CAPÍTULO X

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Promessa e provação

Na casa de Pecos, os preparativos para as bodas iam a termo. Esperava-se
impacientemente o retorno dos noivos. Tudo fora modificado a gosto de Otias, que tornara a casa ainda mais suntuosa.

O velho Osiat, feliz, cuidava do bom andamento do serviço, vigiando se tudo estava de acordo com os desejos da filha.

Enfim, realizaria seu sonho! Já estava velho e doente e sua filha não ficaria desamparada após a sua morte. Conhecia bem o sobrinho e muito o estimava. Impaciente, Osiat olhava sempre para a estrada à procura da liteira que traria sua filha de volta, devidamente instruída sobre suas obrigações matrimoniais.

À certa altura, o velho viu uma comitiva que se aproximava. Era ela com certeza. Correu às portas do jardim para recebê-la.

Otias regressava feliz e bem-disposta. Perguntou por Pecos. Soube que ele não regressara ainda e ficou contrariada. Ele deveria ter voltado para recebê-la. Mas Jasar a esperava. Depois de cumprimentar o primo e abraçar o pai, penetraram na casa.

As horas se escoavam e a noite descia trazendo toda sua agradável frescura, e Pecos não voltara. Todos já começavam a impacientar-se. Faltavam somente três dias para as
bodas e havia muitos preparativos a ultimar.

No dia seguinte, começaram a ficar ligeiramente preocupados. Parecia que algo estranho sucedera, pois que Pecos já deveria ter voltado. Mandaram chamar
Martus a fim de perguntar-lhe sobre Pecos, uma vez que ele teria sido um dos que o acompanharam até o templo de Amon. Martus ficou desolado, pois nada poderia informar. Vira Pecos na noite da festa. De fato haviam combinado que ele o acompanharia, mas bebera demais e quando acordara, já ia o dia em meio.

Viera correndo até a casa de Pecos, mas soube por um servo que ele já tinha partido bem cedo em companhia de dois soldados.

O velho Osiat recriminou Martus pela sua negligência e ordenou que fosse até o templo indagar de Pecos. Era tudo muito estranho!

Martus voltou esbaforido com a notícia de que Pecos não havia estado no templo.

Apenas mandara um lanceiro avisando a transferência das bodas, dizendo que
explicaria tudo depois.
Otias, aflita, chamou Jasar narrando-lhe o sucedido. Jasar, temeroso pela vida do
irmão, sugeriu a Martus que organizasse um bom número de lanceiros e saíssem
em busca de Pecos.
Otias, desesperada, mais pelo fracasso de seu casamento do que pela vida do
noivo, via aproximar-se o dia da cerimônia.
Jasar, preocupado, procurava uma explicação. O nome de Rabonat veio-lhe à
mente logo. Se seu irmão lhe tivesse caído nas mãos, não mais estaria vivo. E a
fuga das duas escravas da casa teria alguma relação com o desaparecimento do
irmão? Era bem provável. Os dias iam passando, e Pecos não era encontrado. O
Faraó, ciente do ocorrido, organizou verdadeiros planos de captura
esquadrinhando todas as estradas.
Conseguiram encontrar uma pequena casa que servira de esconderijo a Rabonat
e seus homens. Identificaram-na pelos objetos que encontraram pertencentes a
ele e ainda pelos vestígios claros de uma fuga preparada com rapidez.
Na casa de Pecos, seus familiares estavam desolados. Tudo fazia crer que os
raptores já tivessem fugido para longe, provavelmente levando seu prisioneiro
uma vez que o cadáver de Pecos não fora encontrado.
Além do mais, Osiat, com os contratempos que vieram inutilizar seus mais caros
desejos, recaíra enfermo, sendo bastante grave seu estado. Naquela noite fresca
de um luar opalino, Jasar estava triste e acabrunhado, apesar de toda sua força de
vontade no sentido de dominar-se. Estimava muito o irmão, a quem se apegara
bastante depois da morte dos pais. Temeroso, pedia aos imortais por ele. Mas, por
mais que procurasse tornarse otimista, estava triste e com o coração envolto em
maus presságios. O tio enfermo. Otias caíra em uma apatia nervosa que nem a
doença paterna conseguia demolir.
O ambiente da casa era opressivo. A única luz que brilhava em torno deles, era o
devotamento de Solimar. Jasar enternecia-se ao lembrar seu desvelo por todos os
que necessitassem dos seus cuidados. Ele sentia necessidade de paz, de calma e
de conforto espiritual.
Pôs-se a caminhar a esmo e sem sentir, chegou ao local onde encontrara Solimar
pela primeira vez. Novamente notou a beleza acolhedora daquele recanto ameno
e agradável. Sentou-se ao pé da grande árvore ali existente. Seu olhar perdeu-se
contemplativamente na imensidão do infinito. Gostava de observar e meditar sobre os fenômenos da vida, da natureza, perguntando-se por que a maioria dos
homens no dia-a-dia não se dava ao trabalho de investigá-los. De repente ouviu
passos. Alguém se aproximava. Jasar, contrariado por ver seu sossego
perturbado, ia levantar-se, quando, aliviado, deparou com Solimar. Esta, ao vê-lo,
embaraçou-se:
– Desculpai se vim perturbar-vos, mas eu me retiro.
– De modo algum, não consinto. Eu é que usurpei-te o lugar de repouso, vindo
gozar aqui a quietude da noite. Já que vieste, fica. Não desejo perturbar teu
recanto preferido, mas seria um prazer podermos conversar um pouco. Senta-te
aqui ao meu lado.
Jasar falava-lhe não como a uma escrava, mas como a uma igual. Para ele,
Solimar era um elevado espírito e sua condição de escrava não o tolhia. Um
pouco ruborizada, ela sentou-se na relva ao lado dele. Nunca estivera tão
próxima a ele. Isto perturbava-a agradavelmente.
Jasar representava para ela muito mais do que a bondade ou a compreensão.
Sentia por ele uma ternura infinita que não procurava sufocar, embora soubesse
ser um amor impossível às leis humanas.
Jasar, sentindo a proximidade da moça, também exultava interiormente,
desejando prolongar ao máximo aquele momento.
Conversaram sobre diferentes assuntos, porém, sem refletir no que diziam, pois
seus pensamentos estavam concentrados naquela irresistível atração. Jasar
olhava o meigo rosto de Solimar e havia todo o ardor de uma ternura profunda
em seus olhos.
A moça, sentindo o peso daquele olhar, olhos baixos, levemente ruborizada,
procurava controlar as batidas do coração terrivelmente aceleradas.
– Solimar, olha para mim. Quero ver teus olhos.
Ela vagarosamente alçou a cabeça, e ele viu na luminosidade daqueles olhos radiosos aquilo que seu coração pedia. Esquecidos de tudo o mais, viviam aqueles minutos infinitamente felizes, longe de tudo e de todos. Depois, Jasar, num impulso mais forte do que sua vontade. apertou-a efusivamente em seus braços, cobrindo-lhe de beijos os cabelos
revoltos.

O Amor VenceuOnde histórias criam vida. Descubra agora