CAPÍTULO XIX

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O gosto da derrota

Voltemos agora a Tebas, alguns meses atrás, na amorável residência de Pecos.
Nalim, radiante, aprontava-se com esmero. Sabia que Omar voltara, e
conseqüentemente seu marido dentro de poucos minutos deveria estar em casa.
Em alegre expectativa, juntou-se ao filho no pátio externo que dava para os
portões principais. Ambos felizes, esperavam.
Vendo que tardava, resolveram caminhar um pouco pelos jardins próximos aos
portões de entrada.
Mas o tempo passava e Pecos não chegava. Apreensiva, ao cair da noite, ela
recolheu-se com Pitar, que estava decepcionado.
A noite desceu de todo e a esposa de Pecos sentia o coração envolto de lúgubres
pressentimentos. Disfarçando em presença do filho, obrigou-o a recolherse
dizendo-lhe que certamente seu pai demorava-se porque ficara retido no palácio
do Faraó por obrigações militares.
Porém, quando se viu a sós, terrível angústia a dominou. Suspirou aliviada quando
Jasar regressou à casa. Estivera fora o dia todo. Assim que entrou, após os
cumprimentos, perguntou:
– Estou terrivelmente aflita, Jasar! Soube que Omar está na cidade e até
agora Pecos não apareceu. Tu poderias ir ao palácio investigar?
– Irei. Antes preciso ver Otias e saber do seu estado. Não me demorarei. Estive
fora o dia todo, e ela deve estar preocupada.
Jasar saiu para ir ver a esposa e Nalim, aflita, esperava um tanto impaciente que
ele voltasse quando Jertsaida veio lhe anunciar que Omar desejava falar-lhe.
Sobressaltada, com o coração envolto em negros presságios, ordenou ao servo
que o conduzisse ao salão.
Logo depois, Omar, sério, com certo ar preocupado, penetrou no aposento.
Saudou-a cortesmente, assentando-se em seguida no delicioso coxim que lhe
oferecia.
– Minha presença aqui prende-se a um assunto muito desagradável. Sabeis o
quanto vos estimo! Tudo enfrentaria para não vos causar o mais leve desgosto!

– Por favor, nobre Omar. Vossas palavras vêm aumentar a angústia do meu
coração. Onde está meu marido?
Omar lançou um olhar no rosto pálido e contraído da jovem mulher. Um
sentimento de acerbo ciúme o dominou ferozmente. Eram para o odiado rival os
pensamentos dela! Amava-o tanto que sofria por ele a tal ponto!
Uma íntima satisfação dominou-o quando disse:
– As notícias que vos trago são más, não vos posso negar. Muitas vezes em minha
carreira, em defesa do nosso rei e do nosso país, nos empenhamos a tal ponto que
arriscamos a vida constantemente.
Amoça bebia-lhe as palavras com avidez, sentindo-se desfalecer. Ele continuava:
– Sinto dizer-vos que vosso esposo está morto! Morreu a serviço da pátria!
Nalim, olhos desmesuradamente abertos, faces de cera, parecia não haver
compreendido bem.
Sacudindo a cabeça como a expulsar tal idéia da mente, perguntou com voz
sumida:
– Que dizeis?
– Vosso esposo está morto. Morreu nobremente em defesa da pátria. Sacudindo a
cabeça com violência, Nalim perguntou:
– Não creio! Estás mentindo! Ele não pode estar morto!
– Pois está. E morreu como um verdadeiro herói!
Jasar, que penetrava no aposento, ouvindo aquelas palavras, correu para Nalim,
que cambaleava trêmula, amparando-a com carinho.
Dirigindo-se a Omar, secamente disse:
– Senhor! Creio que abusastes das noções de cavalheirismo! Jamais se transmite
tal notícia assim, de pronto, a uma mulher!
Omar, um pouco contrariado pela interrupção, disse:
– Fui precipitado, mas, de alguma maneira, precisavam saber. Fui franco.
– Conta-nos como foi – exigiu Nalim, com os olhos secos e brilhantes de exaltação. Sua voz era metálica e fria.
Preocupado, Jasar, que a amparava solícito, sugeriu:
– Deixemos os detalhes para mais tarde, agora estás muito nervosa!
Ele também sentia-se abalado profundamente. Estimava o irmão com
verdadeiro carinho e sofria! Esforçava-se para controlar-se, mostrar-se forte e
socorrer a cunhada.
– Não. Estou perfeitamente bem. Podeis falar – ordenou Nalim.
– Bem, falarei se assim o desejais. Nós estivemos em Barbah, uma província
persa, onde havia uma concentração do exército de Farfah. Fomos incógnitos,
disfarçados de mercadores para espionar-lhes as condições. Tudo caminhou bem
e na hora do embarque de regresso, percebi que esquecera a minha sacola de
jóias na taberna. Pecos ofereceu-se para apanhá-la, uma vez que eu precisava
ultimar o nosso embarque com o dono do barco. Infelizmente, havíamos sido
descobertos e ele foi preso. Como resistisse, negando-se a denunciar-nos, foi
morto no mesmo instante pelos soldados do bárbaro Farfah. Um dos meus
homens viu e nos contou tudo. Embora pesarosos, fomos forçados a nos retirar,
porque se ficássemos, poríamos tudo a perder. Eis tudo quanto aconteceu...
Amoça ouvira calada e pensativa.
Quando ele terminou, ela ergueu-se de um salto e estendendo seu dedo acusador,
gritou-lhe enlouquecida pelo desespero:
– Assassino! Covarde! Não creio em uma só das tuas palavras. Odiavas meu
marido, porque te desprezei e tu o mataste! Mas crê que meu ódio perseguirte-á
o resto dos teus dias. Acreditavas, talvez, que ele desaparecendo, eu seria tua!
Mas jamais te pertencerei, porque te desprezo, te odeio! Ainda chorarás lágrimas
de sangue pelo crime que praticaste.
Cobrindo o rosto com as mãos, ela atirou-se aos braços do cunhado.
– Estás enganada, Nalim – foi o que Omar, pálido, pôde balbuciar, ainda mal
refeito da inesperada atitude da moça.
Mas ela, notando-lhe o embaraço, exasperou-se ainda mais, gritando-lhe:
– Fora daqui, miserável assassino! Fora desta casa, traidor perverso. Que nunca
mais eu te veja em meu caminho, porque serei capaz de matar-te com minhas próprias mãos!

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