobrou a
memória. Algumas vezes, parece que se recorda de alguma coisa, mas ainda se
debate nesse angustioso problema. É preciso ter calma, pois que ele a princípio
talvez nem te reconheça.
– Não importa. Quero vê-lo. Meu amor apagará do seu espírito os sofrimentos do
presente, reavivando o passado venturoso que vivemos juntos.
– Creio que tens razão. Ninguém mais do que ele necessita de amparo, carinho e
dedicação. Vou conduzir-te até onde ele se encontra.
– Irei contigo – murmurou Jasar, ansioso por abraçar seu querido irmão.
– Nós aguardaremos aqui – esclareceu Solimar, discreta.
Sinat assentiu. Pitar saiu conduzindo sua mãe e o tio para os jardins. Parou a certa
altura, dizendo:
– Ele está lá, naquele caramanchão. É melhor que eu fique aqui por enquanto.
Assim conversarão mais livremente. Depois aparecerei. Nalim, sentindo que as
pernas fraquejavam, apoiou-se em Jasar para poder caminhar.
Sim. Pecos estava lá! Seu coração, imerso em dúvidas e temores, era invadido
sucessivamente pela alegria e pela tristeza.
Sentia-se bem naquele jardim onde cada recanto lhe parecia agradavelmente
familiar. Mas e sua família, como o receberia? Aquela bela mulher que sabia sua
esposa, depois de tantos anos, amá-lo-ia ainda? Seu regresso em circunstâncias
tão inesperadas e singulares não seria para ele motivo de desagrado?

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