CAPÍTULO XVIII

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Traição

A viagem era longa e penosa. Durante algumas semanas, trabalharam na
reorganização do exército e, por fim, prosseguiram rumo a Barbah. Omar fazia
questão de manter Pecos como seu imediato, procurando mostrar-se benevolente
com ele, mas buscando de toda forma humilhá-lo, obrigando-o a serviços
corriqueiros. Pecos tivera inúmeras alterações com ele, e Omar por diversas
vezes o prendera como repreensão.
Os outros soldados, habituados a verem em Pecos seu chefe, não gostavam da
forma como Omar o tratava. Muitos passaram a odiá-lo por causa disso. No
porto de Bordaim, entraram em uma embarcação rumo a Barbah. Os remos que
os escravos movimentavam com precisão, derramando seu suor e muitas vezes
seu sangue, eram vagarosos. Mal acomodados na pequena galera, sem conforto
nem higiene, muitos adoeceram.
Seis homens foram escolhidos para espionagem. Disfarçados de mercadores e
lavradores, já haviam traçado um plano de ação. Teriam que separar-se.
Seguiriam rumos diferentes, dois a dois, procurando investigar todo o potencial do
exército assírio.
Tinham para isso oito dias, findos os quais, deveriam encontrar-se no porto para o
regresso, de posse de todas as informações. Assim, após o desembarque,
entregando a cada um o necessário para sua manutenção, Omar dividiu-os em
grupos, reservando Pecos para acompanhá-lo.
Este, desanimado, cansado, saudoso da família, sentindo-se enfermo, irritou-se
com a escolha. Sabia que Omar desejava tê-lo a seu lado para humilhálo. Apesar
disto, não demonstrou o que lhe ia na alma, guardando silêncio. Procuraram
depois uma taberna para passar a noite, pois que já era tarde. Iniciariam o
trabalho no dia seguinte. Pecos, deitado na pequena cama em um quarto exíguo
da taberna, pensava.
Recordava saudoso a esposa amada e o filho, enternecido. Contava regressar
brevemente e estava ansioso para abraçá-los. O cansaço venceu-o e adormeceu,
porém, seus sonhos não foram calmos.
Parecia-lhe estar em um local estranho, cuja cerração o envolvia aos poucos.
Do outro lado, sabia que estavam a esposa e o filho. Precisava vencer aquela neblina para ir ter com eles, entretanto, ela se adensava mais e mais, levando-o
cada vez mais longe dos entes queridos.
Aterrado, ele gritava com todas as forças de seus pulmões, porém, sua voz saía
abafada e as palavras ininteligíveis. Acordou, por fim, suspirando aliviado ao
reconhecer ter sonhado, mas uma vaga sensação de tristeza o invadiu, como um
mau presságio.
Levantou-se com o coração opresso. Abriu o pequeno postigo que dava para a
rua. Agradável brisa com aroma levemente salino penetrou no quarto, fazendo-o
sentir-se mais calmo. Mas já era muito tarde quando conseguiu novamente
adormecer, vencido pelo cansaço.
Omar, por sua vez, assim que se recolheu ao quarto, não pôde esconder sua
satisfação. Tudo caminhava bem e tinha-o agora praticamente em suas mãos.
Odiava Pecos e há muito procurava uma ocasião para livrar-se dele. Jamais
conseguira esquecer Nalim, pelo contrário, se já a amava quando escrava, ao
vê-la transformada em nobre, seus encantos, realçados pela suntuosidade de seu
gosto de mulher vaidosa, aumentara ainda mais o seu doentio desejo de possuí-la.
De todas as maneiras havia procurado despertar-lhe o interesse, mas a moça o
tratava sempre como a um desconhecido.
Exasperava-o tal situação. E ao saber que ela amava o marido, considerou que se
ele desaparecesse, forçosamente ela deixaria de amá-lo. Então, ele a
conquistaria.
Como, porém, Pecos lhe era superior, nada pudera fazer, mas quando a situação
o favorecera com a brilhante carreira e o desprestígio de Pecos, ele concebeu
um plano para livrar-se definitivamente do odiado rival. Ao surgir aquela
oportunidade, percebeu que a ocasião era propícia. Ficar só com Pecos,
favorecialhe os planos. Omar deitou-se, porém, não conseguiu adormecer. Seus
pensamentos agitados, tramando seu tétrico projeto, o deixavam excitado.
Dissera a Pecos que repousariam até a metade do dia seguinte quando iniciariam
o trabalho. Porém, mal o dia clareou, ele levantou-se e vestindo-se rapidamente,
saiu cauteloso ganhando a rua.
Barbah era uma província relativamente grande. Seu porto era a porta de suas
riquezas, pois que possuía intenso movimento. Os pescadores trabalhavam
ativamente, negociando o produto do seu trabalho com os artigos de que
necessitavam, no grande e curioso mercado local.
Seus tapetes eram famosos no mundo daquela época e negociados para outras terras. Também fabricavam lindos enfeites de cerâmica com arabescos
coloridos. Era uma cidade comercial e logo cedo suas ruas estavam já
movimentadas.
Omar, preocupado, indiferente ao burburinho das ruas, apressou-se em procurar
o mercado que distava poucos passos dali.
Perguntou a diversas pessoas por um nome e por fim conseguiu encontrar o que
procurava. Tratava-se de um indivíduo de miserável aspecto, com uma
expressão perversa em seu rosto matreiro.
Omar foi recebido efusivamente, parecendo conhecerem-se muito bem, e
conduzido ao interior de uma pequena habitação perto dali. Uma vez a sós, Omar
foi direto ao assunto.
– Preciso de ti, Jubar. Muitas vezes te prestei auxílio ajudando tua fuga do meu
país. Agora chegou o momento de retribuíres os favores recebidos. Com um
servilismo repelente, Jubar curvou-se, sorrindo e dizendo:
– Podes pedir. Devo-te muito e tudo quanto fizer jamais saldará minha dívida
contigo. Mas não quero encrencas com a justiça, pois que já estou um tanto
marcado pelas autoridades.
– Bem, o serviço não te comprometerá. Preciso livrar-me de um obstáculo que
obstrui o meu caminho.
– Algum inimigo político?
– Não. Um marido impertinente.
Jubar casquilhou uma risada velhaca.
– Já percebo. Creio que poderei servir-te, mas creia – ajuntou lamuriante –
que preciso de algumas moedas. Como sabes, estou em precária situação
financeira.
– Dar-te-ei algumas jóias como pagamento. Combinado?
– Antes preciso vê-las, para fechar o negócio.
Omar, que fora preparado, tirou de um bornal que levava a tiracolo um pequeno
saco, abrindo-o ante os olhos cobiçosos de Jubar.

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